O Paraíso é um estado em que todas as nossas necessidades físicas e psicológicas são prontamente satisfeitas. É o que normalmente ocorre no relacionamento mãe/bebê. A criança vive no paraíso provido pelos pais. Com acesso livre ao inconsciente coletivo, a criança contata principalmente o arquétipo do Si-mesmo, totalidade e potencialidade do ser humano, princípio de organização e gerenciamento da personalidade, simbolizado por além de imagens divinas, figuras espirituais, certas formas geométricas e objetos mágicos. Como não diferencia precisamente o que se encontra em seu interior do que se localiza exteriormente, percebe seus pais e o Si-mesmo como um mesmo ser, responsáveis por prover e gerenciar sua vida física e afetiva. Assim, seus pais são vivenciados como se deuses fossem – tudo podem e tudo conhecem.
Percebemos que o Gênesis descreve o ato de criação por Deus como efetuado pela palavra, pela separação de opostos e pela nomeação. O quadro abaixo ilustra claramente isso.
DIA
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PALAVRA
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SEPARAÇÃO
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NOMEAÇÃO
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1º
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“Haja
luz!”
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Luz
e trevas
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Dia
e noite
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2º
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“Haja
um firmamento...”
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Águas
das águas
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Céu
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3º
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“...que
apareça o continente.”
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Continente
e águas
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Terra
e mares
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4º
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“Que
haja luzeiros...”
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Luz
e trevas
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Grande
luzeiro (Sol), pequeno luzeiro (Lua) e estrelas
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Quando conseguimos exprimir em palavras algo que sentimos, mas que ainda não havíamos conseguido expressar, nós avançamos na consciência desse conteúdo. É como se criássemos algo, como se alguma coisa ainda inexistente fosse criada. Em um processo de psicoterapia ou qualquer outro em que surgem insights, isso é facilmente percebido. No processo, descobrimos o que nos era inconsciente e conseguimos nomeá-lo, separamos a luz recém-percebida das trevas anteriores. Algo semelhante ocorreu após o nosso nascimento, e também com o homem primitivo, à medida que conseguia articular mais palavras e desenvolver sua consciência, mas isso de maneira muito mais lenta. Os passos da criação da Terra por Deus parece refletir esse desenvolvimento da consciência humana. É como se Deus, seu reflexo em nós, isto é, o Si-mesmo, estivesse criando a luz, separando-a das trevas, dividindo fatores psíquicos e nomeando fatores em nós que eram projetados no mundo externo. É a divisão que torna possível o conhecimento, pois lançar luz torna possível fazer com que as sombras realcem os objetos para que possamos vê-los. Tenhamos somente luz, ou somente sombras, e seremos ofuscados ou vendados.
Nomear objetos e pessoas é um processo importante para se lidar com o outro interna ou externamente. Como “outro” designo não apenas objetos, pessoas, animais, acontecimentos e atividades do mundo exterior, mas também sentimentos, pensamentos, sensações, insights e lembranças que surgem internamente em nossa consciência. A nomeação de animais é uma das primeiras ações de Adão que exige um mínimo de consciência, e é a base da abstração, da capacidade de se pensar sobre algo sem sua presença imediata. Nomeando, o Eu inicia o processo de sua separação do outro com quem interage, e de sua definição. Nessa condição inicial, onde a consciência ainda é muito precária, não possuímos ainda a carga da responsabilidade que o conhecimento nos dispensa. De início, não é nem Adão que dá nome, mas o próprio Deus. Isso pode refletir o estágio em que o homem primitivo e a criança atribuem nomes de maneira espontânea, não intencional. Não é o Eu que faz, mas algo no inconsciente, o seu modelador, seu projetor, o Si-mesmo.
EVA COMO COSTELA DE ADÃO
Como Eva é criada a partir de uma costela de Adão, pode-se considerá-lo como possuindo ambos os sexos, um andrógino, para uma interpretação que faça justiça a ambos os sexos e princípios. Uma interpretação mais literal tenderá a interpretar a Bíblia tão somente do ponto de vista masculino, tornando a mulher um simples apêndice do homem.
É interessante que, nesse ponto, a Bíblia (Gênesis 2: 23-24) estabelece uma correspondência entre a criação da mulher a partir de Adão e o casamento, uma vez que Eva é agora osso dos seus ossos e carne da sua carne. Mais adiante, o primeiro livro da Bíblia sintetiza a criação do homem:
1 Eis o livro da descendência de Adão: No dia em que Deus criou Adão, ele o fez à semelhança de Deus. 2 Homem e mulher ele os criou, abençoou-os e lhes deu o nome de "Homem", no dia em que foram criados. BÍBLIA (Gênesis 5)
No dia em que Deus fez Adão, este era à semelhança de Deus, e homem e mulher Deus os criou. A Bíblia aqui se refere a Adão como duplo, homem e mulher. Logo, Deus não é masculino, nem feminino, mas contém os dois princípios. Além disso, deu a ambos o nome de “Homem”, ou seja, denominou-os “humanos”. Campbell (2008, p. 65) afirma que Adão, em hebraico, significa “terra”, provavelmente uma referência à sua origem, o barro.
A palavra “costela” (de onde Eva foi gerada) é uma tradução de Lutero da palavra judaica “tselah”, cuja raiz “tsel” significa “sombra” (DAHLKE e DETHLEFSEN, 2002, p. 61). Assim como psicologicamente o Eu possui uma sombra, que é a oposição dos seus atributos enraizada na sua própria origem (ver o texto “A origem e a natureza do Eu”), o homem, na perspectiva da nossa cultura patriarcal, possui uma figura sombria, também estabelecida na sua criação – a mulher. Na verdade, convém antes afirmar que um é a sombra do outro. Mulher e homem formam um indivíduo original completo, cujos aspectos distintos são assim conhecidos. Na mitologia grega podemos encontrar uma divisão semelhante e esclarecedora.
O MITO DO ANDRÓGINO
Brandão (1991, p. 34), se referindo a Platão, em sua obra “O Banquete”, explana que “andróguynos” (andrógino), é uma palavra composta de “andrós”, macho, "homem viril", e de “guyné”, fêmea, mulher. Segundo ele, em tempos antigos, a natureza do homem era diferente da que se vê hoje. Haviam três sexos: o masculino, o feminino e um terceiro, composto dos dois primeiros, da natureza de ambos.
Este ser especial formava um só elemento, com dorso e flancos circulares: possuía quatro mãos e quatro pernas; duas faces idênticas sobre um pescoço redondo; uma só cabeça para estas duas faces colocadas opostamente; era dotado de quatro orelhas, de dois órgãos dos dois sexos e o restante na mesma proporção. Para Platão, os três sexos se justificam pelo fato de o masculino proceder de Hélio (Sol); o feminino, de Géia (Terra) e o que provém dos dois origina-se de Selene (Lua), "a qual participa de ambos". (PLATÃO apud BRANDÃO, 1991, p. 34)
Esses seres esféricos tornaram-se robustos e audaciosos, e ameaçaram os deuses, tentando escalar o Olimpo. Face ao perigo iminente, Zeus cortou o andrógino em duas partes, e mandou seu filho Apolo curar as feridas e virar o rosto e o pescoço para o lado cindido, para que o ser humano, observando o umbigo, a marca do corte, se tornasse mais humilde, e, em consequência, menos perigoso. Assim, Zeus não só o enfraqueceu, pois passou a caminhar sobre duas pernas apenas, mas também tornou-o carente, porque as metades passaram a se buscar na outra oposta, numa ânsia nunca mais adormecida de se reunir para sempre. Essa seria, segundo Platão, a origem do amor, que tenta recompor a natureza primitiva, restaurando a antiga unidade. “É conveniente, porém, acrescentar que não havia tão-somente o andrógino, mas também duas outras 'fusões', igualmente separadas por Zeus, a saber, de mulher com mulher e de homem com homem, o que explica, no discurso de Aristófanes, o homossexualismo masculino e feminino.” (BRANDÃO, 1991, 34-35).
A SEDUÇÃO DA SERPENTE
Para um estudo simbólico mais aprofundado desse trecho, convém citar todo o texto referente ao assunto:
A queda — 1 A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: "Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?" 2 A mulher respondeu à serpente: "Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. 3 Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte." 4 A serpente disse então à mulher: "Não, não morrereis! 5 Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal." 6 A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu. 7 Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram. (BÍBLIA, 1985, Gênesis 3)
Curiosamente o sistema nervoso é semelhante a uma árvore com muitos galhos e ramificações. Podemos dividir o sistema nervoso humano em duas formas principais, para os fins propostos deste texto: o voluntário, compreendido pelo sistema nervoso central (SNC), e o involuntário, o sistema nervoso autônomo (SNA). Este é responsável por todas as funções involuntárias do corpo, que envolvem acionamento automático dos órgãos, sistemas e hormônios, para manutenção da vida. O SNC promove o contato do corpo com o meio externo, sendo responsável pelo conhecimento, que implica, entre outras coisas, os cinco sentidos e outras impressões sensoriais. Esses sistemas nervosos são análogos à árvore do conhecimento do bem e do mal e à árvore da vida, respectivamente.
A primeira envolve os opostos bem e mal. Tomando do seu fruto passa-se a se conhecer uma parte em função da outra, pois uma se distingue em relação à oposta. Com isso, o ser humano fica apto a reconhecer a própria polaridade corporal: homem e mulher, vindo a cobrir sua vergonha. Toma-se partido do bem ou do mal em função do conceito que se tem de cada um, que nunca exclui o outro. Esse pode ser mais um motivo de a árvore se encontrar no meio, uma vez que não se localiza, no Paraíso, em nenhum ponto lateral, mas em lugar neutro.
Outro símbolo análogo à árvore proibida é a espada flamejante que impede o retorno ao Jardim do Éden. A espada e outros instrumentos cortantes que separam algo em dois são símbolos da análise, da discriminação, características da consciência. Esse aspecto reflete uma verdade psicológica: ao tomarmos conhecimento de algo, a inconsciência disso desaparece para sempre. A espada de fogo representa o conhecimento adquirido ao se comer do fruto da árvore, que também impede a volta ao paraíso da ignorância. O aumento do conhecimento traz inúmeras vantagens, mas é compensado por experiências dolorosas, sem as quais, talvez, não aprenderíamos. Esse é o significado dos ritos de iniciação, que deixam queimaduras e cicatrizes com o intuito de marcar a transposição para um estado de consciência mais elevado (KLUGER, 1999).
Existe aqui a proibição de se comer da árvore que se encontra no meio do jardim. Nota-se que todas as demais árvores rodeavam a árvore proibida, localizada no centro. Essa situação dá uma conotação de importância especial ao vegetal. Seu fruto é proibido. Porém, ela se encontra justamente no centro e não em um canto qualquer, escondida. Estabelece-se às claras, no caminho do cruzamento de um lado para outro do Éden. É uma situação de evidência, como se o Criador também quisesse induzir o casal à “queda”. Circunstância semelhante ocorreu quando Moisés tentava tirar os filhos de Israel do Egito e Deus endurecia o coração do Faraó para que não deixasse o povo partir (BÍBLIA, 1985, Êxodo 4, 21). Com Jó não foi diferente, pois o fez sofrer, sabendo que ele nunca o trairia. Apesar de os cristãos responsabilizarem o Diabo por tudo de mau que ocorre na vida, também sabem que o “inimigo” só possui poder na medida da permissão oferecida por Deus. Portanto, pode-se depreender disso que o homem tem uma ideia contraditória de Deus: este quer e ao mesmo tempo não quer que o homem o desobedeça. Por um lado o incentiva ao conhecimento; por outro, lamenta essa ousadia, que o homem queira ser como Ele. Não poderia ser diferente, uma vez que Deus reflete a totalidade de todos os aspectos encontrados no homem, já que este foi feito à sua imagem.
O PAPEL DO PECADO NO DESENVOLVIMENTO
Esse conceito de Deus como portador dos opostos bem e mal, como sujeito paradoxo, além de qualquer categoria, surgiu-me com um dos primeiros sonhos de que me lembro.
Estou em um quarto de hospital deitado numa cama e coberto com lençol branco. Jesus Cristo é meu médico. O Diabo entra no quarto e Jesus, com um gesto de mão (palma da mão direita para cima, apontando para o Diabo, à sua esquerda), passa-me aos seus cuidados de agora em diante. Parece que Cristo cansou de cuidar de mim (ou esgotou seus recursos). Acordo sobressaltado.
Assinala-se que à época do sonho eu era católico, tinha aproximadamente sete anos e frequentava a Igreja Católica. Não me lembro dos acontecimentos da época, nem de minha situação afetiva. À primeira vista, pode parecer a um observador menos atento que eu tivesse cometido alguma travessura e a culpa me apareceu como Cristo desistindo de mim. Entretanto, os sonhos não são tão simples de interpretar, e devem ser levados em consideração como um todo. Sou retratado como um doente necessitado de cura, e Jesus, apesar de possuidor de grande poder, não consegue curar-me, e se encontra esgotado das tentativas que efetuara nesse sentido. E, por isso, me encaminha a outro “médico”, o Diabo, como se este tivesse algum tipo de poder diferente daquele atribuído a si. Parece representar uma espécie de “queda” do paraíso da infância, um marco em uma fase do meu amadurecimento.
De certa forma, o sonho pareceu dizer-me que não pecar é ser doente, incompleto e corruptível. Quando não conhecemos o pecado não sabemos o que ele é, nem as suas consequências. Daí, quando inocentes, sermos também muito fáceis de cair em tentação, de errar. A salvação e a cura ocorrem somente depois do pecado e não antes. Nesse sentido, o sonho parece incentivar o pecado, pois até aquele ponto eu fora tratado apenas por Cristo, sem querer abandoná-lo. No entanto, dessa maneira, o desenvolvimento da psique, a individuação, não se inicia. É com o reconhecimento do erro que nos desenvolvemos. Digno de nota é o fato de Cristo ser censurado pelos fariseus quanto a ficar em companhia de pecadores e ele advertir: "17 […] 'Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores'" (BÍBLIA, 1985, Marcos 2).
Em outra ocasião, ele conta a parábola do fariseu e do publicano:
10 'Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. 11 O fariseu, de pé, orava interiormente deste modo: 'Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano; 12 jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos'. 13 O publicano, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: 'Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!' 14 Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.
Jesus parece, aqui, recomendar a admissão do pecado, mesmo que a pessoa se ache limpa de qualquer mancha. Essa atitude é a mais adequada espiritual e também psicologicamente. Admitindo a possibilidade de que possa falhar, mesmo como os criminosos, nos mantemos vigilantes, ao contrário daqueles que se sentem muito seguros indevidamente, que caem em presunção, orgulho e altivez impróprios. O inconsciente, para equilibrar o sistema psíquico, induz aos erros mais inesperados, provocando a irritação e a ira, sintomas de que o sujeito se percebe em estatura muito acima da devida, donde a psicologia cunha o termo “inflação”.
Como Cristo no meu sonho, Deus parece passar o casal do Éden aos cuidados da serpente, ou deixá-los à mercê da tentação. A serpente diz que “Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal”. Ou seja, ser perito no bem e no mal é ser como deus, é ter os “olhos abertos” ao que antes era vedado e/ou velado. De fato, isso se comprova principalmente hoje em dia: com o conhecimento científico o homem tornou-se como um deus, de posse de armas de destruição que podem exterminar toda a sorte de vida da Terra. Também, com a ciência, a humanidade poderá, talvez um dia, conseguir criar um jardim em outro planeta completamente inóspito, como o Criador.
Para fechar esta apreciação da Bíblia, convém citar o trecho de uma obra que ajudará a esclarecer ainda mais a importância de se entender os textos sagrados como uma vivência íntima:
Tanto o catarismo como o cristianismo medieval ensinam [...] que a vida na terra é nada, que a vida espiritual só pode ser alcançada após a morte, no "céu". Essa crença tornou-se, em nossa mente, a ideia inconsciente de que o lado espiritual da vida é sempre "em algum outro lugar" ou "do lado de lá". É sempre nalgum lugar diferente de onde estamos, num lugar fora de nossa vida. Nós, ocidentais, não acreditamos realmente que possamos vivenciar nossos deuses e nossa vida espiritual, como uma experiência íntima, e ao mesmo tempo levar uma vida comum, no dia-a-dia aqui na terra. É difícil para nós conceber a ideia desses dois mundos - interior e exterior - coexistindo ao mesmo tempo num ser humano. Por isso que tentamos sempre materializar o mundo divino em alguém ou em algo fora de nós mesmos. […] os ocidentais não crêem no mundo interior, e, consequentemente tudo o que fazemos com esse lado não vivido, tem de ser inconsciente, tem de ser projetado no mundo físico. (JOHNSON, 1997, p. 207-208)
Devemos passar pelo inferno, tentando alcançar o céu, aqui mesmo na terra. Se céu e inferno existirem espiritualmente, com certeza são muito mais uma extensão do nosso estado de espírito, ainda mais no pós-morte, quando totalmente espiritualizados, do que meros lugares hipotéticos, concedidos segundo nosso comportamento. Quando, mesmo sofrendo, vivemos em um “céu”, com certeza, do “outro lado”, não estaremos no inferno. Se Deus é percebido intimamente, o maior sentido está conosco, e até o pior sofrimento ainda é suportável.
(Leia mais a respeito: "Gita - uma análise do 'Eu Sou'", "A origem e a natureza do Eu", "Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente", "Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)", "O belo, o feio, Deus e o preconceito")
REFERÊNCIAS
(As referências não encontradas aqui podem sê-lo no banco de referências deste blog: clique aqui.)
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