Coincidência é a “ocorrência de eventos
que, por acaso, se dão ao mesmo tempo e que parecem ter alguma conexão entre si”
(Houaiss, 2009). Já a sincronicidade, um termo introduzido por Jung (1991a),
descreve um fenômeno que encerra uma espécie de simultaneidade: a ocorrência de
fatos que são ligados por um mesmo significado e, assim, não ocorrem por acaso,
nem acontecem devido a alguma causa. As coincidências comuns não despertam
maior interesse devido à possibilidade dos fatos poderem ser explicados pelo
princípio de causa e efeito. Mas as sincronicidades também podem chamar-se coincidências significativas, isso
porque se tratam de algo mais do que mera probabilidade de acasos.
O causalismo como princípio é uma verdade
científica, mas não é extensivo a todos os fenômenos. A pretensão de abranger
todos os fatos através do causalismo e/ou do materialismo é enquadrar o
universo num âmbito estreito, um reducionismo, sem espaço para outras
possibilidades. Segundo Schopenhauer (apud
Jung, 1991a), existiriam duas espécies de conexões basicamente diferentes nos
acontecimentos na vida: uma conexão causal, objetiva, e uma relação subjetiva,
que só existe em conexão com o indivíduo que experimenta, tal como os sonhos. A
primeira se enquadra no campo do princípio de causa e efeito; a segunda é uma
sincronicidade. Nesta há uma correspondência entre uma ideia, um sentimento ou
uma sensação do indivíduo com algum fato externo. Leibniz também não conservava
a causalidade como ponto de vista único nem dominante. (JUNG, 1991a).
A ciência não leva em conta a totalidade
dos fenômenos, que ainda é uma meta remota. Através de seus experimentos a
ciência “estabelece condições e as impõe à natureza, obrigando-a, deste modo, a
dar uma resposta à questão levantada pelo homem. É impedida de dar respostas
tiradas da intimidade de suas possibilidades porque estas possibilidades são
restringidas o máximo possível” (JUNG, 1991a, p. 468). A preocupação da
experimentação científica é verificar a ocorrência regular de fatos que podem
ser repetidos. Apenas o que pode ser estatisticamente contato é admitido. Assim,
é criada em laboratório uma situação artificial restrita pela questão
elaborada, o que obriga a natureza a dar certa resposta. Acontecimentos passageiros,
que não deixam atrás de si a não ser lembranças fragmentárias, não são
considerados nem quando há várias testemunhas. A ação da natureza é
completamente excluída em sua ampla totalidade, pois se omitem acontecimentos
únicos ou raros. Para saber em que consiste tal ação, seria necessário um
método de investigação que exija nenhuma ou o mínimo de condições possíveis,
pois desse modo a natureza poderia responder com sua plenitude.
Além disso, não se pode esquecer que todos
os conceitos científicos têm sua origem na psique do homem, e que todas as
percepções consideradas “objetivas”, acabam passando por um processo de
interpretação psíquica, de cunho subjetivo. No final, é impossível se afirmar
que certa noção é inteiramente isolada de qualquer outro significado. Ainda
sempre restará um sentido atribuído por experiências individuais passadas sobre
as quais não se tem domínio (JUNG, 1991a). Hillman (2011) explica que é absurda
intenção de se uniformizar a diversidade, atribuir um padrão a todos os conceitos,
de forma que não signifiquem nada mais do que se quer exprimir.
É para impedir o ato de hybris, para impedir a uniformidade que
se tem a diversidade. É um elemento sobre o qual refletir, em meio a tantos
impulsos poderosos em direção à uniformidade, na ciência e na economia, nos
negócios, na política e assim por diante. (HILLMAN, 2011)
Ao lado do causalismo científico
ocidental, desenvolveram-se várias outras civilizações cuja principal
preocupação não era o pensamento lógico linear, mas o sentimento de sincronia
dos significados. Assim como a “causalidade descreve a seqüência dos
acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a coincidência
de eventos” (JUNG apud WILHELM, 1993,
p. 17). Isto é, todo o pensamento científico se baseou no ponto de vista da
seqüência dos fatos. Mas será um erro ocupar-se também com a simultaneidade dos
acontecimentos? Não se fará assim muito mais justiça à totalidade dos
fenômenos? Afinal, o que está se discutindo aqui não são os critérios que
selecionam as experiências, o que é bem discutível, mas a forma de se examinar
os fatos.
Normalmente, quando se narra uma
sincronicidade, principalmente em um meio acadêmico de visão cartesiana, ocorrem
críticas de forma a enquadrá-la na dependência do acaso. Esperar encontrar
algum significado oculto nesses eventos seria persistir em superstições sem
fundamento. No entanto, até as mais banais superstições têm uma razão. “Pessoas
que confiam totalmente no raciocínio e afastam ou reprimem qualquer manifestação
de vida psíquica muitas vezes se inclinam inexplicavelmente para a superstição.
Ouvem oráculos e profecias e podem ser facilmente burladas ou influenciadas por
mágicos e charlatães” (JACOBI apud
JUNG, 2001, p. 290). Nesse exemplo a superstição compensa a atitude
extremamente intelectual do indivíduo, de forma que este não percebe sua
manifestação, que pode ser captada perfeitamente por outros de seu convívio.
O inconsciente também pode se expressar
através de projeções:
O lago é um símbolo do
inconsciente. [...] Porque quando você tenta olhar no inconsciente, você não vê
nada, você só vê seu ego, nada mais. Por ser escuro embaixo e claro em cima,
você só vê a si mesmo. Mas você sabe que milhares de coisas estão afundadas
lá... monstros, a noite eterna..., o mundo de nossos ancestrais, até o nosso
mundo de criança ainda se encontra nestas profundezas [...]. Podemos assumir
que todo um mundo está naufragado no fundo do mar – como Atlantis – e não vemos
nada a não ser nosso próprio reflexo refletido naquela superfície brilhante.
(JUNG apud GALLBACH, 2000, p. 233)
Isto é, há uma tendência a ver a própria
imagem, as próprias concepções e as estruturas de pensamento com que se procura
abarcar o mundo, quando se olha para algo desconhecido. Isso ocorre também com
as coincidências significativas defrontadas no cotidiano. Tudo indica que são formadas,
ou se originam, do mesmo material com que lida a psicologia: o inconsciente – o
mundo dos anseios reprimidos, dos fatos esquecidos, das emoções e dos
pensamentos arcaicos, dos mitos, das fábulas e das lendas. Por ser um fenômeno
que transmite um sentimento de mistério, a sincronicidade é ainda mais
favorável ao recebimento de projeções (JUNG, 1991a).
Jung (1991a) também fez referência às
experiências científicas de Rhine com percepção extrassensorial. Em princípio,
o experimento consistiu na retirada sucessiva de cartas com motivos geométricos
pelo experimentador, enquanto o sujeito de experimentação (SE), separado
espacialmente daquele, tentava identificar as respectivas figuras. O baralho era
formado de 25 cartas dividido em grupos de cinco desenhos: estrela, retângulo,
círculo, duas linhas onduladas e cruz. As cartas eram prévia e mecanicamente embaralhadas
por um aparelho, e o experimentador as retirava sucessivamente. O SE, que não
podia ver as cartas, devia indicar os sinais das cartas retiradas. Muitos
resultados não foram além da probabilidade de cinco acertos alcançáveis por
acaso. Porém, certos SE apresentavam resultados claramente acima da
probabilidade. Um jovem apresentou uma média de dez acertos em cada 25 cartas
(o dobro do número provável), em várias tentativas, acertou de uma vez todas as
25 cartas, correspondente a uma probabilidade de 1:298.023.223.876.953.125.
Em experimentos em que a distância entre o
experimentador variava de alguns metros até quase 6340, os resultados foram
positivos, sem exibição da influência do afastamento, expressa Jung (1991a).
Também a leitura antecipada de uma série de cartas tiradas posteriormente
produziu um número de acertos que excede a probabilidade de 1:400.000. Essa
demonstração de que a distância não influencia no resultado prova que
experimentos sincronísticos como esses não podem ser fenômenos de força ou
energia, pois o aumento da distância deveria causar uma diminuição do efeito.
Os resultados com o fator tempo apontaram para uma relatividade psíquica do
tempo, pois os acontecimentos ainda não haviam ocorrido. Na verdade, este caso
confirma não haver relação energética, pois esta é impossível entre a percepção
e a ocorrência futura. Isso equivale a se afirmar que eventos sincronísticos
dessa natureza não podem ser considerados na perspectiva da causalidade, pois
esta pressupõe a existência do espaço e do tempo.
Uma observação constante nesses
experimentos é que o número de acertos tende a diminuir após a primeira
tentativa. Mas se o interesse é novamente despertado no SE, o número de acertos
tende a subir.
A ausência de interesse e o tédio
são fatores negativos; a participação direta, a expectativa passiva, a
esperança e a fé na possibilidade da ESP [Extra-Sensory Perception, percepção
extrassensorial] melhoram os resultados e, por isto, parecem constituir as
condições adequadas para que os mesmos se verifiquem. (JUNG, 1991a, p. 453)
A influência do fator emocional
(diminuição ou aumento do interesse) e a constatação da relatividade do espaço
e do tempo apontam para a dependência destes das condições psíquicas, de acordo
com o citado autor. Para o homem primitivo o espaço e o tempo são aspectos
duvidosos e só se tornaram conceitos fixos com a introdução do processo de
medir. A relativização desses fatores ocorre quando a psique observa a si
própria: nos experimentos de Rhine o SE observa as figuras correspondentes das
cartas que surgem na sua imaginação. Johnson (1989) adverte que o inconsciente
pode ligar-se à consciência través da imaginação, usando a linguagem simbólica,
com imagens carregadas de emoção. “Fantasia” é um termo grego que significa,
originalmente, “fazer visível”, e deriva de um verbo que quer dizer “tornar
visível, revelar”. “A correlação é clara: a função psicológica de nossa
capacidade para a fantasia é ‘tornar visível’ a dinâmica invisível da psique
inconsciente” (JOHNSON, 1989, p. 32). Jung (1991a) observa que a emoção é uma
expressão de conteúdos comumente inibidos e inconscientes que irrompem, e
revelam sua origem arquetípica. Por conseguinte, certos fenômenos de
sincronicidade parecem ligados aos arquétipos em determinadas circunstâncias.
Como os arquétipos usualmente estão ligados a temas sobrenaturais nos sonhos e
nos mitos, os experimentos que visam reproduzir ocorrências impossíveis, como
os de Rhine, parecem propícios à expressão de emoções e conteúdos arquetípicos,
que se desgastam com o tempo.
A existência da sincronicidade parece
lembrar que o que acontece lá fora não é puramente externo. No mínimo o externo
tem uma ligação oculta com a psique através do inconsciente coletivo, como
descreveu Jung (1991a). As coincidências significativas parecem indicar um
caminho, como se houvesse algo impalpável que se expressa através de estranhas relações.
A sincronicidade “traz o foco da atenção para os processos intencionais e não
intencionais, para o que está acontecendo e para o que está buscando acontecer”
(MINDELL, 1991a, p. 15). Talvez alguns exemplos de sincronicidade possam
mostrar para onde aponta esse processo misterioso.
O I Ching é um oráculo chinês milenar que
pretende revelar o significado do desenrolar dos acontecimentos através de 60
hexagramas (reunião de seis linhas contínuas ou separadas). É um método milenar
usado para captar o aspecto global de uma situação, vinculando os detalhes do
problema numa ampla representação das mútuas relações do Yin e do Yang. O
pensamento chinês procura apreender os detalhes em relação ao todo, ao
contrário da perspectiva ocidental, impregnado da filosofia grega. Os
experimentos intuitivos ou mânticos não restringem a totalidade dos fenômenos,
pois não impõem condições à sua expressão (JUNG, 1991a).
Em abril de 1995 o autor deste artigo,
recorrendo às mesmas experiências de Jung (apud
WILHELM, 1993), certa ocasião buscou respostas ou esclarecimentos acerca de
fatos presentes com o I Ching. O resultado foi o hexagrama 21 – “Morder”. Sua
descrição expõe que
Quando um obstáculo impede a
união, o sucesso é obtido através de uma enérgica mordida. Isso é válido em
todas as circunstâncias. Se a união não é consolidada, isto se deve a alguém
que cria intrigas, um traidor, alguém que arma obstáculos e interfere, freando
o caminhar. É necessário, então, intervir de forma enérgica, para evitar danos
permanentes. Uma tal obstrução deliberada não desaparece por si mesma. Para
detê-la e eliminá-la é preciso julgar e castigar. Mas é importante que se
proceda de modo correto. [...] Recorrendo-se apenas à rigidez e à agitação,
causar-se-ia um castigo muito violento; porém, clareza e suavidade sozinhas
seriam muito fracas. Unidos, os atributos dos dois trigramas criam a medida
justa. (WILHELM, 1993, p. 84)
Convém salientar que essa resposta
satisfez completamente com relação à situação consultada. Buscando confirmação,
e já sabendo que a carta correspondente no tarot[1]
seria “A justiça”, tirou exatamente esta carta após embaralhar o conjunto. O
resultado foi surpreendente. De repente, teve a ideia de tirar uma carta de
outro baralho obtido em uma revista. “Isso confirmará novamente a previsão” – indicou
um pensamento. Ao embaralhar as cartas, tencionou tirar uma, mas não o fez.
Preferiu continuar o processo de mistura e pensar que a carta deveria ser
tirada ao acaso, sem prévia intenção de tirar uma carta específica. Novamente
foi tirada a carta “A justiça”! Ora, o número de possibilidades para o
resultado do I Ching com as duas jogadas do tarot
totalizam 30.976 (64 x 22 x 22). A probabilidade de se obter o resultado
logrado aqui foi de uma em mais de trinta mil possibilidades, isso sem contar a
probabilidade dos resultados terem correspondido ao tema da situação consultada.
A sensação era de que havia um sentido permeando o momento, ou uma espécie de
“vontade” que dirigia as coisas.
Jung conta um caso relatado por Wilhelm
von Scholz (que recolhera uma série de casos de objetos perdidos que retornam
estranhamente às mãos dos donos) de uma mulher que mandou revelar um filme em
Estrasburgo.
Mas como havia estourado a guerra
(1914), ela não pôde mais reaver o filme, e o considerou perdido. Em 1916
comprou um filme em Frankfurt para bater a fotografia de uma filhinha que
nascera nesse meio tempo. Quando o filme foi revelado, verificou-se que tinha
sido usado duas vezes: a segunda imagem era a fotografia do filhinho, que ela
tirara em 1914! O antigo filme não fora revelado, e não se sabe como fora posto
de novo à venda entre novos filmes. O autor chega à conclusão, em si
compreensível, de que todos os indícios apontam para uma “força de atração”
destes objetos relacionados. Ele suspeita que os acontecimentos se dispuseram
de tal modo, como se fossem o sonho de uma “consciência maior e mais
abrangente, por nós desconhecida”. (JUNG, 1991a, p. 450)
A experiência em trabalho com sonhos denuncia
o quanto as imagens oníricas estão relacionadas entre si revelando múltiplos
significados e unindo vários fatos da vida exterior e interior. Além disso,
esse tipo de atividade parece geralmente ativar
acontecimentos que dizem respeito ao significado ou à totalidade do sonho. É
como se os sonhos não estivessem contidos apenas naquele pequeno fragmento de
atividade onírica, mas, como um peixe escorregadio, escapasse da vida interior
para materializar-se no cotidiano.
Na manhã do dia 1º de abril de
1949 eu transcrevera uma inscrição referente a uma figura que era metade homem,
metade peixe. Ao almoço houve peixe. Alguém nos lembrou o costume do “Peixe de
Abril” (primeiro de abril). De tarde, uma antiga paciente minha, que eu já não
via por vários meses, me mostrou algumas figuras impressionantes de peixe. De
noite, alguém me mostrou uma peça de bordado, representando um monstro marinho.
Na manhã seguinte, bem cedo, eu vi uma outra antiga paciente, que veio me
visitar pela primeira vez depois de dez anos. Na noite anterior ela sonhara com
um grande peixe. Alguns meses depois, ao empregar esta série em um trabalho
maior, e tendo encerrado justamente a sua redação, eu me dirigi a um local à
beira do lago, em frente à minha casa, onde já estivera diversas vezes, naquela
mesma manhã. Desta vez encontrei um peixe morto, mais ou menos de um pé de
comprimento [cerca de 30 cm], sobre a amurada do lago. Como ninguém pôde estar
lá, não tenho ideia de como o peixe foi parar ali. (JUNG, 1991a, p. 524)
Uma série de livros de Arnold Mindell trata
do chamado corpo onírico, um conceito
que trata das sincronicidades, dos relacionamentos e dos sintomas corporais
como sonhos que tentam acontecer. Num desses livros encontra-se uma bela
experiência:
Quando Esther e eu começamos a conversar, ela
pôs a mão na parte de trás da cabeça e me disse que tivera dificuldade para
dormir na noite anterior por causa de dores “pressionantes” no pescoço, que
atingiam em pontadas a região dos rins. Repetiu várias vezes o movimento das
mãos. Por isso, decidi repeti-los conscientemente com ela. Disse-lhe: “Gostaria
de pôr minha mão em suas costas, ou no pescoço, onde você sentir que é mais
apropriado”. Ao proceder dessa forma, eu estava me valendo de sua sabedoria
corporal, de sua propriocepção, para dirigir minha mão a fazer coisas que a mão
dela estava tentando executar. Assim que pus minha mão em suas costas, ela me
disse que a pusesse no pescoço. Perguntei o quanto deveria pressionar. Ela me
pediu uma pressão cada vez maior, até que eu estava praticamente empurrando-a
contra o chão e aplicando muita pressão em sua nuca.
Assim
que sua cabeça tocou o chão, ela comentou espontaneamente que eu estava agindo
como uma das figuras de seu sonho, um demônio que a lançava para dentro de um
buraco. Assim que teve a nítida visualização do demônio pressionando-a para
baixo, assim que seu canal tinha mudado da pressão para a imagem onírica, ela
trocou de papéis e me mostrou como o demônio a empurrava contra o chão. Depois
de alguns minutos, o “demônio” falou sem hesitação: “Ou você me leva com você
quando sair, ou vai ter que ficar no buraco”. Isso revelou que ela estava
aprendendo a ser mais instintiva e honesta em público. Geralmente ,
era doce demais, ou omissa. Por isso, pedi-lhe que atentasse para o trabalho
com seu corpo onírico exatamente naquele momento, em minha presença, e que
fosse diabolicamente honesta comigo a respeito do que gostava e do que não
gostava. Essa etapa depois passou para o canal do relacionamento.
Vemos no trabalho citado um aspecto
interessante do comportamento corporal. Sua dor nas costas e os movimentos de
suas mãos eram reações de raiva contra si mesma por não ser honesta, por ser
doce demais. A dor nas costas era como um sonho, um diabo, que tentava atingir
a consciência para lhe dizer que fosse mais direta. Podemos dizer que seu corpo
estava sonhando por meio da dor nas costas. (MINDELL, 1991a, p. 45)
Assim, os acontecimentos da vida, os
entraves nos relacionamentos, as doenças, os sonhos, e até uma folha que cai de
uma árvore, num certo momento, parecem fazer parte de um processo abrangente,
de um acontecimento composto inclusive de fatos insignificantes. Até mesmo
estes se comportariam como um fragmento de holograma. Quando se tira uma
pequena parte de uma estrutura holográfica e se usa a luz para projetá-la, pode-se
ver a imagem holográfica na sua totalidade e não apenas aquela fração da
figura. Parece que o todo está nas partes assim como as partes compõem o todo.
Jung (1991a) expressa que há grande
probabilidade de que a psique e a matéria sejam aspectos diferentes de uma
única e mesma coisa. Isso porque ambas se encontram encerradas no mesmo mundo,
estão sempre em contato entre si, e se fundamentam em elementos transcendentes
e irrepresentáveis. Seria possível que a conexão entre o corpo e a alma fosse
uma relação de sincronicidade, o que levaria a entender esse princípio como
corriqueiro. Essa ideia pode apoiar perspectivas interessantes, como uma que
negue a influência de substâncias materiais no psiquismo. Não é perfeitamente
plausível dizer que são as substâncias sutis depositadas na corrente sanguínea,
tais como os hormônios, que provocam certas emoções, como pretendem certos
cientistas. Não existe uma prova da ligação de causa e efeito nesse caso,
apesar das evidências aparentes. A maior isenção possível consistiria em atestar
que o que existe é uma correlação do aumento daquela substância no sangue com o
advento de certas emoções. Este é o fato. Quando se influencia algum processo
corporal, ocorre uma alteração correspondente ao nível psíquico, mas isso não prova
que seja uma relação tipo causa-efeito, já que também parece haver influência
psíquica sobre processos corporais. Pode ser que a ligação seja simplesmente a
do significado, a de correspondência de sentidos. À presença de certo elemento
em um nível corresponderia a evidência simbólica desse aspecto em outro,
afinal, psique e matéria seriam aspectos diferentes da mesma coisa. E nesse
exemplo se encontra a resposta à proposta deste artigo.
As coincidências significativas podem
servir como pistas para certos processos que estão ocorrendo. Atentar para
determinado processo pode dar uma ideia da ação mais apropriada para o momento,
o que evitaria “nadar contra a corrente”. A isso se propõe o I Ching. As moedas que caem para revelar
o hexagrama do momento – o qual possui um texto respectivo – o fazem de acordo
com as circunstâncias atuais. O destino, então, passa a ser algo relativo. Estar
ciente do que está tentando acontecer, permite o uso da vontade para dirigir o
processo da melhor forma. Se, no entanto, essas inter-relações são ignoradas, a
vida parece mais um fardo a carregar, sem um sentido, um destino insuportável. Neste
ponto, seria possível perguntar, em termos religiosos: “qual é a vontade de Deus nesse momento?”; ou, de
forma mais isenta: “o que está tentando acontecer?”, e agir de acordo, o que
tornaria a vida bem mais dinâmica. Esta atitude poderia evocar mais paciência,
não por mero conformismo, mas pela noção do sentido da existência. Ou poderia
tornar o indivíduo mais ativo, não pela pretensão de guiar-se com vontade
férrea, mas pela percepção do significado dessa vontade no contexto em questão. Nesse caso
poderá sobrevir um sentimento de plena realização, porque se estará agindo de
acordo com o sentido da corrente do rio da vida.
(Leia mais a respeito: "A verdadeira atitude científica", "O sentido das admiráveis coincidências", "Morte, sonho e sincronicidade", "A previsão de fatos, contextos e ideias irracionais")
[1] O tarot usado era constituído somente de 22 cartas, correspondentes
aos arcanos maiores (sem naipes).