(Tradução de Charles Alberto Resende do trecho nomeado Bad Boys,
parte do capítulo 8, Male Psychology, do livro Knights Without Armor
– A Guide to the Inner Lives of Men, de Aaron R. Kipnis, Ph.D.)
1. INTRODUÇÃO POR CHARLES A. RESENDE
Knights Without Armor (Cavaleiros Sem Armadura), de Aaron Kipnis, foi lançado há trinta anos, em 1991, nos EUA. É um clássico dos livros para homens infelizmente ainda não traduzido para o português, assim como muitos outros do gênero que encontramos no exterior. Livros como este foram encabeçados por João de Ferro, de Robert Bly, já bastante conhecido. Posso dizer que este livro lançou luz como nenhum outro até este momento, sobre o quanto nossa cultura ainda é sexista, e talvez ainda seja machista, mas com certeza é muito feminista. E as mulheres não são as menos prejudicadas por esse viés sexista. Os homens sofrem de depressão e expressam sua negação por meio da violência verbal, física e de outras formas comportamentais. Espanta-me como os governos e a mídia enfatizam a punição dos homens abusadores das mulheres, mas não promovem uma educação psicológica masculina. Afinal, embora a vítima tenha sido abusada recentemente, o abusador em geral o foi desde a infância, principalmente como parte de uma cultura que impõe uma visão de homem que não chora, não se emociona, e tem que ser forte em todas as circunstâncias. O que o homem faz às mulheres e outros homens, faz primeiro à sua alma. Sua violência é reflexo disso: da violência contra si mesmo. Até que ousamos retirar a armadura e viver o dia comum, sem batalhas internas manifestadas no mundo.
2. TEXTO TRADUZIDO
Hoje, a maioria das salas de aula da escola primária prefere um ambiente feminino. Asseio, conformidade, quietude, polidez, habilidades verbais e outras virtudes historicamente femininas são altamente enfatizadas ali. Mas os meninos costumam ser mais ativos, desordenados e agressivos e menos verbais do que as meninas. Consequentemente, os meninos têm maiores taxas de reprovação e são percebidos como tendo mais problemas de personalidade na escola. Como são socializados para serem mais autônomos, geralmente têm menos interesse em agradar o professor do que as meninas. Frequentemente, ficam frustrados com exercícios repetitivos de habilidades – nas quais são os mais fracos. Em seguida, eles são rotulados como tendo transtornos de déficit de atenção. Mas, por muitos motivos, costuma ser mais difícil para os meninos ficarem sentados em uma sala de aula. Eles são inquietos e enérgicos, não são maus ou anormais.
Em muitos casos, drogas como a Ritalina são usadas agora para acalmar os meninos, em vez de os educadores examinarem seriamente o estilo de ensino, os valores e a estrutura da sala de aula. Não damos drogas a meninas gentis para normalizá-las e torná-las mais assertivas. Se os meninos são mais divergentes, isso pode indicar uma falha em nosso sistema educacional em acomodar os diferentes estilos de gênero e modos de aprendizagem de meninos e meninas. Espera-se que os meninos se adaptem a um ambiente que muitas vezes é contrário à sua autoimagem masculina. Eles geralmente carecem de uma forte presença masculina que pode nutrir o desenvolvimento de sua masculinidade profunda e conter sua agressividade com destemor e firmeza amorosa. Eles podem se rebelar contra o controle ou as críticas da mãe-escola.
Se eles se rebelarem o suficiente, rapidamente chamarão a atenção de agências sociais e disciplinadoras. O castigo corporal é uma forma institucionalizada de abuso infantil ainda praticada em vinte e três estados dos EUA. Este abuso é predominantemente dirigido a meninos e afeta cerca de dois milhões de alunos, com até vinte mil deles procurando atendimento médico para contusões todos os anos. Esse fenômeno é consistente com o ambiente doméstico dos meninos, onde eles geralmente são submetidos a um maior grau e frequência de punição física e abuso do que as meninas. Os meninos também são drogados, hospitalizados e trancados em instituições juvenis com muito mais frequência do que as meninas.A energia selvagem e masculina da caça é percebida como hiperatividade, inconformidade e baixo ajuste social. Mas a maioria das patologias é específica da cultura. O que é considerado comportamento normal em um momento e lugar é uma loucura em outro. Em uma sociedade de caçadores, a ânsia inquieta dos meninos por ação seria satisfeita pelos homens mais velhos com elogios, incentivo e orientação positiva. Mas em nossa cultura urbana, é mais frequentemente condenada e rotulada como patológica. Meus adolescentes “desviados” no deserto explicaram este ponto para todos que trabalharam com eles. Suas personalidades mudaram positivamente em resposta à experiência de si mesmos como adaptados com sucesso para a sobrevivência no contexto desafiador da região inóspita.
Precisamos dar uma outra olhada na coeducação1 e perguntar se ela realmente é a melhor ideia para todos os meninos em todas as classes. Se persistirmos na coeducação, não deveríamos ter pelo menos algum período do dia ou da semana em que os meninos estejam na companhia apenas de outros meninos e homens? E não deveria ser outro senão o ambiente competitivo dos esportes, o treino de agressividade do ROTC2, ou o ambiente punitivo das aulas de ajuste social?
Na Grécia antiga, os jovens eram educados enquanto caminhavam ao lado de seus colegas e professores. Isso satisfez a necessidade de seus corpos por atividade e estimulação, enquanto simultaneamente envolvia suas mentes em pensamentos abstratos. Este estilo de educação pode ser mais favorável a um estilo de aprendizagem preferido e específico para homens. Uma conselheira e professora do sistema escolar de Los Angeles recentemente me disse que tem experimentado ensinar meninos ao ar livre. Ela relata que nessas ocasiões eles parecem menos agitados. Eles se sentem mais livres para mover seus corpos e são mais estimulados pelo ambiente ao redor. Isso os faz sentir menos entediados. Em vez de se distrair da instrução, ela descobriu que eles diminuem o mau comportamento, que sua capacidade de atenção aumenta e que sua escrita e compreensão melhoram significativamente.Os meninos precisam de um ambiente para onde possam extravasar ocasionalmente sua turbulência, ou onde seja até mesmo apreciada, não sejam envergonhados ou controlados e repetidamente instruídos a ficarem quietos e parados. Talvez precisemos instituir cursos como bateria de conga para meninos, dança de rap, prática de banda de rock ou alguma outra atividade barulhenta, física, agressiva, desordenada e não competitiva, pela qual os meninos poderiam receber tanto crédito quanto por boa ortografia. Os treinamentos em oficina também precisam receber um status maior e considerados tão aceitáveis quanto os cursos preparatórios para a faculdade.
Os meninos precisam ter sua agressividade direcionada e limitada de uma forma que não os envergonhe por serem fisicamente dinâmicos – talvez algo como um circuito de desafio de cordas em que os participantes sobem em cabos e cordas, combinando assumir riscos com trabalho em equipe e construção de confiança. Ou os meninos podem preferir aprender matemática e geometria no contexto concreto de construir uma casa juntos, em vez do contexto abstrato da sala de aula, onde devem se desconectar da energia em seus corpos.Esportes cooperativos e projetos como esses também contribuem muito para a construção de bases para uma comunidade de homens emotivos (soulful males), em vez de colocar os jovens uns contra os outros de maneira a plantar as sementes da alienação futura em relação a outros homens. A solidão, o isolamento e a baixa autoestima são devastadores para a psicologia dos rapazes. Essas experiências são o solo fértil de onde crescem as sementes do comportamento antissocial. Neste momento de nossa cultura, precisamos nos concentrar tanto na construção da autoestima dos meninos quanto nas habilidades acadêmicas. Elas caminham juntas. É duvidoso que qualquer um dos objetivos possa ser bem alcançado sem o outro.
Considere o menino com um pai ausente, excessivamente controlado pela mãe, com professoras principalmente na escola. Muito do controle em sua vida é dirigido por mulheres, mas a maior parte da disciplina para resistir a esse controle é exercida por homens: vice-diretores, treinadores, seu pai, quando ele chega em casa, ou outros homens designados para lidar com meninos problemáticos. Não é absurdo suspeitar que muitos meninos agem de maneira estranha apenas para atrair uma forte atenção masculina em suas vidas, mesmo que essa atenção seja negativa. Essa ideia é consistente com a experiência da maioria dos conselheiros homens com quem conversei durante os anos em que trabalhei em centros de tratamento (residential treatment centers). O mau comportamento do jovem frequentemente é um clamor por atenção masculina e estabelecimento de limites, mesmo que punitivos. Mas uma presença consistente, positiva e afirmativa do sexo masculino seria muito preferível.
Em seu livro The Feminized Male, Patricia Sexton lamenta que a maioria dos professores do sexo masculino sejam eles próprios adaptados às normas da sala de aula feminina. Portanto, pouco podem fazer para compensar o dano causado à masculinidade dos meninos em uma sala de aula feminizada. Infelizmente, os homens geralmente são socializados de forma a não seguir carreiras como professores primários. Trabalhar com crianças pequenas é muitas vezes considerado uma ocupação pouco masculina. Alguns estudos indicam que os homens que querem trabalhar com crianças são percebidos de forma suspeita por muitas pessoas como anormais.
Há uma ideia persistente na cultura escolar hoje de que as virtudes femininas são de alguma forma mais positivas do que as masculinas. Mas isso é simplesmente uma reversão do velho pensamento sexista que muitas mulheres e homens têm lutado para eliminar da educação e de nossa cultura. Temos claramente a necessidade de homens impetuosos (fierce) se envolverem mais em todos os níveis de educação e desenvolvimento dos meninos. Também precisamos olhar para o comportamento do menino difícil de uma perspectiva que tente conhecer os meninos como eles são, em vez de tentar meramente ressocializá-los com métodos químicos de negação da alma ou entorpecentes.
Aula na Grécia antiga. Os meninos eram ensinados como propõe este texto. |
O número cada vez maior de gangues de jovens pode estar se formando como uma tentativa equivocada de preencher a necessidade que todo jovem tem de uma comunidade masculina. Mas um comportamento mais estimulante socialmente virá da conexão com nossas profundezas éticas, não apenas de níveis crescentes de restrição e controle externos. O ritual, o rito de passagem, o trabalho em regiões inóspitas e a orientação masculina podem ajudar os rapazes a se conectar com essas profundezas. Meu livro, Angry Young Men, explora essas questões com muito mais profundidade.
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