Não há consciência sem se distinguir as qualidades opostas (JUNG, 2000, §178). Não se pode saber como é a luz se não se lembra, se apresenta ou se concebe o seu oposto, a escuridão. Se consigo perceber com meus olhos alguma imagem é porque nela existe um jogo de luzes e sombras. Se um objeto e o seu entorno não apresentassem sombras, seria impossível visualizá-lo, pois haveria apenas luz. O mesmo se pode dizer de quaisquer outros opostos: nascimento e morte, dor e prazer, alto e baixo, mínimo e máximo, etc.
Psicologicamente, os maiores opostos da psique são o ego e o inconsciente. Estes são os maiores atores do drama psicológico pelo qual passa cada ser humano. Assim, na psique, o eu e o outro interno (inconsciente) se confrontam.
Não existe nenhuma forma de tragédia humana que, em certa medida, não derive do conflito entre o ego e o inconsciente (JUNG, 1991a, §706). Sim, porque, enquanto existir o inconsciente, o outro interno, sempre haverá a possibilidade de projetá-lo sobre outras pessoas, uma vez que não podemos admitir como nós mesmos o que se encontra inconsciente. Na medida em que o projeto, está instalada a possibilidade de alguma tragédia, que pode até não se materializar, mas que não impede que ocorra dentre as múltiplas personalidades existentes no mundo. Isso porque, se odeio o conteúdo que me é inconsciente, esse ódio fatalmente se dirigirá à pessoa que porta esse conteúdo, nem que seja em nível mínimo ao que eu mesmo possuo. Ela me lembra o que odeio em mim, logo, nem quero vê-la, se isso me for possível. A maior tragédia que pode ocorrer ao ser humano é ele não conhecer aquilo que mais odeia, despreza e mendiga atenção em si mesmo. É não poder se relacionar genuinamente com o outro, porque perdeu contato consigo mesmo.
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Seja qual for a atitude existente na mente consciente, e qualquer função psicológica que seja dominante, o oposto está no inconsciente. Essa situação raramente precipita uma crise na primeira metade da vida. Mas para as pessoas mais velhas que chegam ao impasse dessa crise, caracterizadas por uma atitude consciente unilateral e pelo bloqueio de energia, é necessário trazer à luz conteúdos psíquicos que foram reprimidos. O conteúdo reprimido deve tornar-se consciente, de modo a produzir uma tensão de opostos, sem a qual nenhum movimento para frente é possível. A mente consciente está no topo, a sombra embaixo, e assim como o que está no alto sempre busca o baixo, e o quente tende ao frio, assim toda consciência, talvez sem conhecimento disso, busca seu oposto inconsciente, sem o qual está sujeito à estagnação, ao congestionamento e à petrificação. A vida nasce apenas da centelha dos opostos (JUNG, 1987b, §78). Isso é o que movimenta e torna o que se encontra estagnado, dinâmico. É o mesmo princípio da energia elétrica que, para movimentar certo aparelho, precisa estar configurada de modo a passar por ele por meio da tensão dos polos contrários.
Isso, por sua vez, ativa o processo de compensação, que leva a um "terceiro" irracional, a função transcendente. A partir da colisão de opostos, a psique inconsciente cria sempre um terceiro elemento de natureza irracional, que a mente consciente não espera nem compreende. Ele se apresenta de uma forma que não é nem um "sim" nem um “não” diretos (JUNG, 2000, §285). Isso porque esse terceiro sempre será um símbolo, o qual dificilmente apresenta-se de modo claro e nítido. Sua linguagem é a do “como se”, das parábolas, dos contos de fada e dos mitos.
Algum grau de tensão entre a consciência e o inconsciente é inevitável e necessário. O objetivo da análise, portanto, não é eliminar a tensão, mas sim entender o papel que ela desempenha na autorregulação da psique. Além disso, a assimilação de conteúdos inconscientes faz com que o ego se torne responsável pelo que antes era inconsciente. Não há, portanto, nenhuma menção com relação a ficar completamente em paz. A personalidade coesa nunca perderá completamente o sentido doloroso da discórdia inata. A redenção completa dos sofrimentos deste mundo é e deve permanecer uma ilusão. A vida terrena de Cristo também terminou, não em felicidade complacente, mas na cruz (JUNG, 1990a, §400).
Qualquer um que tente lidar com o problema dos opostos em um nível pessoal fará uma contribuição significativa para a paz mundial. A regra psicológica afirma que, quando uma situação interior não é tornada consciente, ela tende a ocorrer exteriormente, como destino. Ou seja, quando o indivíduo permanece indiviso, convencido de que é uno, e não se torna consciente de seu oposto interno, o mundo deve forçar o conflito e ser dividido em metades opostas (JUNG, 1990b, §126).
(OBS: O conceito exposto foi traduzido e editado do inglês por Charles A. Resende a partir de Sharp (1991), contendo algumas considerações pessoais com o fito de esclarecer as passagens. As citações de Jung não se encontram em destaque (entre aspas) tendo em vista que são paráfrases do texto original, em português. Assim, são equivalentes, mas nota-se uma linguagem muito menos erudita e mais assimilável ao leigo do que aquela empregada nas obras de Jung em língua portuguesa.)
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