tag:blogger.com,1999:blog-87400036356384101492024-03-14T00:30:53.843-03:00Em busca de sentidoCharles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.comBlogger50125tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-80618384148081477582021-02-11T20:43:00.002-03:002021-02-11T21:21:08.955-03:00Bad boys ou reimaginando a educação de meninos (TRADUÇÃO)<p style="text-align: right;"> (<i>Tradução de Charles Alberto Resende do trecho nomeado Bad Boys, <br />parte do capítulo 8, Male Psychology, do livro Knights Without Armor <br />– A Guide to the Inner Lives of Men, de Aaron R. Kipnis, Ph.D.</i>)</p><p>1. INTRODUÇÃO POR CHARLES A. RESENDE</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-GmDOi-tm8v0/YCCEcDI0B-I/AAAAAAAAuyU/WwRzt_b3_rYGfxJ-qwj72LEvPujoLHzrgCLcBGAsYHQ/s499/knights%2Bwithour%2Barmor.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="499" data-original-width="330" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-GmDOi-tm8v0/YCCEcDI0B-I/AAAAAAAAuyU/WwRzt_b3_rYGfxJ-qwj72LEvPujoLHzrgCLcBGAsYHQ/s320/knights%2Bwithour%2Barmor.jpg" /></a></div><br /> Knights Without Armor (Cavaleiros Sem Armadura), de Aaron Kipnis, foi lançado há trinta anos, em 1991, nos EUA. É um clássico dos livros para homens infelizmente ainda não traduzido para o português, assim como muitos outros do gênero que encontramos no exterior. Livros como este foram encabeçados por João de Ferro, de Robert Bly, já bastante conhecido. Posso dizer que este livro lançou luz como nenhum outro até este momento, sobre o quanto nossa cultura ainda é sexista, e talvez ainda seja machista, mas com certeza é muito feminista. E as mulheres não são as menos prejudicadas por esse viés sexista. Os homens sofrem de depressão e expressam sua negação por meio da violência verbal, física e de outras formas comportamentais. Espanta-me como os governos e a mídia enfatizam a punição dos homens abusadores das mulheres, mas não promovem uma educação psicológica masculina. Afinal, embora a vítima tenha sido abusada recentemente, o abusador em geral o foi desde a infância, principalmente como parte de uma cultura que impõe uma visão de homem que não chora, não se emociona, e tem que ser forte em todas as circunstâncias. O que o homem faz às mulheres e outros homens, faz primeiro à sua alma. Sua violência é reflexo disso: da violência contra si mesmo. Até que ousamos retirar a armadura e viver o dia comum, sem batalhas internas manifestadas no mundo.<div><div style="text-align: justify;"> O texto a seguir trata do aspecto da educação dos meninos, e explica como o sexismo e o não respeito ao menino como ele é o transforma num adulto machista e abusador, primeiro de si mesmo, e depois de homens e mulheres. Ele estimula outras visões de antigos problemas. </div><p></p><p style="text-align: justify;">2. TEXTO TRADUZIDO</p><p style="text-align: justify;"> Hoje, a maioria das salas de aula da escola primária prefere um ambiente feminino. Asseio, conformidade, quietude, polidez, habilidades verbais e outras virtudes historicamente femininas são altamente enfatizadas ali. Mas os meninos costumam ser mais ativos, desordenados e agressivos e menos verbais do que as meninas. Consequentemente, os meninos têm maiores taxas de reprovação e são percebidos como tendo mais problemas de personalidade na escola. Como são socializados para serem mais autônomos, geralmente têm menos interesse em agradar o professor do que as meninas. Frequentemente, ficam frustrados com exercícios repetitivos de habilidades – nas quais são os mais fracos. Em seguida, eles são rotulados como tendo transtornos de déficit de atenção. Mas, por muitos motivos, costuma ser mais difícil para os meninos ficarem sentados em uma sala de aula. Eles são inquietos e enérgicos, não são maus ou anormais. </p><p style="text-align: justify;"> Em muitos casos, drogas como a Ritalina são usadas agora para acalmar os meninos, em vez de os educadores examinarem seriamente o estilo de ensino, os valores e a estrutura da sala de aula. Não damos drogas a meninas gentis para normalizá-las e torná-las mais assertivas. Se os meninos são mais divergentes, isso pode indicar uma falha em nosso sistema educacional em acomodar os diferentes estilos de gênero e modos de aprendizagem de meninos e meninas. Espera-se que os meninos se adaptem a um ambiente que muitas vezes é contrário à sua autoimagem masculina. Eles geralmente carecem de uma forte presença masculina que pode nutrir o desenvolvimento de sua masculinidade profunda e conter sua agressividade com destemor e firmeza amorosa. Eles podem se rebelar contra o controle ou as críticas da mãe-escola.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-IdKImzi4X8I/YCVreHrEBvI/AAAAAAAAu3c/G20lic5o42ggUbaHTjdOLGqs1gxVOfu6wCLcBGAsYHQ/s413/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B1.png" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="113" data-original-width="413" src="https://1.bp.blogspot.com/-IdKImzi4X8I/YCVreHrEBvI/AAAAAAAAu3c/G20lic5o42ggUbaHTjdOLGqs1gxVOfu6wCLcBGAsYHQ/s320/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B1.png" width="320" /></a></div> Se eles se rebelarem o suficiente, rapidamente chamarão a atenção de agências sociais e disciplinadoras. O castigo corporal é uma forma institucionalizada de abuso infantil ainda praticada em vinte e três estados dos EUA. Este abuso é predominantemente dirigido a meninos e afeta cerca de dois milhões de alunos, com até vinte mil deles procurando atendimento médico para contusões todos os anos. Esse fenômeno é consistente com o ambiente doméstico dos meninos, onde eles geralmente são submetidos a um maior grau e frequência de punição física e abuso do que as meninas. Os meninos também são drogados, hospitalizados e trancados em instituições juvenis com muito mais frequência do que as meninas.<p></p><p style="text-align: justify;"> A energia selvagem e masculina da caça é percebida como hiperatividade, inconformidade e baixo ajuste social. Mas a maioria das patologias é específica da cultura. O que é considerado comportamento normal em um momento e lugar é uma loucura em outro. Em uma sociedade de caçadores, a ânsia inquieta dos meninos por ação seria satisfeita pelos homens mais velhos com elogios, incentivo e orientação positiva. Mas em nossa cultura urbana, é mais frequentemente condenada e rotulada como patológica. Meus adolescentes “desviados” no deserto explicaram este ponto para todos que trabalharam com eles. Suas personalidades mudaram positivamente em resposta à experiência de si mesmos como adaptados com sucesso para a sobrevivência no contexto desafiador da região inóspita.</p><p style="text-align: justify;"> Precisamos dar uma outra olhada na coeducação1 e perguntar se ela realmente é a melhor ideia para todos os meninos em todas as classes. Se persistirmos na coeducação, não deveríamos ter pelo menos algum período do dia ou da semana em que os meninos estejam na companhia apenas de outros meninos e homens? E não deveria ser outro senão o ambiente competitivo dos esportes, o treino de agressividade do ROTC2, ou o ambiente punitivo das aulas de ajuste social?</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-6bk_eGccNGI/YCVsHKp5UBI/AAAAAAAAu3k/-F2Az61QdWA80HnxKZ6IgYZbi2TettTxgCLcBGAsYHQ/s426/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B2.png" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="171" data-original-width="426" src="https://1.bp.blogspot.com/-6bk_eGccNGI/YCVsHKp5UBI/AAAAAAAAu3k/-F2Az61QdWA80HnxKZ6IgYZbi2TettTxgCLcBGAsYHQ/s320/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B2.png" width="320" /></a></div> Na Grécia antiga, os jovens eram educados enquanto caminhavam ao lado de seus colegas e professores. Isso satisfez a necessidade de seus corpos por atividade e estimulação, enquanto simultaneamente envolvia suas mentes em pensamentos abstratos. Este estilo de educação pode ser mais favorável a um estilo de aprendizagem preferido e específico para homens. Uma conselheira e professora do sistema escolar de Los Angeles recentemente me disse que tem experimentado ensinar meninos ao ar livre. Ela relata que nessas ocasiões eles parecem menos agitados. Eles se sentem mais livres para mover seus corpos e são mais estimulados pelo ambiente ao redor. Isso os faz sentir menos entediados. Em vez de se distrair da instrução, ela descobriu que eles diminuem o mau comportamento, que sua capacidade de atenção aumenta e que sua escrita e compreensão melhoram significativamente.<p></p><p style="text-align: justify;"> Os meninos precisam de um ambiente para onde possam extravasar ocasionalmente sua turbulência, ou onde seja até mesmo apreciada, não sejam envergonhados ou controlados e repetidamente instruídos a ficarem quietos e parados. Talvez precisemos instituir cursos como bateria de conga para meninos, dança de rap, prática de banda de rock ou alguma outra atividade barulhenta, física, agressiva, desordenada e não competitiva, pela qual os meninos poderiam receber tanto crédito quanto por boa ortografia. Os treinamentos em oficina também precisam receber um status maior e considerados tão aceitáveis quanto os cursos preparatórios para a faculdade.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: right;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-3PAE8Gjd0xw/YCVsjtxkTMI/AAAAAAAAu3s/QuvfUbuSIu006TJl1el9Se14vO7u96Y6QCLcBGAsYHQ/s499/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B3.png" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="93" data-original-width="499" src="https://1.bp.blogspot.com/-3PAE8Gjd0xw/YCVsjtxkTMI/AAAAAAAAu3s/QuvfUbuSIu006TJl1el9Se14vO7u96Y6QCLcBGAsYHQ/s320/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B3.png" width="320" /></a></div> Os meninos precisam ter sua agressividade direcionada e limitada de uma forma que não os envergonhe por serem fisicamente dinâmicos – talvez algo como um circuito de desafio de cordas em que os participantes sobem em cabos e cordas, combinando assumir riscos com trabalho em equipe e construção de confiança. Ou os meninos podem preferir aprender matemática e geometria no contexto concreto de construir uma casa juntos, em vez do contexto abstrato da sala de aula, onde devem se desconectar da energia em seus corpos.<p></p><p style="text-align: justify;"> Esportes cooperativos e projetos como esses também contribuem muito para a construção de bases para uma comunidade de homens emotivos (<i>soulful males</i>), em vez de colocar os jovens uns contra os outros de maneira a plantar as sementes da alienação futura em relação a outros homens. A solidão, o isolamento e a baixa autoestima são devastadores para a psicologia dos rapazes. Essas experiências são o solo fértil de onde crescem as sementes do comportamento antissocial. Neste momento de nossa cultura, precisamos nos concentrar tanto na construção da autoestima dos meninos quanto nas habilidades acadêmicas. Elas caminham juntas. É duvidoso que qualquer um dos objetivos possa ser bem alcançado sem o outro.</p><p style="text-align: justify;"> Considere o menino com um pai ausente, excessivamente controlado pela mãe, com professoras principalmente na escola. Muito do controle em sua vida é dirigido por mulheres, mas a maior parte da disciplina para resistir a esse controle é exercida por homens: vice-diretores, treinadores, seu pai, quando ele chega em casa, ou outros homens designados para lidar com meninos problemáticos. Não é absurdo suspeitar que muitos meninos agem de maneira estranha apenas para atrair uma forte atenção masculina em suas vidas, mesmo que essa atenção seja negativa. Essa ideia é consistente com a experiência da maioria dos conselheiros homens com quem conversei durante os anos em que trabalhei em centros de tratamento (<i>residential treatment centers</i>). O mau comportamento do jovem frequentemente é um clamor por atenção masculina e estabelecimento de limites, mesmo que punitivos. Mas uma presença consistente, positiva e afirmativa do sexo masculino seria muito preferível.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-4rNk0U1n2Ug/YCVs3jeMRSI/AAAAAAAAu30/H-zF8LgI1rAnZaDKZ-7O_vE5-Ed7tt2mQCLcBGAsYHQ/s492/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B4.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="135" data-original-width="492" src="https://1.bp.blogspot.com/-4rNk0U1n2Ug/YCVs3jeMRSI/AAAAAAAAu30/H-zF8LgI1rAnZaDKZ-7O_vE5-Ed7tt2mQCLcBGAsYHQ/s320/CITA%25C3%2587%25C3%2583O%2B4.png" width="320" /></a></div><br /> Em seu livro The Feminized Male, Patricia Sexton lamenta que a maioria dos professores do sexo masculino sejam eles próprios adaptados às normas da sala de aula feminina. Portanto, pouco podem fazer para compensar o dano causado à masculinidade dos meninos em uma sala de aula feminizada. Infelizmente, os homens geralmente são socializados de forma a não seguir carreiras como professores primários. Trabalhar com crianças pequenas é muitas vezes considerado uma ocupação pouco masculina. Alguns estudos indicam que os homens que querem trabalhar com crianças são percebidos de forma suspeita por muitas pessoas como anormais.<p></p><p style="text-align: justify;"> Há uma ideia persistente na cultura escolar hoje de que as virtudes femininas são de alguma forma mais positivas do que as masculinas. Mas isso é simplesmente uma reversão do velho pensamento sexista que muitas mulheres e homens têm lutado para eliminar da educação e de nossa cultura. Temos claramente a necessidade de homens impetuosos (<i>fierce</i>) se envolverem mais em todos os níveis de educação e desenvolvimento dos meninos. Também precisamos olhar para o comportamento do menino difícil de uma perspectiva que tente conhecer os meninos como eles são, em vez de tentar meramente ressocializá-los com métodos químicos de negação da alma ou entorpecentes.</p><p style="text-align: justify;"></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-PPdGMQJcB7o/YCVtpZPrQfI/AAAAAAAAu38/mZpbgpSY3ZgQsxKXvZbVd9FPv2a1QsCEgCLcBGAsYHQ/s695/AULA%2BNA%2BGR%25C3%2589CIA.PNG" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="289" data-original-width="695" height="166" src="https://1.bp.blogspot.com/-PPdGMQJcB7o/YCVtpZPrQfI/AAAAAAAAu38/mZpbgpSY3ZgQsxKXvZbVd9FPv2a1QsCEgCLcBGAsYHQ/w400-h166/AULA%2BNA%2BGR%25C3%2589CIA.PNG" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Aula na Grécia antiga. Os meninos eram ensinados como propõe este texto.</td></tr></tbody></table><br /> O número cada vez maior de gangues de jovens pode estar se formando como uma tentativa equivocada de preencher a necessidade que todo jovem tem de uma comunidade masculina. Mas um comportamento mais estimulante socialmente virá da conexão com nossas profundezas éticas, não apenas de níveis crescentes de restrição e controle externos. O ritual, o rito de passagem, o trabalho em regiões inóspitas e a orientação masculina podem ajudar os rapazes a se conectar com essas profundezas. Meu livro, <i>Angry Young Men</i>, explora essas questões com muito mais profundidade. <p></p><p style="text-align: center;"><b>TEXTOS RELACIONADOS</b></p><p style="text-align: center;"><a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2018/08/por-que-nao-consigo-mudar-video.html" target="_blank">Por que não consigo mudar?</a> - <a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2018/03/anne-frank-dinamica-psiquica-de-uma.html">Anne Frank: a dinâmica psíquica de uma adolescente</a> - <a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2017/04/a-importancia-do-rito-de-passagem-na.html" target="_blank">A importância do rito de passagem na adolescência</a> - <a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a></p></div>Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-8282172291426905202020-12-27T10:33:00.003-03:002020-12-27T10:53:51.997-03:00As raízes psicológicas da homofobia<p style="text-align: justify;"> (Este texto é uma tradução de partes do capítulo "Homophobia and Analytical Psychology", de Robert H. Hopcke, oriundo do livro Same-Sex Love and the Path to Wholeness, editado por Hopcke.)</p><p style="text-align: justify;"><b>A HOMOFOBIA COMO CONCEITO PSICOLÓGICO</b></p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-3w2r71CVKPk/X-fXDYB8YnI/AAAAAAAArHE/95wHBdbG5u0DXfoqlR9g-0-K-m_f0ztHwCLcBGAsYHQ/s347/samesex%2Blove.PNG" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="347" data-original-width="222" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-3w2r71CVKPk/X-fXDYB8YnI/AAAAAAAArHE/95wHBdbG5u0DXfoqlR9g-0-K-m_f0ztHwCLcBGAsYHQ/s320/samesex%2Blove.PNG" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"> Independentemente de o próprio George Weinberg ter cunhado o termo homofobia, seu livro histórico, Society and the Healthy Homosexual<span style="color: #cc0000; font-size: xx-small;"><b>1</b></span> (1972), pode ser creditado pelo lançamento do termo para o discurso psicológico. Este trabalho, que em muitos aspectos representa a culminação de décadas de pesquisas mais objetivas sobre a vida e o ajuste psicológico dos homossexuais nos Estados Unidos, declara o ponto principal e a atitude de Weinberg de maneira mais sucinta em seu título: ou seja, que o “problema” com a homossexualidade, na cultura ocidental moderna e na teoria psicológica, não se deve a nada inerentemente prejudicial em relação à homossexualidade, uma vez que pesquisas menos tendenciosas sobre a vida real dos gays revelam a possibilidade de homossexuais saudáveis. “Em vez disso, existe um conjunto de preconceitos de natureza social, política, religiosa e psicológica que define a homossexualidade, a priori, como problemática. Para Gordon Allport preconceito é uma atitude aversiva ou hostil em relação a uma pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque ela pertence a esse grupo e, portanto, supõe-se que as qualidades censuráveis sejam atribuídas ao grupo”. Empregando a definição de Allport, Weinberg vê o preconceito da sociedade contra a homossexualidade, e não a própria homossexualidade, como o problema real. Ele usa a palavra homofobia para descrever essa atitude preconceituosa. Ao definir esta atitude como uma fobia e explorar as causas sociais e psicológicas desse medo, Weinberg intencionalmente empregou o mesmo tipo de jargão psicológico que tantas vezes é usado para patologizar a homossexualidade. Ao fazê-lo, ele inverteu a participação da psiquiatria em relação à opressão social e política de gays e lésbicas.</div><p></p><p style="text-align: justify;"> A descrição de Weinberg da homofobia e seus vários elementos serviu por vinte anos como base para qualquer discussão sobre esse fenômeno. Como outras fobias, a homofobia geralmente consiste em um medo intenso e uma aversão que leva a uma infeliz mutilação da vida social e emocional:</p><p style="text-align: justify;"> Há um certo custo em sofrer de qualquer fobia. A rejeição se espalha para todo um círculo de atos relacionados à atividade temida, concreta ou simbolicamente. Nesse caso, os atos imaginados como propensos aos sentimentos homossexuais, ou que lembram atos homossexuais, são evitados. Por exemplo, um grande número de homens se abstêm de se abraçar ou de se beijar… Em geral, os homens não expressam afeição um pelo outro ou anseiam pela companhia um do outro… Homens, mesmo amigos de toda a vida, não se sentarão tão perto um do outro num sofá como as mulheres fazem; eles não olharão nos olhos um do outro com tanta firmeza e carinho. As ramificações desse medo fóbico se estendem até aos relacionamentos entre pais e filhos. Milhões de pais acham que não seria adequado beijar ou abraçar carinhosamente seus filhos.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-5ZkECOMUejc/X-fX2v5gUbI/AAAAAAAArHM/obdWWXgBIBU9vndb0W3V10zigrOFhSqPgCLcBGAsYHQ/s421/society%2Band%2Bhomosexual.PNG" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="421" data-original-width="283" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-5ZkECOMUejc/X-fX2v5gUbI/AAAAAAAArHM/obdWWXgBIBU9vndb0W3V10zigrOFhSqPgCLcBGAsYHQ/s320/society%2Band%2Bhomosexual.PNG" /></a></div> Assim, Weinberg defende que a homofobia seja chamada de “doença”, dado o empobrecimento da vida emocional, resultado inevitável de tal medo, e a patologia social que é sua derivada, no caso, as inúmeras formas de violência social e econômica infligidas a pessoas gays.<p></p><p style="text-align: justify;"> Quanto às causas da homofobia, Weinberg aborda pelo menos cinco. O primeiro, o motivo religioso, encontra apoio na proibição judaico-cristã contra o comportamento sexual com o mesmo sexo, uma reprovação baseada em um entendimento particular da sexualidade, que por sua vez é derivada de uma tradição específica de interpretação bíblica. Para equilibrar essa imagem de intolerância religiosa, Weinberg reconhece a existência de outras maneiras não homofóbicas de interpretar a Bíblia com relação ao comportamento sexual, especificamente a teologia do reverendo Troy Perry da Metropolitan Comunity Church (Igreja da Comunidade Metropolitana), que é gay-afirmativa.</p><p style="text-align: justify;"> Uma segunda causa mais psicológica de homofobia que Weinberg apresenta é o "medo secreto de ser homossexual”, ou seja, a homofobia como uma formação reativa contra sentimentos e desejos homossexuais inconscientes ou subconscientes. Essa teoria é obviamente derivada diretamente do pensamento psicanalítico a respeito das fobias em geral e da homossexualidade em particular.</p><p style="text-align: justify;"> Terceiro, Weinberg menciona a “inveja reprimida”, a percepção de que os homens homossexuais e, em menor medida, as mulheres homossexuais, desfrutam de um estilo de vida mais livre, fácil e menos pesado do que os heterossexuais sobrecarregados com casamento e filhos. Essa inveja dos homossexuais, como toda inveja, leva ao ódio e ao desejo de inutilizar as vantagens que os invejados possuem.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-JO_h1gTYQeA/X-fYuO0NZlI/AAAAAAAArHY/afw3Vi_-Vs4xoUxbGDOF88tmg1VECnsywCLcBGAsYHQ/s548/Homofobia-dos-dias-de-hoje-no-ontem.png" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="420" data-original-width="548" src="https://1.bp.blogspot.com/-JO_h1gTYQeA/X-fYuO0NZlI/AAAAAAAArHY/afw3Vi_-Vs4xoUxbGDOF88tmg1VECnsywCLcBGAsYHQ/s320/Homofobia-dos-dias-de-hoje-no-ontem.png" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;"> Uma quarta causa das respostas homofóbicas, claramente relacionada a motivos religiosos e à inveja dos homossexuais, é a ameaça aos valores que a homossexualidade representa. Sobre isso, Weinberg escreve: “Quem não adota o sistema de valores usual de uma sociedade corre o risco de ser visto como um enfraquecedor da sociedade. Porque a pessoa não compartilha dos interesses e objetivos da maioria, suspeita-se dela. Isso permanece assim mesmo que a pessoa produza tanto quanto os outros e trabalhe tão arduamente ao longo da vida.” Enquadrando a homofobia e suas raízes dessa maneira, Weinberg lança um holofote sobre a irracionalidade fundamental da homofobia, baseada em um conjunto de valores e convenções culturais, ao invés de proclamar quaisquer verdades ontológicas concernentes à natureza da sexualidade.</div><p></p><p style="text-align: justify;"> Finalmente, a quinta e talvez mais curiosa causa para a homofobia que Weinberg aborda é a ameaça representada pelo fato de que os homossexuais são vistos como vivendo uma “existência sem imortalidade indireta”. Essa percepção, Weinberg sugere, provoca no inconsciente uma identificação da homossexualidade com a morte não redimida pela continuação da vida representada pela prole de alguém e constitui uma grave ameaça ao ego, que não pode tolerar a ideia de completa extinção pessoal.</p><p style="text-align: justify;">[…]</p><p style="text-align: justify;"><b>AS RAÍZES PSICOLÓGICAS DA HOMOFOBIA</b></p><p style="text-align: justify;"> Como Weinberg e uma profusão de freudianos deixaram claro, no nível do que os junguianos chamariam de inconsciente pessoal, a homofobia mais frequentemente representa uma defesa contra os impulsos, sentimentos, desejos e imagens homossexuais inconscientes. As pessoas que estão seguras da sua orientação sexual não têm motivos para temer ou odiar a homossexualidade, desde que as diferenças do outro não tem poder de ameaçar aquilo com que se sente à vontade e seguro. Para homens heterossexuais e mulheres sem conflitos sobre sua sexualidade, a homossexualidade de alguém seria motivo de indiferença, enquanto homens e mulheres que aceitaram sua própria orientação homossexual ou bissexual já trabalharam com medos ou sentimentos negativos que já tiveram. Esse ponto me é familiar e apresentado repetidamente em meu trabalho clínico, quando imagens homossexuais nos sonhos são discutidas em uma sessão terapêutica: para heterossexuais em conflito com sua sexualidade, essas imagens são quase sempre experimentadas como uma invasão assustadora e indesejada. Às vezes, essa ameaça é projetada em mim dentro do relacionamento terapêutico: por exemplo, esses pacientes geralmente expressam o medo de que, com base nesses sonhos, eu lhes diga que eles são “realmente” gays. Às vezes, a própria imaginação onírica dá a esses pacientes boas razões para serem ameaçados, pois aqueles que suprimiram ansiosamente todos os sentimentos homossexuais, a fim de se agarrarem defensivamente a uma persona heterossexual, geralmente são expostos a uma reação compensatória violenta em seus sonhos: estupros homossexuais, escravidão e domínio nas mãos de torturadores, figuras do mesmo sexo exigindo submissão sexual e psicológica.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-aldr2uX7hbw/X-iKr87psLI/AAAAAAAArI8/2n4B1MMarCUIRZKSwfC8FExxdBv3QgZBgCLcBGAsYHQ/s1175/sombra2.PNG" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="737" data-original-width="1175" height="251" src="https://1.bp.blogspot.com/-aldr2uX7hbw/X-iKr87psLI/AAAAAAAArI8/2n4B1MMarCUIRZKSwfC8FExxdBv3QgZBgCLcBGAsYHQ/w400-h251/sombra2.PNG" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"> Com essas imagens, chegamos ao reino da sombra. Como outras fobias, a homofobia é sem dúvida uma dinâmica sombria, uma vez que o medo e o ódio da homossexualidade são derivados diretamente de valores culturais que insistem em que só o casamento heterossexual é normativo e bom, e tudo o mais é aberrante e ruim. Então, num nível pessoal e cultural, a homossexualidade é lançada no inconsciente e transformada em sombra, dada a estrutura interna estritamente heterossexista que vivemos. Essa qualidade sombria é óbvia nos vários estereótipos negativos das relações homossexuais, muitos dos quais foram provados inverídicos em pesquisas subsequentes<span style="color: #cc0000; font-size: xx-small;">2</span>, mas que persistem na consciência pessoal e cultural, porque preserva a normalidade da persona heterossexual: os homossexuais são incapazes de um relacionamento comprometido a longo prazo (a taxa de divórcio heterossexual é convenientemente ignorada). Os homossexuais são promíscuos e obcecados pelo sexo (a infidelidade heterossexual e comercialização da heterossexualidade para vender de tudo, de pasta de dente a automóvel, mais uma vez convenientemente ignorados). Homens homossexuais são efeminados e querem ser mulheres (o fato de que a maioria das travestis são heterossexuais, é novamente ignorado). O valor rígido dado à heterossexualidade, especialmente a heterossexualidade procriadora, na cultura ocidental, praticamente determina que a homossexualidade como fenômeno e os indivíduos homossexuais serão os portadores de todos os aspectos sombrios da sexualidade que não se encaixam nesse esquema heterossexista.</div><p></p><p style="text-align: justify;"> O próprio termo homofobia, no entanto, nos dá uma pista para uma compreensão ainda mais profunda. A rigor, seria de esperar que o termo empregado fosse "homosexofobia", e, no entanto, esse “ato falho” conceitual, por assim dizer, é revelador. O significado literal de homofobia, “medo da semelhança”, mostra como as raízes de tal medo e ódio estão no centro do próprio patriarcado. Como um sistema psicologicamente unilateral, o patriarcado, com suas definições de gênero e validação concomitante de tudo o que é “masculino” e a difamação de tudo que é “feminino”, tem premiado os homens com grande quantidade de poder social, econômico e político. No entanto, o que nem sempre é visto é como esse sistema requer, em um nível psicológico, uma forma consistente de alienação de mulheres e homens.</p><p style="text-align: justify;"> A falta de dinâmica é clara quando vista em relação aos papéis das mulheres no patriarcado. Se o amor das mulheres por mulheres fosse aceito e validado, esse amor levaria a uma revisão radical dos valores sociais pessoais, que atualmente se baseiam na alienação das mulheres de si mesmas, de seus corpos e de suas almas. Para homens, que são comprados com privilégios sociais e econômicos para continuar com um estilo de vida unilateral, a autoalienação é mais sutil. Certamente, se os homens fossem amar outros homens livre e abertamente, grande parte da vantagem competitiva que mantém vivo o sistema patriarcal se tornaria irrelevante; os incentivos sociais que alimentam a visão dos homens de outros homens rivais em potencial seriam suplantados por outros conjuntos de experiências e de incentivos, talvez mais poderosos do que dinheiro ou poder: a saber, amor, intimidade e aceitação proveniente de outros homens. </p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZUlZleSqOmw/X-iIj25Oz5I/AAAAAAAArI0/Zr2nq1XwbG4ZKVQcPCqp7sfKJuicWz4YgCPcBGAYYCw/s1280/sombra.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="655" data-original-width="1280" height="328" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZUlZleSqOmw/X-iIj25Oz5I/AAAAAAAArI0/Zr2nq1XwbG4ZKVQcPCqp7sfKJuicWz4YgCPcBGAYYCw/w640-h328/sombra.png" width="640" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;"> No entanto, mais ameaçador é o modo como a homossexualidade põe em questão a definição patriarcal unilateral de masculinidade que sustenta todo o sistema em primeiro lugar. Encorajando os homens a se identificarem com uma masculinidade fálica, com a exclusão de todos os outros aspectos da experiência masculina, o sistema patriarcal acaba alienando os homens da plenitude da experiência masculina. Portanto, a homofobia, consequência natural do patriarcado, é precisamente o que ela literalmente denota: um medo e ódio de si mesmo. Para as mulheres, o status inferior delas dentro do patriarcado instila o ódio quase desde o nascimento, de modo que o processo de “saída do armário” da lésbica acaba sendo em grande parte uma recuperação de si mesma. Por outro lado, para homens gays, a equação patriarcal de masculinidade exclusivamente fálica deve ser abandonada, e a definição de gênero expandida para incluir aspectos do self masculino que foram denegridos ou temidos: por exemplo, todos os valores representados simbolicamente pelos falos flácidos, como receptividade, flexibilidade e interioridade, ou qualidades inerentes à imagem do Pai Terra, como fundamento, afeto e educação.</div><p></p><p style="text-align: justify;"> Assim, a homofobia, tantas vezes aparecendo como um medo do mesmo sexo, é uma dinamite psicológica perniciosa, não apenas homens e lésbicas, mas para homens e mulheres heterossexuais, porque por trás do medo do mesmo sexo, se encontra um devastador medo de si mesmo. A manifestação clínica da homofobia em heterossexuais não precisa ser simplesmente um ódio de gays, mas pode ser de todos os tipos de fenômenos – o medo de sentir prazer no próprio corpo, falta de intimidade com outros homens e mulheres, e uma concomitante falta de validação e comunidade; ou, como exemplo mais extremo, um senso quase paranoico de competição e perseguição pelas mesmas pessoas que se espera que se espelhem a si mesmas e suas almas, aquelas que são como nós, outros homens, outras mulheres.</p><p style="text-align: justify;"></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-UustvwPt9oc/X-faA6BybAI/AAAAAAAArHk/RsfMomrrd3Eh_8h3eQzbuGfJojAdGhFngCLcBGAsYHQ/s1300/alquimia-el-arbol-de-la-luna-hermafrodita-grabado-de-johann-daniel-mylius-philosophia-reformata-1622-la-presencia-del-arbol-de-la-luna-o-el-arbor-argentum-junto-con-el-hecho-de-que-el-hermafrodita-se-erige-sobre-una-media-luna.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="A figura do hermafrodita na alquimia" border="0" data-original-height="1172" data-original-width="1300" height="289" src="https://1.bp.blogspot.com/-UustvwPt9oc/X-faA6BybAI/AAAAAAAArHk/RsfMomrrd3Eh_8h3eQzbuGfJojAdGhFngCLcBGAsYHQ/w320-h289/alquimia-el-arbol-de-la-luna-hermafrodita-grabado-de-johann-daniel-mylius-philosophia-reformata-1622-la-presencia-del-arbol-de-la-luna-o-el-arbor-argentum-junto-con-el-hecho-de-que-el-hermafrodita-se-erige-sobre-una-media-luna.jpg" title="A figura do hermafrodita na alquimia" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A figura do hermafrodita na alquimia.</td></tr></tbody></table><div style="text-align: justify;"> A homofobia é de fato um medo de si mesmo, então é quase certamente também um medo do Si-mesmo, particularmente o Si-mesmo em sua ambivalência. Gays e lésbicas, vivendo em desacordo com a sexualidade unilateral e invariável, proposta como normal, enfrentam essa cultura com a verdadeira amplitude e variedade da experiência humana, enfrentam-na com uma totalidade que em última análise deriva do Si-mesmo. Aqui, a falta de teorização junguiana sobre a homossexualidade posterior a Jung torna-se especialmente decepcionante, pois o próprio Jung sugeriu que a homossexualidade é um “desligamento incompleto do arquétipo hermafrodita, unido a uma resistência expressa a identificar-se com o papel de um ser sexual unilateral”. “Uma tal disposição”, continua Jung, “não deve ser julgada sempre como negativa, posto que conserva o arquétipo do Homem Original que, de certa maneira, se perde no ser sexualmente unilateral”. <span style="color: #cc0000; font-size: x-small;"><b>3</b></span> Como o andrógino, o homossexual pode ser percebido por meio das lentes do medo e do ódio, visto como monstruoso, uma aberração da natureza, o Outro radical, e, no entanto, o trabalho de Jung exige que seja adotada uma atitude diferente. Se a homossexualidade é um lugar onde, em uma cultura patriarcal unilateral, os valores de uma androginia vivem e prosperam, então a homossexualidade é um dos poucos lugares onde o Si-mesmo se manifesta e onde toda a essência de quem somos como homens e mulheres pode ser plenamente realizada.</div><p></p><p style="text-align: justify;"> A pesquisa antropológica sobre homossexualidade em outras culturas continua a nos apresentar esse elo aparentemente arquetípico entre homossexualidade e o Si-mesmo andrógino. Os homossexuais são o “terceiro sexo” nas culturas nativas, são os “homens e mulheres” que desempenham as funções xamanísticas e rituais para tantas tribos, papéis que interpõem-se entre o céu e a terra, o outro mundo e este.<span style="color: #cc0000; font-size: x-small;"><b>4</b></span> Assim, é preciso pensar se o poder sagrado que esses indivíduos incorporam para a tribo, o tabu que eles guardam e representam, não informa em nível profundo e arqueiro a homofobia que tantos heterossexuais sentem em nossa cultura, fora de si, por inveja ou mesmo terror da sacralidade inveja ou mesmo terror da sacralidade do amor sexual.</p><p style="text-align: center;"><b>REFERÊNCIAS</b></p><p style="text-align: left;">1. “A sociedade e o Homossexual Saudável”</p><p style="text-align: left;">2. David P. McWhirter and Andrew Mattinson, <b>The male couple: how
relationships develop</b> (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1984).</p><p style="text-align: left;">3. Tradução que mescla C. G. Jung, <b>The Collected Works of C. G. Jung</b>,
vol. 9/1 (Princeton: Princeton University Press, 1968), p. 71, com a
<b>versão portuguesa das Obras Completas</b>, vol. IX/1, §146.</p><p style="text-align: left;">4. Para este fenômeno na cultura americana nativa, ver Will Roscoe, The
Zuni Man-Woman (Albuquerque: University of New Mexico Press, 1991);
Walter Williams, <b>The Spirit and the Flesh: Sexual Diversity in
American Indian Culture</b> (Boston: Beacon Press, 1986); e Jonathan
Katz, Gay American History: <b>Lesbians and Gay Men in American History</b>
(Nova York: Thomas Y. Crowell, 1976); para exemplos de outras
culturas, ver Mircea Eliade, <b>Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy</b>
(Princeton: Princeton University Press, 1964).</p><p style="text-align: justify;"> (Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2013/11/as-bases-psicologicas-da-atracao-sexual.html" target="_blank">As bases psicológicas da atração sexual</a>", "<span style="white-space: pre-wrap;"><span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/extincao-ou-renovacao-de-valores.html" target="_blank">Extinção ou renovação de valores?</a>", </span></span><span style="white-space: pre-wrap;">"</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/06/malevola-amargura-do-feminino.html" style="white-space: pre-wrap;" target="_blank">Malévola - a amargura do feminino</a><span style="white-space: pre-wrap;">", </span><span style="white-space: pre-wrap;">"</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2011/11/dorian-gray-e-sombra-na-atualidade.html" style="white-space: pre-wrap;" target="_blank">Dorian Gray e a sombra na atualidade</a><span style="white-space: pre-wrap;">", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2017/04/a-importancia-do-rito-de-passagem-na.html" target="_blank">A importância do rito de passagem na adolescência</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/06/a-bela-adormecida-iniciacao-ao-feminino.html" target="_blank">A bela adormecida - iniciação ao feminino</a>")</span></p><p></p>Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-7787717252308930062020-09-27T10:12:00.004-03:002020-09-27T10:18:10.479-03:00Palestra de Introdução ao Curso de Análise de Sonhos - Terapia e Autoconhecimento<p> Esta é uma palestra gratuita de Introdução ao Curso de Análise de Sonhos. A primeira turma desse curso iniciará dia 5 de outubro de 2020. Visite a página do curso para maiores informações:</p><p><a href="https://charlesalres.wixsite.com/curso" target="_blank">Curso de Sonhos - Terapia e Autoconhecimento</a></p><p>Momento muito rico, com muitas perguntas e trocas. Assuntos abordados:</p><p>- Por que os sonhos são importantes?</p><p>- Os sonhos e o inconsciente</p><p>- A realidade da psique</p><p>- A função do sonho </p><p>- Referências</p><p><br /></p><p style="text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="270" src="https://www.youtube.com/embed/WABQSo9cDOs" width="480"></iframe><br /></p>Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0R. Pinheiro da Silva, 117 - Centro, Pindamonhangaba - SP, 12401-020, Brasil-22.9226081 -45.4650553-51.232841936178843 -80.6213053 5.387625736178844 -10.308805300000003tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-84554973677819968252020-07-16T14:45:00.001-03:002020-07-16T14:45:00.371-03:00Análise de Sonhos - conjunto de lives Estes vídeos compõem uma série de Lives intituladas "Cultura Psicológica", que estou fazendo nas redes sociais, todas no perfil <a href="http://www.instagram.com/charlesalres" target="_blank">@charlesalres</a>, que visa a divulgação de assuntos psicológicos por meio de lives, vídeos e conferências virtuais. Trata sobre a exploração dos sonhos como instrumentos de autoconhecimento e de cura, sua função regeneradora da psique humana, segundo a psicologia de Carl Jung.<br />
<br /><div> A Live abaixo foi uma entrevista efetuada pela Cláudia e pela Carla, alunas de psicologia da Faculdade Anhanguera de Pindamonhangaba/SP. Aborda diferentes aspectos relacionados aos sonhos por meio de perguntas próprias e também colhidas de outros alunos e pessoas conhecidas. Momento muito rico de uma hora e meia de psicologia junguiana sobre os sonhos.</div><div><br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/juFa85E1HHk" width="320" youtube-src-id="juFa85E1HHk"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"> As Lives abaixo compõem a série "Análise de Sonhos", onde exploro progressivamente vários assuntos relativos ao assunto.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/LjyKiNd3LwE" width="320" youtube-src-id="LjyKiNd3LwE"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/gjGiTK3ifkE" width="320" youtube-src-id="gjGiTK3ifkE"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/hJf6pwCEZYc" width="320" youtube-src-id="hJf6pwCEZYc"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/00LsNseozUk" width="320" youtube-src-id="00LsNseozUk"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/nv9u4STs9R0" width="320" youtube-src-id="nv9u4STs9R0"></iframe></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0Pindamonhangaba - SP, Brasil-22.9284296 -45.4595782-51.238663436178847 -80.61582820000001 5.3818042361788443 -10.303328200000003tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-70426673240669483812019-11-30T21:47:00.002-03:002020-12-27T10:42:02.298-03:00A polaridade política no Brasil e a sombra nacional<div style="text-align: justify;">
<b>I. Introdução</b><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-XYyR1V1v4eo/XeMMzCQs3mI/AAAAAAAAQmc/KWdJHMg4444atNn_fMrZouSEvivaSGfIwCLcBGAsYHQ/s1600/cerebro-contra-o-coracao.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="180" src="https://1.bp.blogspot.com/-XYyR1V1v4eo/XeMMzCQs3mI/AAAAAAAAQmc/KWdJHMg4444atNn_fMrZouSEvivaSGfIwCLcBGAsYHQ/s320/cerebro-contra-o-coracao.jpg" width="320" /></a></div>
Percebo a nação brasileira, na atualidade, antes de tudo, como polarizada essencialmente entre duas funções psíquicas principais: sentimento e pensamento. Seria, de modo geral, a condição inconsciente de identificação unilateral com uma dessas funções o que faz com que grandes grupos de pessoas se voltem para certos ideais ou para suas divergentes. Essa contradição se agrava ainda mais na população devido aos interesses das cúpulas governamentais empossadas e as destituídas se voltarem direta e basicamente para fora: as pessoas e as coisas. Assim, as ações em geral se orientam pelas influências recebidas das pessoas e das coisas, caracterizando a atitude extrovertida no agir e no lidar. Então, o embate principal da polarização ativa no Brasil deriva de como se relacionar com as pessoas e as coisas exteriormente. Um pouco de reflexão introvertida, como a proposta pela psicologia junguiana, traria um pouco mais de "tempero" a essa discrepância. É o que se propõe neste texto. Se o leitor não possui familiaridade com os tipos psicológicos de Jung, remeto-o aos textos "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2014/03/a-verdadeira-atitude-cientifica.html" target="_blank">A verdadeira atitude científica</a>" e "<a href="https://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2015/04/a-ampliacao-da-consciencia-humana.html" target="_blank">A ampliação da consciência humana</a>", que poderão informá-lo melhor.<br />
Consideremos a nação brasileira como um indivíduo e sua psique. O governo, o poder executivo, representaria o eu; as instituições que o apoiam, o legislativo e o judiciário, fariam parte de sistemas regulatórios dos processos conscientes dentro da personalidade nacional, e que, ainda assim, comporta também certos setores inconscientes porque mais desconsiderados. Assim, podem representar, por exemplo, funções psíquicas menos conscientes, auxiliares ou até antagônicas ao executivo. Os diversos partidos excluídos do executivo personificariam os vários complexos nacionais, cujas expressões seriam mais ou menos inconscientes (individualmente, equivaleriam aos complexos autônomos). Na dinâmica psíquica da nação, existe uma movimentação dos partidos/complexos do inconsciente para a consciência com o passar dos anos. Esses partidos podem incorrer nas seguintes possibilidades em relação ao ego/governo: identificação, repressão ou percepção consciente de suas personificações.<br />
<br />
<b>II. A repressão de partidos e facções divergentes</b><br />
A <b>identificação </b>ocorre quando o partido se apossa do ego, e este se identifica com ele. O presidente do partido do governo, e este como um todo, por exemplo, confunde o cargo e os papéis que ocupa e o exerce de forma pessoal, desconsiderando a impessoalidade do cargo. Disso pode advir, dentre outras possibilidades, a corrupção.<br />
A <b>repressão </b>de partidos pelo ego/governo ocorre quando partidos de valores e ideias opostos não aceitam a existência de contradições em relação a si. Então, o governo nem toma consciência dos conteúdos desses partidos, ignorando-os simplesmente porque são diferentes dos seus. Na repressão pode ocorrer uma espécie de estagnação, dependendo se essa repressão for mais ou menos forte. Com a rejeição absoluta desses partidos considerados "inferiores", a tendência é não ocorrerem mudanças; por conseguinte, forma-se uma tendência à resistência irracional ao governo instituído, reflexo da atitude autoritária do ego/Governo. Exemplo desse ciclo pode ser encontrado durante a fase da ditadura/Governo Militar, onde haviam censuras constantes às expressões de oposições às ações e ideais do governo vigente. As modalidades expressivas e artísticas do povo e dos artistas, que pontuam esse momento, podem ser consideradas como fantasias, sonhos e sintomas que ocorrem comumente no âmbito individual. Visam compensar e corrigir a atitude unilateral da instância consciente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-GVbONBFSNtc/Xd8MfmlegJI/AAAAAAAAQk4/J_YKmFyyJrAvFFSlesCcs8zHSKEuGLNRgCLcBGAsYHQ/s1600/ESQUEMA%2BPS%25C3%258DQUICO%2B%2528Brasil%2529.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="578" data-original-width="531" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-GVbONBFSNtc/Xd8MfmlegJI/AAAAAAAAQk4/J_YKmFyyJrAvFFSlesCcs8zHSKEuGLNRgCLcBGAsYHQ/s400/ESQUEMA%2BPS%25C3%258DQUICO%2B%2528Brasil%2529.png" width="366" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 12.8px;">Transposição do esquema psíquico junguiano para a nação brasileira.</td></tr>
</tbody></table>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
Na medida em que um partido tradicional permanece no governo, isso equivale a uma atitude de longa data que insiste em continuar. Nada muda. Os partidos e os rebeldes ao governo ficam no "inconsciente", fora da consciência, e, por isso conservam-se infantis, primitivos e desvalorizados. Ao assumir o governo, podem expressar traços dessas características. Exemplos disso é o modo como o governo, apesar de haver revitalizado a condição dos mais pobres, tratou os instrumentos de que se utiliza o Estado: a corrupção, a pretensão de que se poderia esbanjar dinheiro em programas sociais sem um limite mais real - talvez por se identificar de maneira pessoal ao governo. Desde que não houve preocupação com limites econômicos, a ponto de provocar uma crise posterior, com consequência para esses mesmos pobres, reitero o uso da palavra "esbanjar". O governo de então "esbanjou" dinheiro sim, pois não fez uma aplicação responsável, sem o que não estaríamos na crise atual.<br />
Se alguma parte dos "poderes" do eu, devido à rigidez deste, também fica longo tempo reprimida, acaba por manter-se subdesenvolvida e ingênua. Na medida em que são violentamente reprimidos, acabam conspirando para tornarem-se novamente visíveis e considerados parte do todo. À medida que o tempo passa, o tradicional governo se desgasta, pois não pode oferecer nada novo, já que realiza o que sabe, mas que é, ainda assim, insuficiente para abranger e praticar justiça ao todo. Produzir algo diferente é adotar a perspectiva oposta, que é considerada inimiga ou diabólica. Aliás, o novo sempre é diabólico, já que sua implantação requer um rebuliço no que é percebido como "normal": tudo vira um caos até que a ordem relativa ao novo se estruture e acomode a todos. Ao longo da história, isso ocorreu com várias inovações que quebraram antigos costumes: o <i>rock</i>, a ciência sobre a religião, seitas modernas, uma nova moda, um costume recente, etc.<br />
<br />
<b style="background-color: white;">III. O irromper da sombra e o desgaste do espírito conservador</b><br />
Ora, se a consciência mais tradicional se desgasta, os aspectos sombrios ganham energia para novos impulsos. Estes podem se manifestar de maneira cada vez mais ampla com o tempo, obtendo o apoio de todo o "inconsciente", já que o representa enquanto elemento sombrio. Se esse partido consegue assumir o eu consciente, conseguirá alguma inovação, na medida em que essa "assunção do eu" não for tão somente uma mera identificação. Quando me identifico com minha sombra, não penso no quanto estou diferente, mas excito-me com as novas atitudes que tomo, sem pensar nos valores tradicionais que me ocupavam outrora. É como se fosse tomado por uma paixão. Porém, infelizmente, esse fogo acaba um dia, e aí vou pensar no quanto fiz besteira em nome de uma chama provisória. Ao identificar-me com esses aspectos sombrios, não penso nas minhas outras partes que reprimi, tornei inconscientes. Estas já não me integram mais, só o novo. Porém, mal me dou conta de que nenhum elemento psíquico me pertence, mas sim à totalidade, que está muito além desse miserável e pequenino eu. Penso que foi mais ou menos isso que ocorreu com o PT.</div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-7GvbO4W_aTo/VyqEu_FmUPI/AAAAAAAAGsM/Y9yfu0T-6A8YNN7E4Vr1NMMM48zmtJrzQCLcB/s1600/carl%2Bgustave%2Bjung.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="147" src="https://1.bp.blogspot.com/-7GvbO4W_aTo/VyqEu_FmUPI/AAAAAAAAGsM/Y9yfu0T-6A8YNN7E4Vr1NMMM48zmtJrzQCLcB/s320/carl%2Bgustave%2Bjung.jpg" width="320" /></a></div>
Ao se identificar - "Eu sou o governo", "Eu sou o povo", "Eu sou as instituições" - tomou mais do que pertencia a si. Pensou-se maior do que sua verdadeira medida. Inflacionou-se. Outro sintoma dessa inflação é a pretensão de atuar como ditadura, uma espécie de grande rigidez da consciência, uma intensa cisão psíquica, o que configurou, por exemplo, na intenção de censurar ou limitar a imprensa. O louvor do poder pelo poder acabou por degenerar em corrupção, já que não ocorreu uma distribuição equilibrada de recursos à consciência, aos instintos e arquétipos, mas sua usurpação pelo complexo-PT com que o eu/Governo de então era identificado. Essa luta pelo poder parece ocultar uma espécie de medo de ser novamente relegado ao esquecimento, de ser desvalorizado e humilhado. Entretanto, o que ocorre com um balão inflado, com o tempo? Naturalmente, ele murcha até adotar a exata dimensão do seu ser real. Como partido que nunca teve o aval da psíquica nação, ao assumir, adotou posturas infantis e ações primitivas, inadequadas, ocorrência idêntica à inflação no contexto de um indivíduo. Alguns petistas, em um momento de lucidez, ousaram afirmar que, como nunca governou, "quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza". E este é o ponto exato: não saber como se comportar adequadamente na direção da nação. Outros, delirados com o partido, não levam em consideração os demais, adotando um procedimento unilateral, tomando a parte pelo todo.<br />
<span style="background-color: white;"> Outro ponto a ser levado em consideração está no modo como os partidos são conduzidos por suas lideranças. Em geral, tornaram-se um fim em si mesmos, ao invés de servirem às expectativas da população. O grupo que representa o povo passou a representar-se a si mesmo, para si mesmo. Na psique do indivíduo, a sombra - um lado da personalidade que engloba tudo o que o ego não quer ser e que rejeita, negando fazer parte de si - pode se manifestar como exprimindo a personalidade como um todo, já que, trazendo o que falta, a completa. Talvez este tenha sido um dos fatores propiciaram identificação do PT com os cargos públicos. Como sombra emergente, julgou-se como refletindo a totalidade, o todo, e não somente uma pequena parcela do conjunto. Os partidos afastados da liderança/consciência, como reação de resistência, para compensar, adotaram procedimento semelhante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, não penso que o PT ou qualquer outro partido deva ser banido ou destruído, pura e simplesmente. Fazer isso é tornar suas expressões mais sombrias, é mandá-las de novo ao "inconsciente", de onde um dia há de voltar, talvez mais rude do que antes, talvez até na forma de um novo partido ou quem sabe assumindo um já existente. Querendo ou não, ele representa parcela significativa do povo brasileiro, seus costumes, suas atitudes. Odiá-lo é, em uma perspectiva mais profunda, odiar a própria sombra que ora se projeta sobre o partido. Agora é momento de reflexão, de "baixar a bola" e se julgar com isenção, com mais maturidade, seja pelo PT, seja por cada cidadão brasileiro. O reconhecimento da culpa trará mais maturidade para que, mais adiante, quem sabe possa elevar-se novamente a uma posição dirigente, com menos presunção e mais equilíbrio. O maior mal da política é não saber administrar o poder, seu principal instrumento. Este deve servir ao povo, à nação, à totalidade, não a uma parte, a um partido.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-_eZhuW4HthM/XeMEZmxoyQI/AAAAAAAAQlk/8n0kSl8FmuAkeUs4cLS4lGjf7o9Ihq59gCLcBGAsYHQ/s1600/ZnHn4dgf_400x400.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="400" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-_eZhuW4HthM/XeMEZmxoyQI/AAAAAAAAQlk/8n0kSl8FmuAkeUs4cLS4lGjf7o9Ihq59gCLcBGAsYHQ/s200/ZnHn4dgf_400x400.jpg" width="200" /></a></div>
<b>IV. O governo e o perfil psicológico de Lula</b><br />
Por 16 anos o ego/Governo foi representado, principalmente na primeira metade, pelo seu líder máximo, Lula, que trouxe à tona os valores da função sentimento. Esta é uma função mais pessoal, que usa da misericórdia, do relacionamento e da liderança amigável, afetiva, que é parte constituinte da consciência do Si-mesmo brasileiro, característico desse povo. Se Lula conseguiu com que seu partido permanecesse no poder por vários anos, isso se deve à identidade entre sua função principal - sentimento - e à importância geral que o povo brasileiro dá ao sentimento. <span style="background-color: white;">Lula possui uma grande capacidade de inteligência emocional, e esta compensou e muito a deficiência intelectual que é alardeada por seus opositores. Zacharias (1995, p. 111s) diria que os tipos sentimentais c</span>ontribuem para a comunidade através do seu apoio leal às boas obras e aqueles movimentos considerados bons pela comunidade, a respeito dos quais sentem que sejam corretos e que podem servir efetivamente. Daí a atenção voltada às minorias. Os tipos sentimentais são mais fortes em contato social do que em habilidades de execução; por isso, se Lula ainda fez muito pelo povo, isso se deve muito à sua assessoria, que é essencial em qualquer governo e que não o desabona em nada seu desempenho.<br />
Porém, o funcionamento psicológico de Lula ao nível do sentimento, por mais que seja empático à população mais pobre, mais social, e preocupado com a imagem pública (que em psicologia chamamos de "persona"), o que colabora muito para seu carisma, <span style="background-color: white;">acaba pecando pelo caráter mais pessoal de sua abordagem. A função sentimento, ao contrário da função pensamento, tende a perceber as coisas de uma maneira mais pessoal, mais próxima das pessoas, das situações e das coisas. E talvez esse fato, aliado à carência de desenvolvimento de mais funções, que poderiam ajudá-lo a aguçar sua percepção consciente da realidade, possa ter levado o então presidente Lula a se identificar com o cargo, compreendê-lo como uma ocupação pessoal, e não um cargo público, pertencente ao Estado. Digno de nota, por demonstrar esse caso, é o fato de vinte e um objetos de posse de Lula, guardados em cofre no Branco do Brasil, terem sido apreendidos e reincorporados ao patrimônio da União: eram objetos recebidos pelo ex-presidente de chefes de estados e outras autoridades quando ocupava a Presidência - medalhas, canetas, insígnias e arte sacra (GIMENES e VIANNA, 2017). Como o ex-Presidente possui a função sentimento altamente desenvolvida, sua função inferior, menos </span><span style="background-color: white;">desenvolvida, é a intelectual, pensamento. Assim, Lula tenderia a se encontrar em desvantagem em tudo o que se relaciona a essa função, que permaneceu no inconsciente, subempregada na maioria das vezes, tornando-se primitiva. Somando-se isso ao fato de não ter sido favorecido com maior grau de instrução, aqueles que se opõem a ele e ao seu partido, o acabam criticando nesse fator. Talvez se tivesse avançado mais nos estudos escolares, sua função pensamento o tivesse ajudado a separar mais o que é pessoal da coisa pública.</span><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ywJRaaD3ZWc/Xdx-8t8NiQI/AAAAAAAAQkI/-Fhkz32BeBgIwDcLifXhmmNdOtFiMDGGwCLcBGAsYHQ/s1600/Captura%2Bde%2Btela%2Bde%2B2019-11-25%2B22-24-14.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="265" data-original-width="361" height="234" src="https://1.bp.blogspot.com/-ywJRaaD3ZWc/Xdx-8t8NiQI/AAAAAAAAQkI/-Fhkz32BeBgIwDcLifXhmmNdOtFiMDGGwCLcBGAsYHQ/s320/Captura%2Bde%2Btela%2Bde%2B2019-11-25%2B22-24-14.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fonte: adaptado de Zacharias (1995)</td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: white;"><br /></span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="background-color: white;"><b>V. O governo e o tipo psicológico de Bolsonaro</b></span><br />
<span style="background-color: white;"> Já Bolsonaro é um expoente da função pensamento, mais impessoal - daí não se voltar tanto para as minorias, mas se ater mais ao geral, usar da justiça da lógica, mais isenta às emoções. Os tipos pensamento, s</span>e forçados a escolher entre dizer a verdade nua e crua ou dizê-la de forma indireta, preferem a primeira alternativa. Têm a tendência de questionar as conclusões dos outros, com propensão a achar que os outros estão errados. Isso é muito explícito no presidente, pois ele não mede suas palavras, o que denota uma ingenuidade com relação ao seu sentimento que, se fosse levado em consideração, serviria de alerta da inadequação das sentenças empregadas, que ferem o afeto. A função sentimento no Presidente, assim, encontra-se no inconsciente, é psicologicamente considerada "inferior", uma vez que foi pouco empregada de forma consciente ao longo de sua vida, apresentando um subdesenvolvimento psíquico. Isso ocorre em geral com todos os que possuem a função pensamento mais avançada que as demais, e não é, de modo algum, exclusivo do Presidente. Os tipos pensamento são também mais fortes em habilidades de execução do que em contato social; se o Brasil necessita de ações efetivas no combate à corrupção e ao suporte em relação à disciplina e às regras, este momento é chegado. O tipo pensamento contribui para a comunidade pelo seu criticismo intelectual presente em seus hábitos, costumes e crenças, expondo os pontos errados, solucionando problemas e dando suporte à ciência e à pesquisa para o aumento do conhecimento da compreensão humana (ZACHARIAS, 1995, p. 111s). Acredito que o apoio à ciência e à pesquisa será aos poucos retomado no governo Bolsonaro, e que foi temporariamente suspenso para exame apurado.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-0gBZqXUXkoA/XeMEhOKCyoI/AAAAAAAAQlo/K-ufRQeGcnIAipML58HLGOtsaOfNnTMeQCEwYBhgL/s1600/foto-oficial-Bolsonaro-1-1-774x644.png" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="644" data-original-width="774" height="166" src="https://1.bp.blogspot.com/-0gBZqXUXkoA/XeMEhOKCyoI/AAAAAAAAQlo/K-ufRQeGcnIAipML58HLGOtsaOfNnTMeQCEwYBhgL/s200/foto-oficial-Bolsonaro-1-1-774x644.png" width="200" /></a></div>
<span style="background-color: white;"> Como Bolsonaro é um capitão do Exército, é propício levantar a pesquisa que Zacharias (1995) fez na PM de São Paulo. </span>O autor citado, em sua obra “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional – Uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, através da aplicação do M.B.T.I. (The Myers-Briggs Type Indicator – Indicador Tipológico Myers-Briggs), conseguiu realizar comparações da PM paulista com instituições de outros países, por meio dos tipos psicológicos junguianos. Por meio de uma pesquisa sobre a auto-imagem do policial, ele construiu um perfil geral dos seus principais valores e atitudes, que incluem: disciplina e cumprimento de regulamentos, leis e regras (função pensamento), além de submissão à hierarquia e à autoridade (função sensação). Os valores menos importantes estão relacionados com o relacionamento interpessoal (função sentimento) e a busca de novas idéias (função intuição).<br />
O autor concluiu que o tipo ISTJ (tipo sensação introvertido, função pensamento como auxiliar) era bastante adequado, e que a disciplina e a hierarquia - também pilares do Exército, era bem assimilado por ele. A atitude de introversão lhe confere a qualidade concentração, no sentido de não levar em conta o que lhe ocorre à sua volta. Assim, é mais garantido que a ordem seja cumprida, não importando as condições em torno do sujeito, como requerido. O perfil psicológico do policial resume-se a aceitar e cumprir ordens e regras, obedecer à hierarquia, viver em um ambiente organizado, ser conservador e defensor da ordem em vigor, com o prejuízo de mudanças percebidas como ameaçadoras, cumprir o dever sem dar atenção ao meio externo, perceber o mundo por meio da lógica (pensamento) e do realismo (sensação), desprezando os valores pessoais (sentimento) e idéias inovadoras (intuição).<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-xIedVxnvvaA/XeMKvZofDBI/AAAAAAAAQmI/vMETCd3K-DIA3g8pKp_XSYK8f7ddhZByACLcBGAsYHQ/s1600/TIPOLOGIA%2BLULA%2BBOLSONARO.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="402" data-original-width="816" height="196" src="https://1.bp.blogspot.com/-xIedVxnvvaA/XeMKvZofDBI/AAAAAAAAQmI/vMETCd3K-DIA3g8pKp_XSYK8f7ddhZByACLcBGAsYHQ/s400/TIPOLOGIA%2BLULA%2BBOLSONARO.png" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em;"><tbody>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 12.8px; text-align: center;">Esquema aproximado do estado psíquico coletivo segundo a tipologia junguiana </td></tr>
</tbody></table>
<div style="font-size: medium; text-align: left;">
</div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: left;">
</div>
Portanto, quando se fala em instituições, está-se falando da influência da coletividade sobre os indivíduos, assim como da exigência de determinadas funções em detrimento de outras. Valorizando o tipo sensação aliado ao pensamento, consegue-se um militar apegado às tradições e que dificilmente aceita mudanças na rotina, o que pode ocasionar uma falta de desenvolvimento ou progressões no âmbito geral, uma vez que estas advém com as transformações. Porém, o que o povo clamou nas últimas eleições é uma volta justamente de antigos costumes que denotam respeito e dignidade sociais, em oposição ao individual, além da observância de preceitos. Isso não quer dizer que esse tipo seja isento de corrupção; apenas que esta pode ocorrer de maneiras diferentes como, por exemplo, usando-se da racionalização, isto é, o uso fantasioso da função pensante, de forma a ceder a objetivos distorcidos sob a camuflagem aparente de uma racionalidade. Com Bolsonaro, espera-se de seu tipo psicológico, no mínimo, a não identificação com o cargo, o que ocorreu em geral com os membros do PT eleitos/nomeados para o governo. E isso é improvável, como exposto aqui.<br />
<br />
<b>VI. Existe a possibilidade de um governo ideal?</b><br />
É preciso deixar claro que não existe um perfil psicológico ideal para ocupar a presidência de um país. Talvez o ideal fosse que no mínimo quatro pessoas extrovertidas e quatro introvertidas, de funções diferentes, exercessem essa função conjuntamente, aplicando cada ponto de vista a cada matéria em questão. Mas temo que isso seja impossível ou inaplicável, do modo como a função do executivo se configura atualmente. Essa forma, porém, tende a respeitar muito mais a totalidade de pontos de vista do que o formato atual, concentrado apenas em um indivíduo.<br />
Dentro da comparação já proposta neste texto, outra forma de relação ego/Governo com os partidos seria a<b> percepção consciente</b> das representações ou expressões dos partidos inconscientes, que configuraria uma aceitação relativa da presença da imagem desses partidos na consciência coletiva do governo. Isto ajudaria a configurar uma atitude inclusiva e não polarizada do governo e da nação como um todo. Essa fase é o primeiro passo para uma maior integração psíquica nacional como um todo. Com certeza, se estabelecida pelo menos inicialmente, o país se encontraria num estágio mais adaptado econômica e socialmente.<br />
A Constituição Brasileira e as leis que derivam dela e a regulam representam a função pensamento como parte da totalidade do Si-mesmo nacional. Faz parte do sistema regulatório da nação psíquica. Assim, ela prevê ciclos temporários de assunção de complexos ao ego/Governo. Essa circulação é extremamente benéfica ao equilíbrio e adaptação da nação ao mundo e a si mesma, inerente ao seu povo. E esses ciclos, os maiores e os menores, ocorrem também no indivíduo, principalmente quando se pensa nas duas metades da vida: a primeira, voltada à adaptação mundana, mais extrovertida, e a segunda, direcionada à transformação espiritual, mais introvertida, que mira a morte. Se esse é um ciclo individual instintivo, que ocorre habitualmente, por que não deveriam ocorrer em uma nação, ou ao nível mundial, uma vez que aí se trata de uma coletividade de indivíduos? Portanto, por mais que se resista a um ponto de vista justamente por representar o oposto de um ideal, que seja de humanidade ou qualquer outro, se deveria antes questionar a própria postura rígida e obstinada ao novo estágio, que faz parte de um sistema de autorregulação orgânico e humano, que ultrapassa percepções particulares e estreitas. Isso apesar desse sistema de autorregulação localizar-se no mundo exterior, lá fora.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-841SSabLHdI/XeMLwcxwGoI/AAAAAAAAQmQ/st8jKIOykvUaktX3JhmbY-kBiqMD7wMRgCLcBGAsYHQ/s1600/TOCAR%2BCOM%2BO%2BCEREBRO%2BE%2BO%2BCORA%25C3%2587%25C3%2583O.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="535" data-original-width="482" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-841SSabLHdI/XeMLwcxwGoI/AAAAAAAAQmQ/st8jKIOykvUaktX3JhmbY-kBiqMD7wMRgCLcBGAsYHQ/s320/TOCAR%2BCOM%2BO%2BCEREBRO%2BE%2BO%2BCORA%25C3%2587%25C3%2583O.jpg" width="288" /></a></div>
Mas será que o que ocorre exteriormente está tão assim isolado da nossa psique? Será que os mecanismos que operam lá fora são muito diferentes daqueles que acontecem interiormente? Penso que não. E isso tem fortes implicações sobre o tipo de resistência que muitos psicólogos, políticos, militares, civis ou outros profissionais, aplicam sobre o governo ou sobre a oposição. A oposição política pode ser qualquer coisa, menos cega, no sentido de se opor só para contradizer, só para resistir, pois isso caracteriza uma postura totalmente inconsciente e não lúcida. A tendência é o Governo acirrar ainda mais o confronto, depreciando essa postura e obtendo o favor da massa. Nesse sentido, o ego/Governo seria fortalecido, a sombra (partidos de oposição) seria empurrada mais ainda para a obscuridade, e nenhum avanço maior no sentido do equilíbrio ocorreria por um tempo.<br />
Antes de tudo, a polarização política no Brasil é caracterizada primordialmente pelo embate da função sentimento com a função pensamento, pela postura de misericórdia versus justiça. Por um longo tempo, a primeira atitude predominou e estabeleceu um novo paradigma na forma de governar, que acabou se corrompendo. A corrupção é como uma neurose no âmbito político. Grande parcela da população escolheu separar, analisar e diferenciar esse modo corrupto de proceder por meio da "espada" do pensar. E isso fere, como já mencionado, o sentimento, na medida em que é uma prática fria e impessoal. No entanto, o pêndulo da compensação foi requisitado para contrabalançá-lo. Também é necessário, tem o seu papel e pode contribuir com o processo.<br />
<br />
<b>OBSERVAÇÕES</b><br />
<div>
A comparação que faço aqui é aproximativa e limitada. A análise dos grupos e instituições não se estende aos indivíduos que os compõem, pois a atitude destes é muito variável e pode até se opor inteiramente ao próprio grupo. A associação dos conceitos psicológicos com partidos não tem fim depreciativo, pois quaisquer dos primeiros representam sempre figuras essenciais e muito importantes à psique coletiva. Nesse sentido, agradeceria qualquer <b><u>contribuição</u></b> que eu pudesse acrescentar a este texto que o enriquecesse ou o ajudasse a compreender mais o contexto atual do nosso país, o que seria feito com a devida citação de autoria.<br />
A transposição que foi efetuada aqui entre os processos psíquicos e os políticos pode parecer mecânica e simplista, talvez porque pensemos que as pessoas, animais e coisas materiais "lá fora", vistas e apalpadas, sejam muito diferentes dos elementos psíquicos, estes sim, dinâmicos e de aparência muito mais "orgânica". Talvez tenhamos essa impressão por não percebermos a teia invisível que conecta a tudo e a todos externa e internamente. Não nos damos conta do "<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_borboleta" target="_blank">efeito borboleta</a>", de como a batida de asas de uma borboleta pode desencadear, em seus vínculos inicialmente sutis, estragos como a passagem de um tufão. Portanto, o que me acontece a partir de fora, neste momento, neste lugar, está profundamente conectado interiormente comigo, com a minha pessoa, minhas ações, meus pensamentos. O que faço reflete em meu país e vice-versa.</div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<b>REFERÊNCIAS CONSULTADAS</b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
GIMENES, Erick; VIANNA, José. <b>Moro determina que presentes recebidos por Lula enquanto presidente voltem ao patrimônio federal</b>. G1. Curitiba/PR. 28/04/2017. Paraná - RPC. Disponível em: <https: g1.globo.com="" moro-determina-que-presentes-recebidos-por-lula-enquanto-presidente-voltem-ao-patrimonio-federal.ghtml="" noticia="" parana="" pr="">. Acesso em 25 nov. 2019.</https:><br />
<br />
JUNG, Carl G. <b>Tipos psicológicos</b>. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1991e. v. VI.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
ZACHARIAS, José Jorge de Morais.<b> Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional</b>: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo. São Paulo: Vetor, 1995.</div>
<br />
<div style="text-align: center;">
(Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2020/12/as-raizes-psicologicas-da-homofobia.html" target="_blank">As raízes psicológicas da homofobia</a>", "<a href="http://xn--extino%20ou%20renovao%20de%20valores-28cp3lqa/?" target="_blank">Extinção ou renovação de valores?</a>",</div>
<div style="text-align: center;">
"<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2015/08/a-previsao-de-fatos-com-base-em.html" target="_blank">A previsão de fatos, contextos e ideias irracionais</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/05/a-crise-e-o-espirito-do-tempo-no-brasil.html" target="_blank">A crise e o espírito do tempo no Brasil de hoje</a>")</div>
</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-65070861711681841692019-07-26T22:50:00.002-03:002019-10-28T10:50:43.032-03:00Análise psicológica de Viva La Vida, de ColdPlay<style type="text/css">
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td p { margin-bottom: 0cm }
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</style> <br />
<div style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<b>I. INTRODUÇÃO</b><br />
<br />
Esta canção de Coldplay foi lançada em 2008 como o segundo single do álbum, tornando-se um sucesso para a crítica e também comercial. "'Viva la Vida' atingiu o topo da UK Singles Chart e da Billboard Hot 100, tornando-se o primeiro single da banda a atingir o primeiro lugar no Reino Unido e nos Estados Unidos. <b>A canção venceu o prêmio de Canção do Ano no 51º Grammy Awards em 2009. Se tornou a sexta canção com mais downloads digitais pagos, atingindo a marca de 4 milhões"</b> (WIKIPEDIA, 2018).<br />
<div style="font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal;">
<br /></div>
</div>
</div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div class="separator" style="clear: both; letter-spacing: normal; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/27xybIXe0Fk/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/27xybIXe0Fk?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
<div class="separator" style="clear: both; letter-spacing: normal; text-align: center;">
<br /></div>
Esta apreciação da música do grupo Coldplay não visa informar os motivos pessoais dos compositores ao criá-la, nem acrescentar dados já conhecidos e divulgados pela mídia, exceto o suficiente para oferecer uma introdução à análise psicológica da canção. E o desafio foi grande.<br />
A música complexa, mas inspiradora, arrebatadora, e por isso fascinante. Que sentido há por trás dessa letra que nos seduz dessa forma? É claro que não se trata somente da letra, pois a melodia não é menos deslumbrante. Que o digam as pessoas que não conhecem sua tradução. Mas é isso que procuro responder aqui: o significado psicológico dos versos. Procuro, assim, extrair os elementos do inconsciente da coletividade humana que se portam de modo a produzir esse deslumbramento.<br />
O encantamento e o fascínio por músicas ou por outras produções culturais de sucesso público (filmes, pinturas, peças dramáticas, etc.), são estados de espírito que tem origem no inconsciente, e por isso possuem efeito fascinador. Este é um fenômeno compulsivo, sem motivação consciente. Logo, não se relaciona à vontade, mas é um fenômeno que manifesta-se a partir do inconsciente, e se impõe quase obsessivamente à consciência (JUNG, 1987, p. 136).<br />
Existem muitas interpretações da música indicando que ela se refere a Cristo. No entanto, a estrofe que cita São Pedro a faz cair por terra. Porém, existem partes que podem fazer referência à vida de Jesus em certos momentos, como veremos. Várias estrofes parecem remeter a eventos históricos, como a Revolução Francesa. O quadro "A Liberdade Guiando o Povo", de Eugène Delacroix, que aparece nos clipes da música, aponta para isso. A ótima postagem de Willwalt (2017), no site Reddit (www.reddit.com), é uma das muitas que encontrei esclarecendo que o rei cuja tragédia o abate, narrada na música, é Luís XVI, marido da famosa Maria Antonieta, depostos na Revolução Francesa.<br />
Porém, Coldplay - até onde sei - não citou o nome do monarca e apenas deduções baseadas na história, conhecimentos de época, podem conseguir relacionar a letra da canção à sua vida. É como se o grupo estivesse falando não de uma vida em particular, mas de um tema que é geral, coletivo, vivido por todos. E é essa noção que a música passa quando a recitamos com noção do seu sentido. A perspectiva psicológica contempla esse ponto de vista.<br />
A apreciação psicológica tem a vantagem de servir de paradigma para todos nós, pois pode remeter a fatos gerais, coletivos, que dizem respeito ao ser humano total, às experiências comuns a todos. A partir dessa base, podemos compreender individualmente a partir desse ponto de vista mais geral. Nada faz mais justiça a uma música que também alcançou sucesso mundial de público.<br />
Os mitos são uma espécie de projeção do inconsciente coletivo. É por meio das variadas imagens fornecidas por eles que é possível compreender as diversas vivências pessoais como contextos particulares de uma narrativa impessoal e coletiva. E vice-versa: estudando a produção de fantasias e sonhos da psique individual, pode-se observar a movimentação de aspectos mitológicos.<br />
O desenvolvimento dramático da energia psíquica é típico da atividade vital (WHITMONT e PERERA, 1995, p. 79). Não surpreende que os sonhos, as fantasias e muitas outras produções imaginativas e/ou artísticas, como filmes e canções, na maior parte das vezes sejam expressões dramáticas. Os filmes e as músicas de grande sucesso mundial apontam para o que está fortemente ativado no inconsciente humano geral. O interesse que se sente por uma música, por exemplo, mesmo que não se preste atenção à sua letra, e ainda que sua língua seja desconhecida, denuncia aspectos mais ou menos desconhecidos do indivíduo. A disposição em se fazer ou dar atenção a algo é a exteriorização da energia psíquica. Se o indivíduo sonha com uma música que admira e nunca atentou para sua tradução, é bom que o faça, pois ela pode revelar sentidos até então desconhecidos, aos quais não se tem dado importância adequada. O inconsciente pode perceber subliminarmente muito mais aspectos do que nossa consciência limitada, e pode bem perceber significados que são ocultos para nosso ego por meio da captação subliminar de traduções esporádicas de palavras de outra língua. Assim, conscientemente podemos não saber inglês, mas nosso inconsciente pode sabê-lo em grande extensão e ainda elaborar muitos significados fundamentado nessa ou outras línguas.</div>
<div align="justify" style="letter-spacing: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: right;">
</div>
</div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-s86hekhf9m8/XSaV5K0eNnI/AAAAAAAAQA4/ZO4WKYTzgBcOqleGGieMlAg507OlOLihACPcBGAYYCw/s1600/coroacao.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="299" data-original-width="400" height="298" src="https://1.bp.blogspot.com/-s86hekhf9m8/XSaV5K0eNnI/AAAAAAAAQA4/ZO4WKYTzgBcOqleGGieMlAg507OlOLihACPcBGAYYCw/s400/coroacao.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Detalhe do quadro do pintor francês Jacques-Louis David, retratando a Coroação de Napoleão Bonaparte, <br />
no momento em que retira a coroa das mãos do papa, dá as costas a ele e se autocoroa “imperador dos franceses”. <br />
A seguir ele próprio coroa Josefina, sua esposa.<br />
(Fonte: https://historiaporimagem. blogspot.com/2011/01/as-bencaos-do-proprio-napoleao.html)</td></tr>
</tbody></table>
"Viva la vida" é composta, ao que parece, de diversos flashes de lembranças não ordenadas no tempo. Por isso, neste texto as estrofes são apresentadas em uma ordem que julguei mais pertinente a um entendimento mais claro da narrativa musical. Não achei possível fazer um paralelo da narrativa como um todo, enquanto conto coletivo, a alguma outra estória, mito, lenda ou conto de fadas. Mas consegui fazer vários recortes destes para correlações. Também decidi numerar as estrofes de acordo com a ordem em que aparecem na música, pois isso pode ser útil para outras associações.<br />
<br />
<b>II. NASCE UM REI</b><br />
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="321"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>6 - It was the wicked and wild wind</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Blew down the doors to let me in</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Shattered windows and the sound of drums</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> People couldn't believe what I'd become</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Foi o terrível e selvagem vento</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Que derrubou as portas para que eu entrasse</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Janelas destruídas e o som de tambores</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>O povo não poderia acreditar no que me tornei</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
O terrível vento derrubou as portas para que o rei entrasse e ocupasse o trono. Janelas destruídas. O som de tambores seria parte da cerimônia de coroação. O povo não poderia acreditar que ele ocupasse agora o trono.<br />
Percebe-se aqui o nascimento de um rei. Antes da coroação é um homem comum, mas depois ele toma posse do poder sobre todos. É assim que se nasce. Toda criança é uma autoridade, como dizia um amigo meu. Todos ao redor se dispõem a servi-la: seja na alimentação, na segurança, na admiração, nos carinhos... Toda a rotina dos pais é alterada em função daquela autoridade que acabou de nascer. E toda criança ganha vida independente da mãe, isto é, torna-se um ser vivente por si mesmo, com o primeiro hálito.<br />
É o vento que derruba as portas. Não são abertas a chave, são tombadas pela força do vento, um elemento natural, ao contrário da chave, fabricada pelo homem. Esse detalhe reforça mais ainda a tese do destino que deve ser seguido, e o vento é o seu proclamador, seu arauto. Assim, o herói é praticamente conduzido inconscientemente, ingenuamente, àquilo a que é destinado.<br />
O vento, a brisa e até o hálito têm sido associados histórica e simbolicamente a uma ação divina. "Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas" (BÍBLIA, 1985, Gênesis: 1, 2). O Gênesis conta também que Deus após modelar o homem da argila do solo, insuflou em suas narinas o hálito da vida (Idem: 2, 7). Foi um forte vento oriental que soprou toda uma noite para abrir o mar para que o povo de Israel passasse e escapasse do Faraó (BÍBLIA, 1985, Êxodo: 14, 21). No Bhagavad Gita, Arjuna confirma que Krishna, além de vários outros elementos, também é o vento. Na Grécia, os ventos eram personificados por vários deuses: "Bóreas ou Aquilão, o vento norte; Zéfiro ou Favônio, o vento oeste; Nótus ou Áuster, o vento sul, e Euro, o vento leste" (BULFINCH, 2002, p. 215).<br />
Assim, entende-se, portanto, que o vento que derrubou as portas para que o herói fosse coroado representa uma entidade divina, ou, no mínimo, encarna o destino do coroado, destruindo tudo o que está no caminho para que seja cumprido. Não há mais portas e nem janelas. Não existem fronteiras para a assunção do nosso herói no cargo que irá ocupar. Sem limites, sem demarcações, sem margens... É assim que a criança nasce e permanece por vários anos, até conseguir delinear a diferença entre ela e os outros, entre seu "eu" e o outro. Não tem responsabilidades, não possui nem um eu a quem possa culpar ou assumir algum juízo. Por isso é inocente. Não diferencia o bem do mal. Os pais são como deuses - sabem tudo. Naturalmente os admira, e só mais tarde irá poder perceber que todo o poder que eles têm é bem limitado, como será o seu. Mas por enquanto, vive na eternidade do paraíso. Ainda não comeu do fruto do pecado, de querer ser mais do que é, de conhecer tanto quanto os pais, de saber distinguir as qualidades opostas das coisas. </div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-grt1rauXnHk/W3oGStLqBEI/AAAAAAAANig/vkoEC2F_7yMCulJjhDIAU2ie7mCtcVSgwCLcBGAs/s1600/EGO%2B-%2Binfla%25C3%25A7%25C3%25A3o%2B%252B%2Be%2B-%2B.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="330" data-original-width="346" height="305" src="https://4.bp.blogspot.com/-grt1rauXnHk/W3oGStLqBEI/AAAAAAAANig/vkoEC2F_7yMCulJjhDIAU2ie7mCtcVSgwCLcBGAs/s320/EGO%2B-%2Binfla%25C3%25A7%25C3%25A3o%2B%252B%2Be%2B-%2B.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Demonstração gráfica da dimensão correta do valor do ego,</span><br />
<span style="font-size: x-small;">atribuída por ele mesmo.</span></td></tr>
</tbody></table>
Porém, ser adulto e achar que não possui limites para querer ou fazer o que quer que seja é sintoma de <b>inflação</b>, de estar inchado, de incorporar em si o que não é seu. Um estado "no qual algo pequeno (o ego) atribui a si qualidades de algo mais amplo (o Si-mesmo) e, portanto, está além das próprias medidas". Explosões de ira, quando se tenta forçar e coagir o ambiente, a ânsia de vingança, a motivação para o poder de qualquer tipo, a rigidez intelectual que tenta fazer das próprias ideias verdades universais, a luxúria e tudo o que mira tão somente o prazer, todos são exemplos de estados inflados. Inflação é toda satisfação de desejo que se torna central na nossa vida, transcende os limites da realidade do ego e assume traços divinos, de poderes transcendentes (EDINGER, 1992, p. 27, 36-37).<br />
E existe também a <b>inflação negativa</b>, oposta à <b>positiva</b>, já apresentada. Nesta o indivíduo se identifica com a vítima - um sentimento excessivo de culpa e sofrimento, como quando se diz: "ninguém no mundo é tão culpado quanto eu". Portanto, qualquer excesso atribuído ao ego, seja para menos ou para mais, é indício de inflação. A pessoa que não possui inflação é aquela que não se atribui nada mais, nada menos, do que a dimensão correta de seu valor (Idem). </div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
Parte dessa inflação do ego se deve à ilusão psicológica imposta pelo próprio nome: somos apenas Fulano, que mora em tal localidade, que possui tais pais, amigos, parentes, gostos, etc. Porém, subjetiva e inconscientemente somos muito mais que "Fulano", somos uma multidão, como dizia Walt Whitman. Temos pensamentos, sentimentos, emoções, imagens e lembranças contraditórias, que opõem entre si e/ou com o próprio ego. Internamente, porém, possuímos uma base psíquica inconsciente que organiza e unifica nossos vários conteúdos íntimos. Este princípio é o <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/p/vocabulario-arquetipo.html" target="_blank">arquétipo</a> central, chamado "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/p/vocabulario-si-mesmo.html" target="_blank">Si-mesmo</a>", o núcleo da identidade objetiva, da qual deriva nossa identidade subjetiva, nosso ego (EDINGER, 1992, p. 21-22). (Esclareço mais sobre o Si-mesmo nos textos "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>" e "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do Eu Sou</a>".)<br />
Pode-se dizer, figuradamente, que o Si-mesmo equivale à <b>imagem de Deus</b> em nós. Quando Deus disse a Moisés o modo pelo qual o povo de Israel devia chamá-lo, respondeu que "Eu Sou o que Sou", e disse para Moisés dizer que "Eu sou" o enviou até eles (BÍBLIA, 1985, Êxodo 3, 14). Quando Deus diz que seu nome é "Eu Sou", essa é uma identidade objetiva, concreta, que sempre existiu - conforme as narrativas bíblicas - e que é base das diversas identidades subjetivas, nossos egos. Aliás, nosso ego parece ser a imagem (conteúdo subjetivo) do Si-mesmo (fôrma objetiva). O Si-mesmo é uma identidade totalmente autônoma, pré-existente ao ego, e por isso é objetiva, universal; o ego já é dependente do Si-mesmo para existir, daí sua subjetividade, sua individualidade.<br />
Logo, segundo as escrituras, há uma correspondência entre essa imagem interna e o Deus objetivo, sempre existente independente da vivência do ego: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança [...]" (BÍBLIA, 1985, Gênesis 1, 26). De modo que não se pode dizer, em certo momento, se algo se refere inteiramente ao mundo exterior ou ao interior. Em psicologia costuma-se dizer mesmo que o indivíduo projeta, para fora, conteúdos inconscientes que ele vivencia internamente. Mas também pode-se afirmar que os objetos e pessoas exteriores são símbolos para o que ocorre internamente, e esse princípio é a base dos antigos rituais, muitos dos quais vigoram ainda hoje. Logo, ao longo desta apreciação da música do grupo Coldplay poderei usar de ambos recursos e me referir aos níveis internos e externos da realidade.<br />
Esta estrofe, portanto, narra a assunção pelo ego de uma posição de extrema autoridade, que equivale também à da criança recém-nascida que é servida por todos. Na palavra de um amigo, meu filho, à época recém-nascido, era uma "autoridade". Não existem mais fronteiras ou limites (portas ou janelas) para o poder que pode exercer, pois o próprio vento divino o introduziu na sala do trono. Existe como uma perplexidade ou assombro geral, tanto externa - o povo - quanto internamente, representados pelos conteúdos psíquicos. Afinal, espera-se que esse centro de poder consciente, o ego, dirija os diversos recursos do reino e saiba fazê-lo de modo eficaz.</div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
<b>III. A PESSOA X O CARGO DO REI</b><br />
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="322"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>2 - I used to roll the dice</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Feel the fear in my enemy's eyes</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Listen as the crowd would sing:</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> "Now the old king is dead! Long live the king!"</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="322"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Eu costumava jogar os dados</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Sentia o medo nos olhos dos meus inimigos</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Ouça como o povo cantava:</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>"Agora o velho rei está morto! Vida longa ao rei!"</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
Quando crianças vivemos num tempo eterno, que não corre como o tempo do adulto, corrido, cheio de rotinas. O mundo da criança é um mundo de descobertas e, por isso, parece não passar, pois cada aspecto novo requer atenção total. Além disso, a criança tende a estar em contato direto com o mundo divino, o Paraíso, e até com a imagem do próprio Deus. Quando adultos, a grande maioria dos indivíduos se depara com a rotina, que é constituída de elementos padronizados, repetidos, que já se julga conhecer antecipadamente. Com isso, podemos agir sem prestar atenção ao momento, que então passa a impressão de passar muito rápido.<br />
No processo de nos tornar indivíduos psicologicamente saudáveis, integrados internamente, passamos por <b>fases de identificação e fusão com o Si-mesmo</b>, assim como de separação deste. Quando nos fundimos, nos sentimos plenos, abastados, autossuficientes. Estas impressões são fundamentos de sentimentos como o orgulho, o amor próprio e a prepotência. Um ego identificado com o núcleo da psique pode se sentir como uma divindade. Já adulto, resíduos dessa identificação com o Si-mesmo podem produzir muitas dificuldades psicológicas. O maior desafio para o indivíduo é balancear esse processo, continuar a sentir-se unido ao Si-mesmo, sem, no entanto, deixar-se levar pela inflação, a qual leva a consequências como: irresponsabilidade, luxúria irrefreável, arrogância e desejo rude. Por isso a inflação, ao longo da vida, é alternada em diferentes períodos, com o afastamento do arquétipo central, quando o ego pode se sentir desprezado, isolado, como se não devesse ter nascido (EDINGER, 1992).<br />
A estrofe acima fala da identificação do indivíduo com o poder central. Inflado, ele "joga os dados", isto é, "dá as cartas", manipula as pessoas, e pode usar até de chantagens e violência para intimidar a todos os que ameaçam essa posição. Seus inimigos externos o temem. Mas os internos também: todos aqueles aspectos da psique que contradizem a atitude autoritária do ego, que gostariam de se expressar, de ter a vez no palco da atenção consciente, mas que não conseguem. Resta a esses elementos se manifestarem na única ocasião em que a consciência do ego está diminuída: durante o sono, nos sonhos, ou quando o ego fica cansado e estressado. Nessas ocasiões podemos até não reconhecer a pessoa de cuja personalidade julgávamos estar muito bem informados. </div>
<style type="text/css">td p { margin-bottom: 0cm; }p { margin-bottom: 0.25cm; line-height: 115%; }a:link { }</style><br />
<div style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-rztsHrxMu_8/W1-s6C9IxpI/AAAAAAAANQE/aYPvicgcBAkTScYpFpJdC3T_-Us1VFwygCEwYBhgL/s1600/SOMBRA%2B-%2BO%2Bmendigo%2Binterior.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="960" height="300" src="https://4.bp.blogspot.com/-rztsHrxMu_8/W1-s6C9IxpI/AAAAAAAANQE/aYPvicgcBAkTScYpFpJdC3T_-Us1VFwygCEwYBhgL/s400/SOMBRA%2B-%2BO%2Bmendigo%2Binterior.png" width="400" /></a></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
"<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Rei_est%C3%A1_morto._Longa_vida_ao_Rei!" target="_blank">O Rei está morto. Longa vida ao Rei!</a>" ou "O Rei está morto. Viva ao Rei!" eram saudações tradicionais efetuadas durante a subida ao trono de um novo soberano, em diversos países. Na França, essa saudação também era entoada quando os restos do monarca antigo eram depositados em local apropriado. Mais tarde instaurou-se uma lei em que a transferência de soberania ocorria instantaneamente, logo após a morte do antigo rei. Daí a frase possuir declarações totalmente opostas, referindo-se ao cargo ocupado, mas torna-se compreensível quando se sabe que também está aludindo às pessoas que estão se revezando no cargo.<br />
É interessante notar como a proclamação contém uma constatação de óbito ("o rei está morto"), mas ao mesmo tempo anseia longa vida, ambos dirigidos ao monarca. São quatro elementos <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/p/vocabulario-opostos.html" target="_blank">opostos</a> na mesma aclamação, isto é, formam <b>um paradoxo: morte/vida, passado/futuro</b>. O paradoxo refere-se ao bem espiritual mais elevado. Possuir apenas um sentido é sinal de fraqueza. Quando a religião reduz seus paradoxos ela fica pobre em termos de significado interior. Porém, se são acrescentados e criados mais paradoxos, ela se torna rica, já que apenas eles podem abarcar mais sensivelmente a plenitude da vida. A unidade simples e a não-contradição são parciais, remetem a apenas um lado, e, por isso, não exprimem o inconcebível, o impenetrável (JUNG, 1990c, §18).<br />
Ora, a monarquia era uma posição extremamente sedutora em termos de poder. Certos povos, como os egípcios, chegavam mesmo a considerar o faraó um Deus. Percebe-se nitidamente como a aclamação "Agora o velho rei está morto! Vida longa ao rei!" aponta para características divinas. Pode-se, inclusive, aplicá-la à condição de Cristo, uma vez que ele foi morto e ressuscitou para não mais morrer. O povo cantar essa saudação confirma ainda mais a posição do novo rei, e reforça suas ações de "jogar os dados" e inspirar medo aos inimigos. É muito difícil ao indivíduo nessa condição deixar de se identificar com o cargo coletivo que assumiu. É possível que a pessoa nem se veja mais como o "João" ou "Pedro". Ele se tornou O REI, o cargo, não mais a pessoa, e todos devem obediência a ele.<br />
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="321"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="background-color: white; font-family: "liberation" serif , serif;"><i>4 - I hear Jerusalem bells are ringing</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Roman Cavalry choirs are singing</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Be my mirror my sword and shield</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> My missionaries in a foreign field</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Os corais da cavalaria romana cantando</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Seja meu espelho, minha espada e escudo</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Meus missionários em uma terra estrangeira</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
Esta estrofe, a 5 e a 8 formam o refrão. Com a 8 forma o refrão final, cantado duas vezes. Com o 5 é cantado apenas uma vez. Deixei tanto as estrofes 5 e 8 para apreciação final, pois parecem findar a aventura do herói.<br />
Neste ponto Coldplay parece fazer referência ao Cristianismo, ao Papa ou até ao próprio Cristo, como se fossem o rei, devido à menção a Jerusalém, aos romanos que a conquistaram, aos missionários. É claro que a alusão não seria ao Cristo histórico, descrito na Bíblia, mas à sua imagem tradicional, que o Cristianismo, ao longo do tempo, adotou. Jung afirma que essa imagem tradicional possui as características usualmente oriundas do <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/p/vocabulario-arquetipo.html" target="_blank">arquétipo</a> do <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/p/vocabulario-si-mesmo.html" target="_blank">Si-mesmo</a>. Assim, espontaneamente, temos a tendência de atribuir importância maior à imagem gerada pelo arquétipo, do que ao Cristo bíblico (JUNG, 1990b, §123).<br />
Tudo indica que <b>o monarca se identifica com o Cristo</b> tradicional (inflação do ego) quando recomenda que seu emissário em terra estrangeira, isto é, os cruzados, seja seu reflexo (espelho), sua ofensiva (espada) e sua defesa (escudo). Como não bastasse, os sinos de Jerusalém tocam e os corais do exército romano cantam. É a aprovação geral. E é a partir dessa aprovação em massa (estes versos ocorrem primeiro) que ele envia seus missionários. No entanto, ele é seduzido por essa aprovação geral, que dá poder, induzindo-o à inflação psíquica. </div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
<b>IV. A VIRADA</b><br />
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="321"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>7 - Revolutionaries wait</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> For my head on a silver plate</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Just a puppet on a lonely string</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Oh who would ever want to be king?</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Revolucionários esperam</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Pela minha cabeça em um prato de prata</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Apenas uma marionete em uma solitária corda</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Oh, quem realmente ia querer ser rei?</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
"Viva la vida" se divide em <b>dois momentos</b> de estado de espírito: o primeiro onde predomina a inflação, o acolhimento pelo ego de qualidades não pertencentes a si, adotando um tamanho maior que o adequado para si, porque se identifica com o Si-mesmo, o arquétipo que dá origem à imagem que o homem tem de Deus. Essa situação pode produzir inclusive delírios onde a pessoa pode se supor o centro do universo, atribuindo um sentido pessoal a eventos externos indiferentes à existência do indivíduo (EDINGER, 1992, p. 35).<br />
No segundo, a identificação do ego com algo maior que ele se desfaz. O ego perde essa ligação. Neste momento a balança pende para o outro lado, e o rei se sente acuado, ameaçado e tirado do seu poder. É o momento da alienação do ego em relação ao Si-mesmo. Assim é a vida. Só perde o poder, quem já foi empoderado.<br />
<blockquote class="tr_bq">
Aquele que se sente alfinetado deve ter sido algum dia uma bolha; aquele que se sente desarmado deve ter portado armas; aquele que se sente desdenhado deve ter tido importância; aquele que se sente privado deve ter tido privilégios (LAO TSÉ apud EDINGER, 1992, p. 64) </blockquote>
Dessa maneira, a vida possui um movimento pendular: ora se está acima, ora embaixo. Para começar a descer, é preciso estar em posição elevada, ou para subir, estar embaixo. Esse é o mesmo simbolismo do Tai Chi: os extremos Yin e Yang carregam o germe do seu oposto em si mesmos. </div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-usKE2ryLlSs/XNDLFdXtlyI/AAAAAAAAPos/5vLNzLIhwAkeiUVitJXM65FiMpCW940KQCLcBGAs/s1600/ESQUEMA%2B-%2Baltern%25C3%25A2ncia%2Baliena%25C3%25A7%25C3%25A3o-infla%25C3%25A7%25C3%25A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="407" data-original-width="918" height="175" src="https://1.bp.blogspot.com/-usKE2ryLlSs/XNDLFdXtlyI/AAAAAAAAPos/5vLNzLIhwAkeiUVitJXM65FiMpCW940KQCLcBGAs/s400/ESQUEMA%2B-%2Baltern%25C3%25A2ncia%2Baliena%25C3%25A7%25C3%25A3o-infla%25C3%25A7%25C3%25A3o.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Quando o ego se identifica com o Si-mesmo (inflação), ele, com toda sua pretensão, <br />
reivindica encontrar-se no centro da psique, ser o "rei". Esse estado, porém, é pendular </span><br />
<span style="font-size: x-small;">em relação ao outro, a alienação, quando então o ego sofre com a perda do Si-mesmo.</span></td></tr>
</tbody></table>
<b>O simbolismo de "perder a cabeça"</b> está muito associado à redução da racionalidade. Uma jovem casada, sem filhos, ainda pretendia gerar um ou dois. Porém, sua conduta sexual era insatisfatória, sem que ela mesma e o marido soubessem o motivo. Distinguiu-se na faculdade no aspecto intelectual e o compartilhava com o marido e amigos. Entretanto, por vezes ela tinha acessos de mau humor, discutia agressivamente e afastava os homens de suas relações, dos quais acabava se arrependendo. Então sonhou que estava numa fila de mulheres jovens, como ela, onde, ao alcançar o primeiro lugar, cada uma era decapitada numa guilhotina. Manteve-se na fila pronta a sofrer o mesmo procedimento. O sentido era que a jovem estava pronta a renunciar à uma vida ditada pela cabeça. Uma vez que seu corpo se livrasse do obstáculo racional, exerceria plenamente seu papel sexual e a maternidade. Assim, sua vida amorosa consumou-se e conseguiu gerar dois filhos (JUNG, 1991, p. 137).<br />
Então o rei se considera uma marionete. Ora, uma marionete não exerce qualquer função conscientemente. Sua cabeça não funciona. É um joguete nas mãos daquele que a controla. Mas a marionete apontada possui apenas uma corda. Deste modo, ela só pode exercer o movimento de levantar, sentar e deitar. Em relação ao trono, apenas poderia sentar-se ou levantar-se. Virou, assim, um joguete nas mãos dos revolucionários. Ninguém quer ser rei assim.<br />
Até um rei deve saber o momento e o lugar certo para tomar certas atitudes. <b>Seu poder não é ilimitado</b>. Se consegue se submeter ao lado irracional da vida, abrindo mão da cabeça, acabará deixando as mudanças fluírem e se materializarem. Suas diretrizes poderão coincidir até com as dos revolucionários. Sabendo que é momento de recuar ou de se imobilizar, o governante assim o fará, exercendo sua autoridade para estabelecer essas ações. Caso contrário, elas poderão acabar sendo impostas de fora. A rigidez de uma atitude tende a ativar também atitudes rígidas opostas. Assim, aquele que faz dos outros fantoches, pode acabar ele próprio uma marionete e sentir-se muito mais limitado que outros em situação equivalente, uma vez que se considerava com poderes ilimitados. Deste modo, ninguém gostaria de ser rei, alguém tão poderoso, já que as consequências tenderão a ser poderosas. Isso é ainda mais patente no aspecto psicológico. Todo aquele que exerce um controle rígido demais sobre os conteúdos internos por muito tempo, acaba perdendo energia, e sendo controlado pelo inconsciente, que volta esses mesmos conteúdos contra a pessoa. Até dentro de nós devemos exercer a democracia para com nossos conteúdos, principalmente os mais desagradáveis, os "indigentes" e "criminosos" da nossa alma. Pois se não a exercemos internamente, quanto mais não a exerceremos externamente. Aquele que faz alguém sofrer é o primeiro a padecer do método torturante que impõe ao outro.</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="322"></col> <col width="321"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="322"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>3 - One minute I held the key</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Next the walls were closed on me</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> And I discovered that my castles stand</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Upon pillars of salt and pillars of sand</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Um minuto eu detinha a chave</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Depois as paredes estavam fechadas em mim</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>E percebi que meu castelo estava erguido</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Sobre pilares de sal e pilares de areia</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div>
Num momento ele está com a chave, mas no outro as paredes se fecham nele. Primeiro ele tem como sair e entrar; depois não, ele fica preso entre quatro paredes (vide a situação da marionete na estrofe anterior). Na verdade, ele diz que as paredes estão fechadas sobre ele, como se chegassem se escorar em seu corpo. É como se, numa tentativa de equilibrar a inflação anterior, de expansão além dos próprios limites, sua psique agora tentasse atestar sua verdadeira dimensão, como que limitada pelo próprio corpo.<br />
O herói perdeu aquele "terrível e selvagem vento" que derrubou as portas e destruiu as janelas (estrofe 6 acima). O grande espírito divino parece tê-lo abandonado.<br />
<blockquote class="tr_bq">
24 Assim, todo <b>aquele que ouve essas minhas palavras e as por em prática</b> será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa sobre a rocha. 25 Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha. 26 Por outro lado, todo aquele que ouve essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado a um homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. 27 Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande sua ruína!" (BÍBLIA, 1985, Mateus 7, 24).</blockquote>
Aquele que se identifica com o Si-mesmo é apenas inundado pelo sentimento de plenitude, de felicidade e de poder. Porém, se não desenvolveu as habilidades individuais para se diferenciar como pessoa do arquétipo impessoal, se deixará levar por esses sentimentos sem que haja uma base sólida para isso. O individuo inflado se considera o mais promissor, pleno de talentos e potencialidades, por demais amplos. Sua maldição e queixa é justamente essa superabundância de dons. O problema é que tudo o que pode fazer são promessas, pois, para realizar algo, deveria sacrificar variadas potencialidades. Teria que renunciar à sua identidade com o Si-mesmo e aceitar ser apenas um fragmento real, ao invés de um todo irreal. Para ser algo na realidade, deveria desistir de tudo o que seja potencial (EDINGER, 1992, p. 36).<br />
Uma das recomendações dos anjos de Javé enviados para destruir Sodoma e Gomorra, em Gênesis 19, 17-26, foi que a família de Ló não olhasse para trás, durante a partida. <b>A mulher de Ló</b>, porém, olhou para trás, por seu apego às cidades, "voltou ao passado" e se transformou em uma estátua de sal. O sal é símbolo de purificação, esterilidade e contrato social. [Esses três significados se aplicavam em relação a Ló, sua família e a destruição das duas cidades, pois o fogo as purificaria deixando o sal como produto; este acabaria por deixar o lugar estéril (o Mar Morto, localizado no lugar onde essas cidades existiram, não possui vida); e o sal também era usado como moeda de troca no comércio.] Por seu apego às cidades condenadas por seus pecados, a esposa de Ló olhou para trás e "voltou ao passado" (BRANDÃO, 1989, p. 145-146). A associação do sal com o passado provém da capacidade de preservar os alimentos e mantê-los em condições de serem ingeridos e utilizados (ZWEIG e ABRAMS, 1994, p. 154).<br />
Na mitologia grega, também <b>Orfeu</b> ao tentar resgatar Eurídice do Hades, consegue do deus dos mortos que ela o siga, contanto que não olhasse para trás. Porém, Orfeu o faz e perde a amada para sempre (BRANDÃO, 1989, p. 143-144).<br />
Portanto, o castelo do rei havia sido erigido sobre pilares de sal e de areia. Ambos os pilares constituídos de materiais que representam a esterilidade, o resultado do passado (a areia que corre na ampulheta), a falta de firmeza e de dureza, ligados à desintegração, à fragmentação. </div>
<div>
<div style="font-style: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal;">
<span style="background-color: white;"><span style="font-size: small;"></span></span></div>
<div style="color: black; font-family: "times new roman"; font-style: normal; font-weight: 400; letter-spacing: normal; line-height: 18.4px; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; word-spacing: 0px;">
</div>
<br />
<b>V. A OSCILAÇÃO DA VIDA E DA PSIQUE</b><br />
<br /></div>
</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="322"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>1 - I used to rule the world</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Seas would rise when I gave the word</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i><span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span></span>Now in the morning I sleep alone</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Sweep the streets I used to own</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="322"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Eu costumava dominar o mundo</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Mares se agitavam ao meu comando</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Agora, pela manhã, durmo sozinho</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Varro as ruas que costumava possuir</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-O9NW7vl-uQw/XMR_rR9OD2I/AAAAAAAAPlY/-OpcahzsMRw-uqjx6iKZYzs6QNRqJiSTgCLcBGAs/s1600/ESQUEMA%2B-%2BCRIA%25C3%2587%25C3%2583O%2BDO%2BEIXO%2BEGO-SI-MESMO.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="665" data-original-width="687" height="309" src="https://2.bp.blogspot.com/-O9NW7vl-uQw/XMR_rR9OD2I/AAAAAAAAPlY/-OpcahzsMRw-uqjx6iKZYzs6QNRqJiSTgCLcBGAs/s320/ESQUEMA%2B-%2BCRIA%25C3%2587%25C3%2583O%2BDO%2BEIXO%2BEGO-SI-MESMO.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">O movimento pendular entre inflação e alienação do ego</span><br />
<span style="font-size: x-small;">em relação ao Si-mesmo produz e/ou sustenta um eixo de</span><br />
<span style="font-size: x-small;">ligação entre os dois, possibilitando a vivência de uma </span><br />
<span style="font-size: x-small;">relação do indivíduo com Deus.</span></td></tr>
</tbody></table>
Percebe-se como Chris Martin, o cantor da música, imprime um tom de saudade "daquele tempo em que as coisas ocorriam assim...". Esse enfoque parece permear toda a canção, como se dissesse respeito a uma pessoa específica, do presente ou do passado. Entendendo-se o sentido da letra e a cantando, somos levados pelo mesmo embalo, como se dissesse respeito a nós mesmos. A todo momento encontram-se versos repletos de lamentos, fazendo referência ao passado, a como o rei governava o mundo. Isso denota a inflação negativa: o ego do rei se identificando com o lado oposto ao que se encontrava antes, quando costumava "jogar os dados". Percebe-se a oscilação, <b>a ação pendular</b>, já apontada atrás - inflação (identificação com o Si-mesmo) x alienação (separação do Si-mesmo). Ela acaba gerando um eixo, uma ponte, que não é produto da inflação ou da alienação isoladamente, mas desses dois atos psíquicos. É como se essa conexão fosse o produto da percepção de que se está unido - sem que seja o mesmo - mas ao mesmo tempo separado - e não excluído - dessa base psíquica. É uma "linha que serve à conexão entre o centro do ego e o centro do Si-mesmo" e que "representa o eixo ego–Si-mesmo - o vínculo vital que faz a ligação entre o ego e o Si-mesmo e que assegura a integridade do ego.". À medida que esse processo se repete, dá origem a uma progressiva distinção entre o ego e o Si-mesmo. Assim que o eixo citado alcança a consciência, estabelece-se um diálogo entre as duas esferas. O maior problema é manter a integridade desse eixo vital ao se dissolver a identificação original ego–Si-mesmo. O fino equilíbrio exigido entre esses dois movimentos gera as frequentes disputas entre a flexibilidade indulgente e a disciplina rigorosa na educação infantil (EDINGER, 1992, p. 25-33).<br />
A primeira se pauta na aceitação e no incentivo à espontaneidade da criança, reforçando seu contato com a fonte de energia vital com que nasce. Isso, no entanto, também encoraja a inflação, a atitude irrealista para com as exigências do mundo. Já a disciplina rígida se fundamenta na restrição ao comportamento, encorajando a dissolução da inflação; porém, tende a danificar a conexão vital com as raízes no inconsciente. Essas duas atitudes devem operar em conjunto (Ibid., p. 33).<br />
No <b>Jardim do Éden</b> o homem dominava a natureza e atribuía até nomes aos animais. Comer o fruto proibido sinaliza a transição da unicidade com o Si-mesmo (estado sem mente, animal) para a vida real, consciente, no espaço-tempo. Essa história simboliza o nascimento do ego e sua alienação das suas origens. Ele passa do mundo paradisíaco, em que dominava o mundo e os mares e possuía as ruas, para um mundo de sofrimento, onde tem que se esforçar para suprir suas necessidades. Quando Adão e Eva se tornam conscientes da sua nudez, ficam envergonhados, reflexo do conflito entre a consciência, um princípio espiritual, e a contraparte instintiva, animal. "A dualidade, a dissociação e a repressão nasceram na psique humana simultaneamente ao nascimento da consciência. Isso significa simplesmente que a consciência, para existir de direito, deve, pelo menos no início, ser antagônica com relação ao inconsciente." Os estágios de desenvolvimento psíquico exigem a polarização em opostos - consciente versus inconsciente, espírito versus natureza. Por isso o tema do encontro com e/ou ser picado por uma cobra em sonhos geralmente significa ceder à tentação da serpente do Paraíso, a perda da condição paradisíaca anterior, e o surgimento de uma nova percepção consciente (Ibid., p. 42s).<br />
<div style="font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal;">
<span style="background-color: white; font-family: "times new roman";"><br />
</span> <style type="text/css">
@page { margin: 2cm }
p { margin-bottom: 0.25cm; line-height: 115% }
</style> </div>
<div style="font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal;">
<span style="font-family: "times new roman";"><span style="background-color: white;"><b>VI. A ESPIRITUALIDADE SE OPÕE A ARROGÂNCIA</b></span></span></div>
<div style="font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal;">
<span style="background-color: white; font-family: "times new roman";"><br /></span></div>
<div style="font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; letter-spacing: normal;">
<span style="background-color: white; font-family: "times new roman";"></span></div>
</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="322"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>5 - For some reason I can't explain</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Once you go there was never</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Never an honest word</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> That was when I ruled the world</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="322"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Por um motivo que eu não sei explicar</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Quando você se foi não havia</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Não havia uma palavra honesta</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Era assim, quando eu dominava o mundo</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div>
Quando alguém se acha maior que tudo e todos, fica cego e não ouve a ninguém a não ser o próprio umbigo. Com tanto poder, as pessoas ao redor não podem ser elas mesmas e só conseguem ser falsas, desonestas, hipócritas em relação a quem está no trono. O rei deixou de dominar o mundo quando alguém partiu. Será Deus quem partiu da sua vida? Alienou-se do Si-mesmo? Perdeu a identificação com Deus? Essa situação é frequente na literatura religiosa e mitológica.<br />
<blockquote class="tr_bq">
"12 <b>O princípio do orgulho é o afastar-se do Senhor e ter o coração longe do Criador.</b> 13 Porque o princípio do orgulho é o pecado e o que o possui difunde abominação. Por isso, o Senhor lhe inflige tremendos golpes e o destrói completamente. [...] 18 <b>O orgulho não foi feito para o homem</b>, nem o furor para os nascidos de mulher." (BÍBLIA, 1985, Eclesiástico 10).</blockquote>
</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZsHFKxXYbfw/XRjQcYykF8I/AAAAAAAAP_s/8Jk1p86sM9s5w58DGlSQfu3dAnC1ZRLFACLcBGAs/s1600/quero-evoluir-orgulho-rei-na-barriga.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="460" data-original-width="690" height="213" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZsHFKxXYbfw/XRjQcYykF8I/AAAAAAAAP_s/8Jk1p86sM9s5w58DGlSQfu3dAnC1ZRLFACLcBGAs/s320/quero-evoluir-orgulho-rei-na-barriga.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: xx-small;">Fonte: https://www.queroevoluir.com.br/wp-content/uploads/<br />
2016/09/quero-evoluir-orgulho-rei-na-barriga.jpg</span></td></tr>
</tbody></table>
O orgulho desconecta a pessoa de tudo, de todos. O indivíduo inflado, presunçoso, só faz o que quer e isso é lei e justo para ele. Como se lê no versículo 18, o orgulho e o furor, não são emoções que o homem pode concordar em seguir, em permitir dirigir suas ações. As grandes emoções como a ira, o ciúme, e todos aqueles que podem levar o homem a agir impulsivamente em sua ruína sempre foram representadas por deuses e gigantes nos contos e mitos. Von Franz (1985, p. 266s) apresenta os gigantes, assim como os titãs da mitologia grega, como símbolos de estados emocionais e paixões, nas quais o indivíduo começa a exagerar, agigantar, como quando se faz uma tempestade em um copo d'água. Uma pequena fala de alguma pessoa ou outro detalhe torna-se uma imensa tragédia para aquele que é levado pelo estado emocional. A emoção é poderosa quando exagera o que está à volta.<br />
Na Grécia antiga, esperava-se que o homem justo <b>não atuasse como os deuses</b>. Tornar-se excelente na expressão de qualquer qualidade era considerado um ato de arrogância e indignação. Arrogância deriva do grego <i>ad-rogare</i> - perguntar, exigir ou apropriar-se da virtude pertencente ao deus que o representa para si mesmo. Aquele que assim fazia era acometido de acontecimentos funestos que o levavam a colocar-se no seu próprio lugar, tomar uma atitude mais humilde (ZOJA, 1995, p. 38)<span style="color: red;">*</span>.<br />
É interessante como na Bíblia (1985) Deus de modo algum favorecia os primogênitos, os mais fortes, os primeiros. Geralmente o eram os mais novos ou caçulas, os mais fracos, os últimos, os filhos do pecado ou mais humildes de nascimento, todos que não possuem expectativa de valor aos olhos do homem. Exemplo de irmãos mais novos: Jacó (mais novo que Esaú), José (filho de Jacó e mais novo quando foi vendido como escravo pelos irmãos), Davi (mais novo de sete irmãos); outros: Moisés (encontrado em um cesto no rio), Salomão (filho do pecado de Davi com Bate-Seba), Jesus (nascido em condições das mais humildes). Com relação a Jacó, Iahweh disse a Isaac: "Há duas nações em teu seio, dois povos saídos de ti, se separarão, um povo dominará um povo, <b>o mais velho servirá ao mais novo</b>." (BÍBLIA, 1985, Gênesis 25, 23). Do mesmo modo, geralmente nascia um varão muito promissor de onde o homem não podia esperar fruto - as esposas estéreis: Sara (de Abraão), Rebeca (de Isaac), Raquel (de Jacó), a mãe de Sansão, Ana (mãe de Samuel) e Isabel (de Zacarias).<br />
Von Franz (1985, p. 18) diz que na psique o que não se sabe fazer, os talentos ou capacidades mais desprezados são as partes inferiores, fracas e insignificantes, as quais fazem conexão com o inconsciente, contendo a chave secreta para a totalidade da personalidade. O comportamento dessas funções inferiores, por exemplo, possuem a seguinte estrutura nos contos de fada:<br />
<blockquote class="tr_bq">
Um rei tem três filhos. Ele gosta dos dois filhos mais velhos, e considera o mais novo um tolo. Então o rei estipula uma tarefa pela qual os filhos têm de achar a água da vida, ou a noiva mais bonita, ou afugentar um inimigo secreto que todas as noites rouba os cavalos ou as maçãs de ouro do jardim real. Geralmente, os dois filhos mais velhos partem, não conseguem nada ou não voltam; então o terceiro sela o seu cavalo enquanto todas as pessoas caçoam dele e lhe dizem que seria preferível que ficasse em casa, perto do fogão, lugar ao qual pertence. Mas é ele que costuma desincumbir-se da grande tarefa. (VON FRANZ, 1985, p. 18)</blockquote>
</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 643px;"><colgroup><col width="321"></col> <col width="322"></col> </colgroup><tbody>
<tr valign="top"> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="321"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>8 - For some reason I can't explain</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> I know Saint Peter won't call my name</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> Never an honest word</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i> But that was when I ruled the world</i></span></span></div>
</td> <td style="border: none; padding: 0cm;" width="322"><div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Por um motivo que eu não sei explicar</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Eu sei que São Pedro não chamará meu nome</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Nunca uma palavra honesta</i></span></span></div>
<div align="left">
<span style="border: none; display: inline-block; padding: 0cm;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><i>Mas, isso foi quando eu dominava o mundo</i></span></span></div>
</td> </tr>
</tbody></table>
<div style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;"> </span></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div align="justify" style="line-height: 18.4px; margin-bottom: 0cm;">
Esta estrofe repete duas vezes na canção, logo após a estrofe 4. Isso é sinal de que o motivo porque ocorre todo esse infortúnio preocupa o rei. Ele quer encontrar um motivo, mas não sabe explicar. Mas o erro começa aí: o sentido da vida não pode ser explicado e não é um motivo. O sentido aponta para a finalidade da vida, o "para que" viver. Não se pode compreender a vida explicando o "por que" ocorreu isso e aquilo. A vida ocorre, escolhendo ou não, conscientes ou não.<br />
O rei afirma que nunca entrará no Paraíso - o domínio de São Pedro, o qual detém as chaves do reino do céu. Ele afirma que um minuto antes detinha a chave: sim, porque considerava seu estado de deleite temporário, baseado em pilares de sal e de areia, era o verdadeiro céu. Mas não era. A chave que abre portas, assim como o vento que o colocou no trono, no início, acabam retornando ao divino, lugar e fonte do poder. Atribuir-se poderes divinos, querer controlar o direito à vida das outras pessoas é muita presunção. Talvez por esse motivo a maior parte dos países do mundo separou a religião do estado. Isso pode simbolizar e refletir como o homem coletivo, a "massa humana" começou a diferenciar os negócios do estado, do governo, do âmbito interno, inconsciente, religioso. Cristo disse a Pedro: "19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus" (BÍBLIA, 1985, Mateus 16). Se São Pedro, que detém a chave dos céus, não o chamará, nosso personagem estará no inferno. Isso ele não sabe explicar, está inconsciente dos próprios motivos, dos fatores que levaram a esse estado de coisas. E ele lamenta nunca ter obtido uma palavra honesta, alguém que tivesse sido sincero com ele quando dominava o mundo. Mas Viva la Vida!<br />
<span style="font-size: small;"> <table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-c8hz7JvBJS0/XRLHPUCVWGI/AAAAAAAAP-0/j3LFCmMzjaAi0CAma0tKLgqxfDgCj2uMwCLcBGAs/s1600/Frida-Kahlo-Viva-la-Vida.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1156" data-original-width="1600" height="288" src="https://1.bp.blogspot.com/-c8hz7JvBJS0/XRLHPUCVWGI/AAAAAAAAP-0/j3LFCmMzjaAi0CAma0tKLgqxfDgCj2uMwCLcBGAs/s400/Frida-Kahlo-Viva-la-Vida.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Viva la vida, 1954, por Frida Kahlo (1907-1954, Mexico).<br />
Fonte: https://wahooart.com/Art.nsf/O/8CEFJJ/$File/Frida-Kahlo-Viva-la-Vida.jpg</td></tr>
</tbody></table>
</span></div>
</div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<b>Por que Viva La Vida</b>, o nome de uma pintura de Frida Kahlo, é o nome dessa canção? Frida suportou doenças, acidentes, lesões e operações cirúrgicas. Aos 6 anos adquiriu uma lesão no pé direito, devido a uma poliomielite. Aos 18 anos, num acidente em que se encontrava num ônibus, suas costas foram perfuradas, ficou entre a vida e a morte, e foi obrigada a passar um longo período no hospital para se recuperar, além de usar coletes ortopédicos. Ela encontrou inspiração para suas pinturas na vida sofrida que viveu. Chevalier e Gheerbrant (1990) afirmam ser a melancia um símbolo de fecundidade, devido às numerosas sementes, assim como a laranja e a romã, esta na Grécia antiga. Frida foi uma pintora fecunda, mas sofrida. E se vê no quadro "Viva La Vida" que há melancias inteiras e "amputadas", "decepadas", cortadas para enfeite. Parecem refletir pedaços perdidos e lutos da autora. O suposto sofrimento das melancias serve à sede e à fome dos que apreciam a fruta, o que também ocorreu em relação à pintora e às suas produções, que foram reconhecidas após sua morte. O mesmo tema pode ser encontrado na letra da canção apreciada aqui. De uma vida de sucessos e realizações, além de muito autoritarismo e prepotência, o rei passa ao luto pela perda do seu reino e da sua saúde psicológica e espiritual. <b>Nabucodonosor</b> passou por algo semelhante, conforme pode-se acompanhar no libro de Daniel na Bíblia (1985, Daniel 5).<br />
O profeta Daniel já havia alertado ao rei para que ele não se vangloriasse e se assoberbasse diante de suas realizações e grandiosidade de seu reino, mas glorificasse a Deus por todas suas conquistas. Caso contrário, conforme interpretação que fez de seu sonho, ele seria expulso de entre os homens,<br />
<blockquote class="tr_bq">
e com os animais dos campos será a tua morada. Alimentar-te-ás de erva como os bois e serás banhado pelo orvalho do céu. Passarão, enfim, sete tempos sobre ti, até que tenhas aprendido que o Altíssimo domina sobre o reino dos homens e ele o dá a quem lhe apraz. (BÍBLIA, Daniel 5, 22)</blockquote>
Foi o que ocorreu realmente. Psicologicamente, pode-se compreender que Nabucodonosor teve um surto psicótico, passando a comer capim e a viver nos campos, a ter cabelos e unhas grandes, comportando-se como animal. Àquele que deseja ser como um deus, o Eu Sou (Si-mesmo) compensa a atitude arrogante levando o indivíduo a comportar-se como animal, o extremo oposto à espiritualidade. O ser humano é um ser intermediário entre Deus e o animal, dois extremos que ele não pode dar o luxo de se identificar. Se cai num desses pratos, sua psique compensa colocando o peso oposto no outro prato para equilibrar a postura exagerada. A alma não faz concessões por muito tempo. É por isso que atualmente multiplicam-se as doenças mentais. O ser humano precisa se dar conta de que precisa administrar democraticamente as várias faces do seu ser, precisa fazer justiça às suas várias partes contraditórias e dar ouvidos a elas. Não necessariamente tem que concordar com toda a multidão de elementos que o perturbam, mas precisa aceitá-las e amá-las na diferença que representam diante do seu ego orgulhoso. Isso evitaria muitos dissabores na sua dimensão interna, assim como a lida preconceituosa e tirânica para com as pessoas que o rodeiam no mundo exterior.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-mykfXZH7OBk/XRjN74PRJ9I/AAAAAAAAP_c/2k3mSRMSRcYFNdfK9I0vQKNg0GF6n_jigCLcBGAs/s1600/Nietzsche.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="320" data-original-width="640" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-mykfXZH7OBk/XRjN74PRJ9I/AAAAAAAAP_c/2k3mSRMSRcYFNdfK9I0vQKNg0GF6n_jigCLcBGAs/s640/Nietzsche.png" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="font-size: small;"><br />
</span></div>
<div align="justify" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-size: medium;">NOTAS</span></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<span style="color: #cc0000;"><b>*</b></span> The just man was expected not to reproduce the qualities of the gods. The very gravest of sins was hýbris, and one made oneself guilty of hýbris by transgressing the limits imposed by one’s personal and individual condition. To excel in the possession of any particular quality was an act of arrogance and an outrage—the “out” of outrage relates to the possibility that hýbris derives from hyper, which is the corresponding word in Greek, and arrogance derives from ad-rogare, which is to ask, demand or appropriate something for oneself. To do so meant to subtract it from the god who represented it, and thus to whom it belonged.</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br />
<br /></div>
<div align="center" style="font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: black;"><span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><span style="font-size: medium;"><b>REFERÊNCIAS</b></span></span></span></div>
<div align="center" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">BÍBLIA. Português. <b>A Bíblia de Jerusalém</b>. Tradução de Domingos Zamagna. São Paulo: Paulinas, 1985.</span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
BRANDÃO, Junito de Souza. <b>Mitologia grega</b>. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1989. v. 2.</div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">BULFINCH, Thomas. <b>O livro de ouro da mitologia</b>: a idade da fábula. 26. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.</span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. <b>Dicionário de símbolos</b>. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.</span></div>
<br />
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">EDINGER, Edward F. <b>Ego e arquétipo</b>. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1992.</span></div>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">JUNG, Carl Gustav. <b>A dinâmica do inconsciente</b>. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991a, v. VIII.</span></div>
<br />
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">______. <b>Aion</b> – Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990b. vol. IX/2.</span></div>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">______. <b>O homem e seus símbolos</b>. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.</span></div>
<br />
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">______. <b>Psicologia e alquimia</b>. Petrópolis: Vozes, 1990c. v. XII.</span></div>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">PORTO, Vitor. Viva Coldplay. <b>Há nove anos, o clipe de “Viva La Vida” estreava na internet</b>. 1 ago. 2017. Disponível em: <http: ha-nove-anos-o-clipe-de-viva-la-vida-estreava-na-internet="" vivacoldplay.com="">. Acesso em: 26 jun. 2019.</http:></span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">ROHDEN, Huberto. <b>Bhagavad Gita</b>. São Paulo: Alvorada, 1984.</span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="background-color: white; font-family: "liberation" serif , serif;"><b>VIVA LA VIDA is about french king Louis XVI and the french revolution</b>. Disponível em: <https: comments="" oldplay="" r="" viva_la_vida_is_about_french_king_louis_xvi_and="" www.reddit.com="" yfn=""><https: comments="" oldplay="" r="" viva_la_vida_is_about_french_king_louis_xvi_and="" www.reddit.com="" yfn="">. Acesso em: 30 jun. 2019.</https:></https:></span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">VON FRANZ, Marie-Louise. <b>A sombra e o mal nos contos de fada</b>. São Paulo: Paulinas, 1985.</span></div>
<br />
<div style="text-align: left;">
______. HILLMAN, James. <b>A tipologia de Jung</b>. São Paulo: Cultrix, 1990.</div>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span> <br />
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">WHITMONT, Edward C.; PERERA, Sylvia B. <b>Sonhos: um portal para a fonte</b>. São Paulo: Summus, 1995.</span></div>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"> </span></div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">WIKIPEDIA. <b>O Rei está morto. Longa vida ao Rei!</b> 10 jan. 2016. Disponível em: <https: ei_est="" morto._longa_vida_ao_rei="" pt.wikipedia.org="" wiki="">. Acesso em 30 jun. 2019.</https:></span></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="line-height: 115%; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: left;">
<span style="background-color: white; font-family: "liberation" serif , serif;">WIKIPEDIA. <b>Viva la vida</b>. Disponível em: <https: iva_la_vida="" pt.wikipedia.org="" wiki=""><https: pt.wikipedia.org="" viva_la_vida="" wiki="">. Acesso em 30 jun. 2019.</https:></https:></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><br />
</span> </div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">ZOJA, Luigi. <b>Growth and guilt</b>: </span>Psychology and the limits of development. London: Routledge, 1995.</div>
<br />
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">ZWEIG, Connie. ABRAMS, Jeremiah (Org.). <b>Ao encontro da sombra</b>. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.</span><br />
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;"><br /></span>
<span style="font-family: "liberation" serif , serif;">Leia mais a respeito: </span><span style="text-align: center;">"</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" style="text-align: center;" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a><span style="text-align: center;">" - "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-do-eu.html" style="text-align: center;" target="_blank">A origem do Eu</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/a-solidao-e-o-trabalho-com-o.html" style="text-align: center;" target="_blank">A solidão e o trabalho com o inconsciente</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/01/o-pensamento-positivo-e-autoajuda.html" rel="nofollow" style="text-align: center;" target="_blank">O pensamento positivo e a auto-ajuda</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" style="text-align: center;" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" style="text-align: center;" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou</a><span style="text-align: center;">'", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" style="text-align: center;" target="_blank">Alice no inconsciente coletivo</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" style="text-align: center;" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" style="text-align: center;" target="_blank">Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/03/o-genesis-e-o-desenvolvimento.html" style="text-align: center;" target="_blank">O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem (Parte 2)</a><span style="text-align: center;">, </span><span style="text-align: center; text-indent: 37.7953px;">"<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/04/os-tres-niveis-de-consciencia.html" target="_blank">Os três níveis de consciência</a>"</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px; text-align: center;">,</span><span style="font-size: small; line-height: normal; text-align: center;"> "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/08/o-belo-o-feio-deus-e-o-preconceito.html" style="line-height: normal; text-align: center;" target="_blank">O belo, o feio, Deus e o preconceito</a><span style="font-size: small; line-height: normal; text-align: center;">", "<a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do Eu Sou</a>"</span><span style="text-align: center;">)</span></div>
</div>
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Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-35658727938685422042018-08-15T10:33:00.001-03:002018-08-15T10:33:43.427-03:00Por que não consigo mudar? (Vídeo)<div style="text-align: justify;">
A presente palestra é uma explanação em vídeo do texto "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2016/11/por-que-nao-consigo-mudar.html" target="_blank">Por que não consigo mudar?</a>", já publicado neste <i>blog</i>. Fique atento: outros vídeos sobre o assunto serão publicados. <b>Envie perguntas nos comentários. Poderei respondê-las em vídeos futuramente.</b></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/7wt0C5RNi24/0.jpg" src="https://www.youtube.com/embed/7wt0C5RNi24?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
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<br /></div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-26312905782576643792018-03-03T18:36:00.000-03:002018-07-06T16:17:23.409-03:00Anne Frank: a dinâmica psíquica de uma adolescente<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-kRdv-mNQHik/WkjGZ3L9zQI/AAAAAAAAI8o/zgDE5EPbD54PVGTV6vrEN0A67pIZ_V3vQCLcBGAs/s1600/O%2BDI%25C3%2581RIO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="694" data-original-width="1240" height="223" src="https://4.bp.blogspot.com/-kRdv-mNQHik/WkjGZ3L9zQI/AAAAAAAAI8o/zgDE5EPbD54PVGTV6vrEN0A67pIZ_V3vQCLcBGAs/s400/O%2BDI%25C3%2581RIO.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Amostra de uma das passagens do Diário.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
A autora do Diário em análise, uma menina de seus 14 anos, denota ser, em geral, e de início, intolerante, sem autocrítica, dedicada a discussões acaloradas com membros de sua própria família e outros, todos refugiados dos nazistas, na Holanda, durante a II Guerra Mundial. O Diário foi escrito no período de 1942 a 1944, e descreve toda a tensão que a família Frank sofreu durante a guerra. Ao fim de dois anos de silêncio e medo aterrorizante, eles foram descobertos e deportados para campos de concentração. Anne morre em um destes.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
"O Diário de Anne Frank" (ODAF), além de ser precioso documento histórico, é também uma ótima expressão do desenvolvimento psicológico de uma adolescente, de sua fase infantil para uma vida bem mais madura. A autora exprime sua evolução em suas confissões escritas, nos parcos relatos de sonhos e visões, e nas suas fantasias. É preciso atentar ao fato de que essa dinâmica psicológica progressiva até a Anne adulta ocorre sob fortes pressões emocionais, que inclui até o risco de morte, o que abrevia muito a extensão dessa transformação. A intenção aqui é fornecer uma ideia psicológica geral e sintética do contexto psíquico apresentado por Anne.</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
Em seu primeiro relato, a autora dirige-se ao próprio Diário: "Espero poder contar tudo a você, como nunca pude contar a ninguém, e espero que você seja uma grande fonte de conforto e ajuda." (p. 18). Esse é o tom que percorre toda a obra do início ao fim. O Diário é personificado na forma de uma amiga imaginária, nomeada "Kitty", com a qual Anne se defronta continuamente. Ela é um esforço de imaginação no sentido de personificar a imagem ideal de amiga há muito esperada. Kitty serve de espelho a Anne, em uma atitude totalmente receptiva, de registro do que quer que se encontre passando em sua alma. A ansiedade é intensa: "Tenho vontade de escrever e uma necessidade ainda maior de desabafar tudo o que está preso em meu peito. [...] O papel tem mais paciência do que as pessoas." (p. 18-19). A principal motivação em ter um diário é a liberdade de expressão, o que não ocorreria com um amigo físico. Não é que ela seja solitária, pelo contrário... Mas ela não considera a multidão de admiradores, parentes e outros relacionamentos como "verdadeiros amigos". A estes não consegue se obrigar a "falar nada que não sejam bobagens do cotidiano" (p. 19), uma vez que não confia neles. No Diário não quer escrever "fatos banais do jeito que a maioria faz", pois quer que ele seja sua amiga.</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
De certo modo, é como se Anne escrevesse cartas ao seu inconsciente, personificado por Kitty. Pode-se considerar essa maneira de interação fantasiosa como uma forma de <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">imaginação ativa</a>, ainda que não de todo completa. A imaginação ativa é uma técnica utilizada por Jung para se relacionar com o inconsciente. Ele mesmo relata em suas memórias que escrevia cartas a sua alma (sua <i>anima</i>). Porém, nem toda prática de registro em diário pode ser considerada imaginação ativa. O principal ponto a considerar nesse sentido em ODAF é que a autora usava de sentimento para lidar com sua figura imaginativa, de modo a considerá-la uma <i>pessoa real</i>, apesar de pertencer ao mundo da fantasia. Ter a convicção de que o conteúdo da fantasia é uma realidade, a despeito de não existir fisicamente, é um dos mais importantes critérios a serem atendidos para se executar uma verdadeira imaginação ativa. E a amiga imaginária de Anne é tão real que esta interage e relata intimidades que não ousaria confessar a mais ninguém. Desse modo, a autora se divide em Anne e Kitty.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-swh3Nq8-80U/WkjGxcpSucI/AAAAAAAAI8s/4CeOuQ1oJmECuWEl8PrFuSSoIdCoNnTzgCLcBGAs/s1600/O%2BDI%25C3%2581RIO3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: justify;"><img border="0" data-original-height="787" data-original-width="1400" height="179" src="https://4.bp.blogspot.com/-swh3Nq8-80U/WkjGxcpSucI/AAAAAAAAI8s/4CeOuQ1oJmECuWEl8PrFuSSoIdCoNnTzgCLcBGAs/s320/O%2BDI%25C3%2581RIO3.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Criativa, Anne incluía suas correspondências no Diário.</td></tr>
</tbody></table>
Como a simbologia dos sonhos e das fantasias possui o mesmo efeito e sentido, independente de como ocorre, esse início do Diário possui um potencial mais positivo do que uma ocorrência equivalente em sonho, como descrito na citação. Anne se divide em duas de maneira consciente e tranquila, sem base em qualquer patologia mental, até onde se sabe. Portanto, essa fantasia com o Diário aponta para uma consciência maior, como se verá.</div>
<div style="line-height: 16px; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Esta dicotomia entre a realidade interna e externa, entre o eu e o eu duplo expressa, no entanto, simultaneamente, a possibilidade de o sonhador alcançar, apesar de todo perigo, uma consciência mais elevada. Novalis diz: "Ninguém conhece a si próprio enquanto for apenas ele mesmo sem ser ao mesmo tempo um outro". (ANIELA JAFFÉ, em JUNG, 2011, p. 293)</div>
</blockquote>
</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
Isto é, precisamos de um outro para nos conhecer, para nos refletir, nos espelhar. Esse outro pode ser nosso próprio inconsciente, como explicado no texto "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>". Isso ocorre porque, para observar o nosso próprio comportamento interno ou externo, precisamos nos dividir entre observador e observado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois que Anne e sua família foram para o esconderijo passaram por muito sofrimento: ficaram fechados por mais de dois anos em um anexo de escritório; dividiram alimento, na maior parte do tempo precário, com mais quatro pessoas; não podiam ao menos abrir as janelas e contemplar livremente a natureza; ouviam e contemplavam evidências de bombardeios e tiroteios próximos; tendo seu alojamento arrombado por ladrões ou visitado por pessoas estranhas, achando que eram policiais da SS; obrigaram-se a suportar o mau cheiro dos próprios dejetos, a sujeira e o silêncio autoimposto para não chamar a atenção; etc.</div>
</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
O <b>sofrimento</b> é o caminho inevitável que deve ser trilhado para se chegar à consciência, o preço inevitável da transformação que buscamos. Não há como escapar-lhe; nós que tentamos fugir dele, jamais conseguiremos, e nossa infelicidade é dupla, pois além de pagar o preço, não alcançamos a transformação. Há uma lei terrível e imutável em ação: só há transformação quando aceitamos nosso sofrimento de maneira consciente e voluntária [...]. (JOHNSON, 1997, p. 209-210)</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
Ora, o sofrimento de todos os refugiados no anexo é intenso e terrível. Anne não tinha como escapar da aceitação do seu sofrimento psíquico, ainda mais com o uso constante do Diário. Aceitação no sentido do diálogo, de estar consciente dele, de fazer algo de concreto com ele. Aceitação não é resignação ou passividade frente ao inevitável. É acolhimento, respeito e consideração atenciosa para com o sentimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
O fator sofrimento deve ser muito considerado no caso de Anne Frank e seu desenvolvimento. Psicologicamente, sofrer é imprescindível, pois toda solução real de conflito só é encontrada por meio do sofrimento intenso. Ele indica até que ponto somos insuportáveis a nós mesmos. Devemos nos entender com nossos inimigos interiores e exteriores. Fazer isso é sintetizar a nossa própria totalidade, que é o objetivo da vida. Mas para isso precisamos suportar o sofrimento, que deve ser "esquentado" até que a tensão fique insuportável e os elementos opostos envolvidos no conflito se fundam dentro de nós nós. A felicidade e o sofrimento encontram-se tão intimamente ligados que a felicidade vira sofrimento e o sofrimento mais intenso pode provocar uma espécie de sentimento sobre-humano de felicidade. Eles são um par de opostos imprescindível à vida (JUNG, 1999, p. 246 e 258). E é exatamente isso que acontece com a adolescente, como demonstrado na seguinte passagem do Diário:</div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; text-align: justify;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-qkBCwwgrrQU/WkjG6q8nJmI/AAAAAAAAI80/ayACtZKxu84pwK3v1DSLHuzyrFI822DdACLcBGAs/s1600/O%2BANEXO.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="888" data-original-width="1000" height="284" src="https://1.bp.blogspot.com/-qkBCwwgrrQU/WkjG6q8nJmI/AAAAAAAAI80/ayACtZKxu84pwK3v1DSLHuzyrFI822DdACLcBGAs/s320/O%2BANEXO.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O esconderijo.</td></tr>
</tbody></table>
Eu costumo me sentir mal, mas nunca me desespero. Vejo nossa vida no esconderijo como uma aventura interessante, cheia de perigo e romance, e cada privação. Decidi levar uma vida diferente da de outras garotas, e não me tornar mais tarde uma dona de casa comum. O que estou vivenciando aqui é um bom início para uma vida interessante, e este é o motivo - o único - para eu rir do lado engraçado dos momentos perigosos. Sou jovem e tenho muitas qualidades ocultas; sou jovem, forte e vivo uma grande aventura; estou no meio dela e não posso passar o dia inteiro reclamando porque é impossível me divertir! Sou abençoada com tantas coisas: felicidade, alegria e força. A cada dia me sinto amadurecendo, sinto a libertação se aproximar, sinto a beleza da natureza e a bondade das pessoas ao redor. A cada dia penso em como essa aventura é fascinante e divertida! Com tudo isso, por que deveria me desesperar? (FRANK, 2016, p. 311-312)</div>
</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Curioso é o fato de a autora confessar isso em seu Diário íntimo Isso denota que sua intenção não era agradar ou convencer ninguém. Verdadeiramente, ela sofria, mas conseguia encontrar motivação e sentido para viver, para se entusiasmar, para se sentir feliz.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até certo ponto do Diário, percebia-se que a sexualidade de Anne ainda não estava definida até a ida para o esconderijo. Conta ela de uma vez que foi dormir na casa de uma amiga e sentiu curiosidade sobre seu corpo. Perguntou a ela se poderiam tocar os seios uma da outra, como prova de amizade, o que recusou. No entanto, teve um desejo terrível de beijá-la e a beijou. Descreve como, ao ver uma mulher nua em um livro, entrou em êxtase. "Às vezes acho que elas são tão maravilhosas que tenho de lutar para conter as lágrimas." E lamenta não ter uma amiga naquele momento. Por essa mesma época ela também ficara menstruada (p. 184).</div>
<div style="text-align: justify;">
Na puberdade as mudanças corporais acentuam a diferenciação do eu atual em relação ao infantil e, talvez por isso, o adolescente frequentemente impõe-se aos demais desmedidamente. Nesse período ocorre o processo de “nascimento psíquico” e a diferenciação dos pais. O sujeito interioriza as limitações exteriores, impostas pelos pais e pela sociedade, e, uma vez tornados subjetivos, estes se opõem aos impulsos existentes (JUNG, 1991a, §756-757). Isso ocorre de maneira evidente com Anne. A autora expressa no seu diário sua insatisfação com os pais, principalmente a mãe.</div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
[...] mamãe, com todos os seus defeitos, é mais difícil de ser enfrentada. Não sei como devo agir. Não consigo fazer com que ela veja sua falta de atenção, seu sarcasmo e sua dureza de coração, mas <b>não consigo assumir a culpa por tudo</b>. Sou o oposto de mamãe; por isso, nós nos desentendemos, claro. Não quero julgá-la; não tenho esse direito. Simplesmente estou olhando-a como mãe. <b>Ela não é uma mãe para mim - eu tenho de ser minha própria mãe</b>. [...] Às vezes acho que Deus está querendo me testar, agora e no futuro. <b>Vou ter que me tornar uma boa pessoa por conta própria, sem ninguém para servir de modelo</b> ou me aconselhar, mas no fim <b>isso vai me tornar mais forte</b> (p. 162-163). (negrito do autor do blog)</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
O Eu não consegue se formar com uma concordância perpétua. Com o desenvolvimento pode dizer: "Não, eu não gosto disso, gosto é daquilo" ou "Não, eu não sou assim, sou assado; eu sou bom, não sou mau". E ao fazer todas essas discriminações, ele cria a sombra, o recipiente para o que não é (EDINGER, 2004, p. 24). Na adolescência, ao lado dos conteúdos do eu surge uma segunda série, um novo complexo com papel e função semelhantes aos do eu, o qual, em certos casos, pode assumir o comando no lugar do primeiro. Essa “segunda série” seriam as associações em torno da personalidade futura da criança. Ora, isso é divisão interior, um problema para o indivíduo. Por isso a adolescência é chamada de “anos difíceis” (JUNG, 1991a, §756-757). Essa “segunda série” possui papéis “semelhantes ao do eu”. É como se o adolescente tivesse duas identidades internas diferentes, e que qualquer uma delas pode assumir a direção da vida consciente, dependendo da situação. Uma intensa ambiguidade que marca a separação do que faz e não faz parte do Eu (consciência e inconsciente), da identidade em formação (LIMA FILHO, 2002, p. 32). Esse processo fica mais perceptível no caso de Anne se analisarmos suas visões, sonhos e fantasias.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-wHvl-jy1mgU/WkjHPUO5e3I/AAAAAAAAI84/YUhD0TUVXHwH-ReElMRN5MQvgVpb_hYyQCLcBGAs/s1600/PERSONAGENS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="571" data-original-width="640" src="https://3.bp.blogspot.com/-wHvl-jy1mgU/WkjHPUO5e3I/AAAAAAAAI84/YUhD0TUVXHwH-ReElMRN5MQvgVpb_hYyQCLcBGAs/s1600/PERSONAGENS.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Algumas personalidades constantes do Diário.</td></tr>
</tbody></table>
Pouco antes de ela relatar o sonho que é como uma espécie de ponto de mutação de sua personalidade, ela descreve uma visão que teve com uma de suas melhores amigas, Hanneli, com quem costumava ir à escola. Não pensava nela pelo menos há um ano. Segundo Anne, Hanneli era meio estranha, expansiva em casa e reservada com outras pessoas, mas dizia tudo o que pensava, e passou a admirá-la bastante (p. 16). Uma noite, quando estava caindo no sono, Hanneli de repente apareceu diante dela, desamparada, com o rosto pálido e os olhos desesperados. "Eu a vi vestida de trapos, o rosto magro e desgastado. Ela me olhou com uma tristeza e com uma reprovação tão grandes em seus olhos enormes, que consegui ler a mensagem neles: 'Ah, Anne, por que me abandonou? Me ajude, me ajude, me salve desse inferno!'" (p. 171). Porém, a autora confessa que só podia orar por ela, aquela que fora uma dedicada amiga. Provavelmente, durante a fuga da família, deve ter parecido que Anne estava tentando afastá-la, e aí ela deve ter se sentido mal. Anne sentia culpa por ter sido escolhida para viver enquanto a amiga provavelmente morreria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um mês depois Hanneli apareceu de novo, em companhia da avó materna falecida. Esta teve uma doença terminal, mas a guardou em segredo até morrer. Anne a descreve como doce, gentil e leal, que se interessava por tudo o que dizia respeito à sua família. Nunca a decepcionou. Sempre defendeu a neta, mesmo se se comportasse mal. Neste ponto a autora imagina como ela deve ter se sentido solitária, apesar da presença dos familiares (p. 178s).</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;"> Os dois eventos acima, com a amiga e a avó, marcam a manifestação do Si-mesmo de Anne</span>, o seu nº 2, a personalidade que vai florescer e se expressar mais totalmente até a véspera de sua prisão. As duas figuras de alguma forma sintetizam o que a adolescente iria se tornar mais tarde, isto é, a segunda série de associações da personalidade futura. Apesar de a adolescente afirmar que o sonho já citado marca sua mudança de personalidade, na verdade esta mudança vem se preparando há mais tempo, o que fica evidente nos sonhos/visões expostos. Essa fase é típica do processo de adolescência. As duas figuras parecem se complementar: a amiga, um aspecto mais sombrio, expressa quem Anne irá se tornar - a meta inconsciente do Si-mesmo; a avó parece ser uma espécie de guia, de segurança, para que o percurso da adolescente em direção ao fim a que se destina (Hanneli) seja garantido e o mais confortável possível. Parece oferecer o suporte de autoconfiança e autoestima necessário ao eu da neta. As duas figuras aparecem com um poder de atração à atenção de Anne quase irresistível. Esse "poder" deriva, antes de tudo, de as figuras possuírem um aspecto espiritual, do outro mundo. Pode-se dizer que a figura de Hanneli, associada a vários sentimentos opostos na adolescente, chega a assombrar a amiga. Por esses motivos, essas imagens podem ser apreciadas como personalidades mana. A passagem que segue acrescenta elementos muito <br />
<div style="text-align: right;">
</div>
esclarecedores aos sonhos aludidos e, por isso, é reproduzida quase por inteiro.<br />
<blockquote class="tr_bq">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"></td></tr>
</tbody></table>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<blockquote class="tr_bq">
Mana é uma palavra derivada da antropologia [...]; é pertinente ao extraordinário e irresistível poder sobrenatural que emana de certos indivíduos, objetos, ações e eventos, como também de habitantes do mundo do espírito. Seu equivalente moderno é “carisma”. Mana sugere a presença de uma força avassaladora, uma fonte primeva de crescimento ou cura mágica que equivale a um conceito primitivo de energia psíquica. Mana pode atrair ou repelir, descarregar destruição ou curar, confrontando o ego com uma força supra-ordenada. [...] É um poder quase divino que se prende ao mágico, mediador, padre, médico, trapaceiro, santo ou tolo sagrado - a qualquer um que participa do mundo do espírito o suficiente para conduzir ou irradiar sua energia. [...] <span style="background-color: white;">As personalidades mana aparecem sempre que o ego conscientemente confronta-se com o Self. Vê-las como meras imagos de pai ou mãe <b>[a avó, por exemplo - <i>acréscimo meu</i>]</b> é reduzi-las a um “não mais que” ou “nada senão”, de acordo com Jung. A personalidade mana, como uma imagem ideal e incorruptível, é essencial para o processo de iniciação após o qual se obtém um renovado senso de individualidade. O perigo inerente a períodos de transição é que o indivíduo, contudo, se identifique com as figuras mana, e exista uma conseqüente inflação. (SAMUELS, 2003, "personalidade mana")</span></blockquote>
</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-bzK9uf5t5So/WoCAT8Q5j-I/AAAAAAAALvM/5H5GdW1c5_kk-uBrIzfRAYNWSyYo6dF-gCEwYBhgL/s1600/cross-shamash-718x600.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="718" height="267" src="https://1.bp.blogspot.com/-bzK9uf5t5So/WoCAT8Q5j-I/AAAAAAAALvM/5H5GdW1c5_kk-uBrIzfRAYNWSyYo6dF-gCEwYBhgL/s320/cross-shamash-718x600.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Parece ter sido uma das mais originais intuições do homem que<br />
a forma certa para expressar a origem do mana fosse a cruz." Jung<br />
Além da cruz, as figuras citadas no texto e também o quadrado e<br />
o círculo são expressões de mana.</td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: white;"> Anne, como todo adolescente, passa por um processo de transição, que expressa todo um simbolismo iniciático. Apesar de o homem moderno não valorizar mais os ritos de passagem, isso não quer dizer que não sejam requeridos pela psique, a qual, se não encontra meios exteriores facilitadores para demarcar os passos dessa transformação, recorre então aos sonhos. E estes, em geral, são depreciados como imagens aleatórias sem sentido produzidas pelo cérebro. A moça parece se identificar com Hanneli, como se deduz em várias passagens, mas ao final percebe-se claramente como seu eu se destaca do drama interno, observando e apreciando os dois principais aspectos de sua personalidade, em conflito para assumir a sua consciência. Isso ficará mais claro ao final.</span><br />
<span style="background-color: white;"> A situação psíquica do adolescente é complexa e dúbia. Como criança, seu ego é praticamente estabilizado, pois está identificado com os pais. Aos poucos cria-se outra série psíquica que será reforçada pela puberdade, por meio das mudanças corporais, como já visto. Com isso, ela tende progressivamente a perder a identificação para com o que os pais representam. Ao mesmo tempo, o ego começa a se destacar do Si-mesmo. Nesse momento, não se pode definir claramente o que é sombra (o não-eu): serão as identificações passadas – a primeira série psíquica, ou a outra série que aponta para o futuro, para quem ela será? Nessa situação incerta da adolescência, o que é sombra ou eu dependerá do momento ou da situação. Essa determinação tende a se concretizar apenas enquanto ele se torna adulto e toma as próprias decisões.</span></div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
As mudanças corporais revigoram essa situação. É um processo em que diversos elementos se reforçam. Ao final dessa fase o adolescente poderá se reafirmar na identidade assumida, e a projeção pode ter um grande papel. Isso porque perceber a sombra nos outros e não em si estimula um contínuo esforço moral na formação e definição do eu e da sombra da criança. Projetar a própria sombra sobre os outros ajuda a obter um retorno positivo das pessoas próximas (ZWEIG e ABRAMS, 1994, p. 70). Supõe-se, portanto, que o Eu adolescente, em atividade de definir sua própria identidade, não se encontra firme em sua autonomia, já que está em processo de transformação. Vejamos como a autora do Diário descreve uma dessas manifestações corporais.</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Pouco depois do aparecimento da avó e de Hanneli, Anne conta que já ficara menstruada três vezes. “Tenho a sensação de que, apesar de toda a dor, do desconforto e da sujeira, sou dona de um segredo. Assim, mesmo sendo uma coisa chata, de certo modo estou sempre ansiosa pela época em que vou sentir esse segredo outra vez dentro de mim.” Parece que a adolescente percebe sua <span style="background-color: white;">menstruação como um mistério pessoal,</span> próprio, todo seu, que não pode e não deve ser divulgado a todos e, por isso mesmo, a demarca psicologicamente em relação aos demais, no sentido de torná-la mais autônoma. Deste modo, a menstruação serve de apoio à definição do eu, da identidade da autora, assim como o conteúdo do seu Diário.</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Para Jung (1987, p. 295-297) a melhor maneira de alguém proteger a própria identidade, de não confundi-la com os outros, é a posse de um segredo que queira ou deva guardar. Isso ocorre também com o início de qualquer sociedade: mesmo quando não há um segredo, inventam-se ou arranjam-se segredos conhecidos ou compreendidos somente pelos iniciados. A necessidade de cercar-se de mistério é de importância vital no estágio primitivo, já que o segredo compartilhado é o "cimento" da coesão do grupo. No indivíduo, o segredo em relação aos outros representa uma compensação fortalecedora da coesão psíquica da identidade, a qual submerge e se dispersa, com recaídas sucessivas na identificação com as outras pessoas. A busca da conscientização das próprias particularidades é a meta. "Só um segredo que não se pode trair, isto é, um segredo que nos inspira medo ou que não poderíamos formular conceitualmente (e que, por isso, pertence aparentemente à categoria das 'loucuras'), pode impedir a regressão inevitável ao coletivo." A necessidade de um segredo muitas vezes é tão grande que provoca o aparecimento de ideias e ações de cuja responsabilidade é quase impossível se suportar. Não é meramente um capricho ou vaidade, mas uma cruel necessidade, inexplicável para a própria pessoa, que é como um destino invencível que mostra a existência de elementos estranhos em seu íntimo, muito mais poderosos, dos quais ela se achava senhora.<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-ydnPtBpuUHc/WoCFLM8draI/AAAAAAAALvY/1xGlrHdjWag-22tLTdjFqVLkYErRWGyhQCLcBGAs/s1600/rmfoto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="385" data-original-width="479" height="321" src="https://2.bp.blogspot.com/-ydnPtBpuUHc/WoCFLM8draI/AAAAAAAALvY/1xGlrHdjWag-22tLTdjFqVLkYErRWGyhQCLcBGAs/s400/rmfoto.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Essa pode ser considerada, por nós ocidentais, uma prática abusiva do povo de <span style="font-size: 12.8px;">Moçambique. Entretanto, <br />convém levar em conta, também, o contexto cultural, ao se definir </span><span style="font-size: 12.8px;">o enquadramento patológico.<br />O isolamento da jovem é, mais uma vez, flagrante aqui. </span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: white;"> A menstruação em segredo também é interessante do ponto de vista iniciatório. As sociedades antigas, que aplicavam ritos de passagem com a primeira menstruação, afastavam a jovem do seu mundo familiar. Ela era isolada e separada da comunidade, em uma cabana especial na selva ou num canto escuro da habitação. Trazia um vestido especial ou uma cor específica reservada a ela. Tinha que se manter em certa posição muito incômoda e evitar o sol ou ser tocada por qualquer pessoa (ELIADE, 1992, p. 93). A Bíblia traz diversas prescrições rituais de purificação, inclusive referente à menstruação: </span><br />
<blockquote class="tr_bq">
19 Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue e que seja fluxo de sangue do seu corpo, permanecerá durante sete dias na impureza das suas regras. Quem a tocar ficará impuro até a tarde. 20 Toda cama sobre a qual se deitar com o seu fluxo ficará impura; todo móvel sobre o qual se assentar ficará impuro. 21 Todo aquele que tocar o leito dela deverá lavar suas vestes, banhar-se em água e ficará impuro até a tarde. (Levídico, 12)</blockquote>
<span style="background-color: white;"> De certo modo, ao entender os fluxos corporais humanos, aí incluído o esperma, como impurezas espirituais, os ensinamentos hebreus estimulavam o isolamento das pessoas das quais derivavam esses fluidos sexuais até que houvesse seu estancamento ou passasse certo período de tempo. As sociedades antigas, referidas por Eliade (1992) anteriormente, restringiam o isolamento à primeira menstruação. Percebe-se como esses fluxos sexuais são particularmente tabu. Todo cuidado é pouco no contato com eles.</span><br />
<span style="background-color: white;"> Ao adotar o segredo para esse assunto, Anne recorria instintivamente ao isolamento ritual do mundo familiar. Outros elementos ela já vivenciava devido à condição de refugiada: o esconderijo do anexo e a evitação do contato com o sol. Assim, o ambiente colaborou e ela recorreu ao segredo, muito provavelmente de maneira instintiva, como forma de segregação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas suas mudanças se estendem também ao relacionamento com outras pessoas. Sua atração afetiva por outros homens se acentua. Anteriormente, por exemplo, Anne não admirava o filho de 17 anos dos Van Daan, família que convivia escondida com a sua, em quase nenhum aspecto. Ela achava Peter, “sua alteza”, um rapaz hipersensível, preguiçoso, que mal demonstra que está presente e hipocondríaco. Em outro momento, a dupla se fantasia e faz uma apresentação cômica, divertindo os refugiados. Posteriormente, ela se deita em sua cama e o expulsa de lá, deixando-o furioso, achando que ele poderia ter sido mais atencioso, já que dera uma maçã a ele.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
Então, devido a uma necessidade tremenda, a adolescente decide conversar com Peter, e começa a frequentar seu quarto, dando sugestões para resolver suas palavras cruzadas. “Tive um sentimento maravilhoso quando olhei em seus olhos azul-escuros e vi como ele ficara retraído com minha visita inesperada. Dava para ler seus pensamentos mais íntimos, e vi em seu rosto um ar de desamparo e insegurança quanto ao modo de se comportar, e, ao mesmo tempo, tive um vislumbre de consciência da sua masculinidade. [...] Naquela noite, deitei-me na cama e chorei até me acabar, ao mesmo tempo em que procurava ter certeza de que ninguém me ouvia. A ideia de precisar pedir favores a Peter era simplesmente revoltante. [...] Não pense que estou apaixonada por Peter, porque não estou. Se os Van Daan tivessem uma filha, e não um filho, eu tentaria ficar amiga dela." (p. 185-186). Bem, se Anne não estava apaixonada, com certeza tinha em Peter um refúgio de sua solidão. Certamente projetava nele uma necessidade interna antes esquecida...</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Neste ponto Anne tem um sonho e os textos do Diário mudam psicologicamente. Para fins de estudo psicológico, o Diário pode ser dividido em duas partes: antes e depois deste sonho que ocorre com<span style="background-color: white;"> <span style="background-color: white;">Peter Schiff, a quem chamava de "Petel"</span></span>. Este a namorou por uns três meses, até que ele mesmo parou com os encontros. Mas a lembrança do amado se fixou duradouramente. Segue o sonho:</div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
“Hoje de manhã acordei logo antes das sete, e imediatamente me lembrei do sonho que tive. Estava sentada numa cadeira, e diante de mim estava Peter... Peter Schiff. Estávamos olhando um livro de desenhos de Mary Bos. O sonho foi tão nítido que até me lembro de alguns desenhos. Mas não foi só isso — o sonho continuou. Os olhos de Peter subitamente encontraram os meus, e fiquei olhando durante muito tempo aqueles olhos castanhos aveludados. Então ele disse em voz baixa: — Se eu soubesse, teria procurado você há muito tempo. — Virei-me bruscamente, esmagada pela emoção. E aí senti um rosto macio, cálido e suave contra o meu, e foi tão bom, tão bom...” (p. 186)</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-jnb5ZEmubpQ/WoCNhcHIA2I/AAAAAAAALvs/jVTnLbXitTI-A10fyB3hya1u9lXEAA9swCLcBGAs/s1600/amigas%2Bde%2BAnne.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="277" data-original-width="337" height="328" src="https://2.bp.blogspot.com/-jnb5ZEmubpQ/WoCNhcHIA2I/AAAAAAAALvs/jVTnLbXitTI-A10fyB3hya1u9lXEAA9swCLcBGAs/s400/amigas%2Bde%2BAnne.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">10ª aniversário de Anne, Amsterdam, 12/06/1939 (da esquerda para a direita:<br />
<span style="font-size: 12.8px;">Lucie van Dijk, Anne, Sanne Ledermann, Hanneli Goslar, Juultje Ketellapper, </span><br />
<span style="font-size: 12.8px;">Käthe Egyedie, Mary Bos, Ietje Swillens, Martha van den Berg).</span></td></tr>
</tbody></table>
Ora, a adolescente se aproxima de Peter, admira certos aspectos de sua personalidade, inclusive o relacionado à sua masculinidade, e então nega estar apaixonada; na sequência, tem um sonho com o antigo namorado, que, coincidentemente, também se chama Peter... O que Petel diz no sonho - "Se eu soubesse, teria procurado você há muito tempo", poderia se encaixar perfeitamente na recente relação com Peter. Os aspectos que ela descreve no amigo: o ar de desamparo e a insegurança, podem ser percebidos nela mesma. A tensão de deixar transparecer que se sente atraída por ele perante qualquer pessoa, principalmente Peter, é extrema. Estaria se prevenindo de sentir a dor do desprezo anterior de Petel? E então, de repente, este aparece no sonho como que se desculpando, dizendo que não sabia, senão a teria procurado bem antes... Como Anne não via Petel há muito tempo, é muito mais provável que sua imagem represente conteúdos subjetivos de Anne; como Jung (1999, <span style="font-family: "liberation serif" , serif;">§510) afirma,</span> quando a imagem de uma pessoa próxima a nós, de nossa relação cotidiana, aparece em sonhos, a probabilidade maior é de que o sonho se refira à relação do sonhador com a pessoa em questão; o contrário ocorre se o último contato com a referida pessoa foi há mais tempo. Assim, a imagem de Petel parece se referir menos ao adolescente do que a certos aspectos de Anne. Nas entrelinhas, é como se dissesse: "Lembra-se de mim? Do nosso romance? Você tem medo de se decepcionar de novo, mas se Peter souber do seu amor, ele vai te procurar". Em uma analogia, é como se o deus Eros (Cupido) aparecesse e deixasse uma mensagem instigando a aventura no campo amoroso. E o resultado desse mergulho no desconhecido acaba por mudar Anne profundamente, fazendo com que se deixe revelar aspectos mais genuínos de si aos pais e aos mais próximos...</div>
<div style="text-align: justify;">
<style type="text/css">
@page { margin: 2cm }
p { margin-bottom: 0.25cm; line-height: 115% }
</style> Anne não sabe o que ocorreu, mas ficou certa que mudou seu comportamento e atitudes após o sonho. Então, quase duas semanas depois, o conteúdo do sonho se repetiu, mas de maneira menos intensa e agradável. Dia após dia ela começa a se preocupar e a questionar aspectos que antes não passavam por sua cabeça. Por que as pessoas procuram esconder seus verdadeiros sentimentos? Por que ela se comportava de modo diferente do que deveria quando na companhia dos outros? Apesar de vislumbrar algum motivo para isso, percebe que é horrível descobrir que não pode confiar em ninguém, nem nos mais próximos. Sente que amadureceu desde o sonho citado. Tornou-se uma pessoa independente. "Você pode me dizer por que as pessoas se esforçam tanto para esconder seu eu verdadeiro?" Até sua atitude anterior para com os Van Daan, com os quais era intensamente crítica, mudara: admitiu que usava de puro preconceito. A autora do Diário queria "ver as coisas com olhos novos" e formar sua opinião, não somente copiar os pais. (p. 193-195).</div>
<div style="text-align: justify;">
A vida da adolescente antes do esconderijo era muito diferente, a ponto de parecer mesmo irreal diante de si mesma. Sua vida era "celestial", completamente diferente da menina ajuizada dentro daquelas paredes. Ela tinha cinco admiradores em cada esquina, umas vinte amigas, era a preferida da maioria dos professores, mimada pelos pais, portava sacolas recheadas de doces e tinha dinheiro para gastar. Não poderia pedir mais nada. E isso não ocorria só porque era atraente. Ela divertia os professores com suas respostas espertas, observações engraçadas, seu rosto sorridente e pensamento crítico. Se descrevia como uma tremenda namoradeira, charmosa e animada. Mas então caíra na realidade: acostumou-se a viver sem admiração. Aquela Anne era o centro das atenções, divertida e agradável, mas superficial. No entanto, apesar de não ter se esquecido do riso e das respostas afiadas, e conseguir paquerar e ser divertida, se ainda quisesse, gostaria apenas de ter essa vida descuidada apenas por uma tarde, no máximo uma semana. Então ficaria exausta e agradeceria se alguém se aproximasse e conversasse sobre algo importante. "Quero amigos e não admiradores. Pessoas que me respeitem pelo caráter e pelo que faço, não pelo sorriso encantador. O círculo ao meu redor seria bem menor, mas não importa, desde que fosse composto por gente sincera." (p. 234-235). <span style="background-color: white;">Isso é muito intrigante. O que a confidente deixa claro é ter havido uma mudança muito profunda: a de uma atitude extrovertida para outra completamente oposta, a introvertida. Essa mudança pode ser ou não de longo prazo, e pode vigorar apenas enquanto perdura a condição altamente restritiva em que se encontra. Por outro lado, devido a ela se encontrar em um momento decisivo em sua vida, de transição da vida infantil para a adulta, pode ocorrer de essas mudanças serem permanentes. Pelo menos a autora parece tender a permanecer na atitude introvertida até a interrupção definitiva do Diário...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-AeB29tFCPCY/WoCQujKaB0I/AAAAAAAALv4/f-0fmHuzvJko2ICbgpxNeH9ggL3tnshVQCLcBGAs/s1600/introvertido%2Bx%2Bextrovertido.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="337" data-original-width="702" height="305" src="https://1.bp.blogspot.com/-AeB29tFCPCY/WoCQujKaB0I/AAAAAAAALv4/f-0fmHuzvJko2ICbgpxNeH9ggL3tnshVQCLcBGAs/s640/introvertido%2Bx%2Bextrovertido.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Características gerais de introversão e extroversão.</td></tr>
</tbody></table>
<span style="background-color: white;"> Essa introversão se manifesta na forma de ênfase nas próprias ideias e na importância para com os próprios sentimentos, em relação aos das outras pessoas, especialmente os pais. Nesse sentido, sente-se completamente independente (p. 249). Também, por sentir mais facilidade em expressar no papel o que desejava</span><span style="background-color: white;"> </span><span style="background-color: white;">(p. 257)</span><span style="background-color: white;"> - o extrovertido prefere a fala. Na verdade, Anne chega mesmo a admitir sentimentos muito estranhos para a sua idade, a ponto de mantê-los conscientes ao lado de outros, opostos, mais "normais":</span></div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Sei que sou melhor do que mamãe num debate ou numa discussão, sei que sou mais objetiva, não exagero tanto, sou muito mais arrumada e mais hábil com as mãos, e por causa disso sinto (isso pode fazer você rir) que sou superior a ela em muita coisa. Para amar uma pessoa, preciso admirá-la e respeitá-la, mas não sinto respeito nem admiração por mamãe! (p. 249)</span></div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Essa situação psíquica de manter a consciência de dois ou mais conteúdos opostos é bem mais típica da meia-idade em diante, tendendo, então, a se estender a vários outros conteúdos. Porém, isso fica muito mais evidente quando o assunto é sexo. Anne possui um pensamento de vanguarda sobre o assunto. Os pais deveriam, para ela, contar tudo o que sabem sobre sexo aos filhos, ao invés de deixar que descubram sozinhos. Sua opinião é que não o fazem por medo de os filhos não mais perceberem o casamento como sagrado e puro. Seus pais, por exemplo, só mencionaram a menstruação quando fez 11 anos, mesmo assim sem explicar a origem do fluxo. Os outros detalhes ficou sabendo por dedução ou por meio de sua amiga Jacque. Mas com sua mudança recente, decide tocar no assunto com a irmã e com Peter, e se inteira de mais detalhes, inclusive da vida sexual dos meninos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Anne descobre, chega a admitir e não interfere no amor que sua irmã Margot sente por Peter. Ela a compreende, sente que ela sofre quando fica com Peter, o que é muito desagradável. Elas trocam cartas sobre o assunto, e Anne dá preferência a que ela escreva em vez de conversar, "porque para mim é mais fácil dizer no papel o que desejo do que cara a cara" (p. 255-257).</div>
<div style="text-align: justify;">
Ocorrem então vários sonhos com Peter. Em um eles se beijam, mas se frustra com o rosto barbeado do rapaz, parecido com o do pai (p. 238-239). A adolescente se percebe apaixonada e angustiada com a possibilidade de não ter seus sentimentos correspondidos. Anseia que ele a beije, mas receia muito demonstrar: "Tenho de parar, tenho de ficar calma. Vou tentar ser forte de novo, e se eu for paciente, o restante virá. Mas - e esta é a pior parte - parece que vivo atrás dele. Sou sempre eu que tenho de subir; ele nunca vem me procurar." (p. 276). Duas semanas depois eles sentam no divã de Peter, se tocam, e o rapaz acaricia seu braço, rosto e cabelos, beijando-a na orelha (p. 296). Mais duas semanas e ela refere ao sonho que a mudou, onde sentia o rosto do ex-namorado e uma felicidade maravilhosa. Notou que tinha a mesma sensação com Peter, embora não tão intensamente, até que após mais duas semanas se abraçam de novo no divã. <span style="background-color: white;">Então a Anne cotidiana, muito confiante e divertida, deu lugar à segunda Anne, gentil e amorosa.</span> Emocionou-se, lágrimas caíram... Ao se despedir, ia dar o segundo beijo no rosto quando seus lábios se encontraram. Os dilemas aumentaram: não deveria se retrair? Queria se casar, mas percebia que seria impossível. "Peter ainda tem pouco caráter, pouca força de vontade, pouca firmeza e coragem. Ainda é uma criança, emocionalmente não tem mais idade do que eu; só quer felicidade e paz de espírito." (p. 304-306).</div>
<div style="text-align: justify;">
O Diário relata vários outros eventos importantes: a escassez de alimentos, as ameaças de captura, os bombardeios, as invasões do esconderijo por ladrões, o drama dos ajudadores, várias fases da segunda grande guerra, etc. Para Anne, a guerra não era obra só do governo e dos capitalistas. As pessoas comuns teriam uma necessidade destrutiva de demonstrar fúria, de assassinar e matar. Ela costuma se sentir mal, mas não se desespera. A vida no esconderijo seria uma "aventura interessante, cheia de perigo e romance, e cada privação é algo divertido a acrescentar no Diário. [...] O que estou vivenciando aqui é um bom início para uma vida interessante, e este é o motivo - o único - para eu rir do lado engraçado dos momentos perigosos." Ela não quer se tornar uma dona de casa comum (p. 311).</div>
<div style="text-align: justify;">
Num dos últimos embates contidos no Diário, Anne se recusa a não subir ao quarto de Peter. E faz isso escrevendo uma carta, afirmando como ganhara sua independência por meio do abandono, da solidão e da tristeza. Não sente mais necessidade de prestar conta aos pais de seus atos, mas também não quer fazer nada escondida. Explica que antes era barulhenta para evitar ser infeliz o tempo todo, para não ouvir sua voz interior. Vinha representando dia sim, dia não, usando uma máscara que agora se recusava a sustentar. Ele teria que confiar nela cegamente ou proibi-la terminantemente de subir. Não seguiria simples recomendações. Logo após os dois choraram muito na conversa que tiveram. O Sr. Frank disse que Anne foi muito injusta, que não fizeram nada para merecer uma censura daquelas e que nunca recebeu uma carta tão dolorosa como aquela. Ela se arrependeu e chorou amargamente por tudo o que disse sobre ele (p. 312-315).</div>
<div style="text-align: justify;">
Em um momento, ela reflete sobre o tipo de relacionamento que possui com Peter. Sente que o conquistou e não que foi conquistada. Admite que criou uma imagem ideal do rapaz para que pudesse abrir sua alma a ele. Quando finalmente conseguiu seu intento, sentiu-se revoltada, pois percebeu que a intimidade conseguida abrangia elementos muito particulares, mas não os assuntos do seu coração. Usou intimidade para se aproximar dele, e esta tornou-se seu "salva-vidas", ao qual se agarrava. Mas justamente esta os afastou de outras formas de amizade. Pelo menos conseguira romper seu mundo estreito e expandir o horizonte de sua adolescência (p. 364-365).</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-7uukg6o3EAI/Wn9BU84w-OI/AAAAAAAALuc/mOdEWfywz1IdU5mZk8RwriEBwechyKC9wCLcBGAs/s1600/cisnenegro011.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="240" src="https://3.bp.blogspot.com/-7uukg6o3EAI/Wn9BU84w-OI/AAAAAAAALuc/mOdEWfywz1IdU5mZk8RwriEBwechyKC9wCLcBGAs/s320/cisnenegro011.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A protagonista de Cisne Negro só alcança maior consciência <br />
quando se divide em duas personalidades.</td></tr>
</tbody></table>
Então a adolescente escreve sua última carta a Kitty, concluindo seu Diário com "chave de ouro". Ao longo de todo o Diário ela pontuou brevemente que era partida em duas Annes. Mas agora, por algum motivo desconhecido, surge uma necessidade de fazê-lo mais profundamente. Descreve-se como um "feixe de contradições", de forças que se impõem de fora e de dentro. Como resultado das primeiras tem-se a Anne nº 1: não aceita a opinião dos outros, sempre sabe mais e detém a última palavra (características desagradáveis pelas quais é conhecida); a nº 2 é seu segredo. A primeira é exuberante, petulante, contém a alegria de viver e aprecia o lado mais leve das coisas.</div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Esse meu lado costuma ficar à espreita para emboscar o outro, que é mais puro, mais profundo e melhor. Ninguém conhece o lado melhor de Anne, e é por isso que muita gente não me suporta. Ah, eu posso ser uma palhaça engraçada por uma tarde, mas depois disso todo mundo se enche de mim por um mês. [...] Meu lado mais leve, mais superficial, vai sempre tirar vantagem do lado mais profundo, e com isso vencerá sempre. Você não pode imaginar quantas vezes tentei empurrar para longe essa Anne, que é somente a metade do que se conhece como Anne - derrubá-la, escondê-la. (p. 368)</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Mas ela não faz isso porque tem medo de zombarem dela, achando-a ridícula e sentimental, de não a levarem a sério. A Anne leviana consegue lidar com isso, mas a mais profunda é fraca demais. Se forçar a Anne boa a aparecer e esta for chamada a falar, ela se fecha, deixando a Anne nº 1 dizer o texto. Por isso, a Anne boa, pura, nunca é vista acompanhada, pois só é assim consigo mesma, guia-se por ela; pensa em si como feliz por dentro, fazendo os outros pensarem que é feliz por fora. "A Anne jovial gargalha, dá uma resposta ferina, encolhe os ombros e finge que nem liga. A Anne quieta reage do modo oposto. Se estou sendo completamente honesta, tenho de admitir que isso me importa, que tento arduamente mudar, mas me vejo sempre diante de um inimigo mais poderoso." (p. 369).</div>
<div style="text-align: justify;">
Pode-se afirmar que a Anne nº 2 constitui a identificação da adolescente com a personificação do seu Diário, Kitty. Em inglês, "Kitty" costuma ser o nome que uma criança dá a um gato. Como se sabe, esse é um animal menos expressivo, mais individual, características típicas da introversão. Provavelmente o Diário promoveu ainda mais a expressão da "segunda série", a personalidade futura da criança, como aludido anteriormente. Progressivamente, Anne toma consciência de sua persona infantil e se diferencia dela. À medida que se expressa mais e mais, uma Anne genuína, mais autônoma e independente dos pais, muito menos infantil, emerge daquela que existia praticamente em referência às outras pessoas. A <span style="background-color: white;">menstruação</span> enquanto segredo enfatiza isso. Seu misterioso ciclo viria lembrá-la de que não era mais criança...</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-pvu86orDi-M/Wn9ARjLOxdI/AAAAAAAALuU/LLH4sXeJEmojFtmKT-0-N3JMz3WUP4a-ACLcBGAs/s1600/m%25C3%25A3os%2Bse%2Bdesenham.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="316" data-original-width="480" height="210" src="https://3.bp.blogspot.com/-pvu86orDi-M/Wn9ARjLOxdI/AAAAAAAALuU/LLH4sXeJEmojFtmKT-0-N3JMz3WUP4a-ACLcBGAs/s320/m%25C3%25A3os%2Bse%2Bdesenham.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Só se pode reconhecer algo quando há um oposto para comparação."</td></tr>
</tbody></table>
A divisão em dois está relacionada a um avanço da consciência. Ao irromper na consciência e se manifestar, o conteúdo inconsciente<span style="background-color: white;"> se desfaz em pares de opostos. Temas como dualidade, gêmeos, duas frutas ou objetos, etc., indicam noções que estão prestes a serem percebidas. Isso ocorre porque só se pode reconhecer algo quando há um oposto para comparação. A oposição é uma condição essencial para o conhecimento: o branco só é percebido devido ao reconhecimento do preto. Por isso, tudo o que é consciente, tudo o que se sabe, que se está ciente, não pode dispensar os pares de opostos (JUNG, 2011, p. 410). E assim, Anne toma conhecimento de si mesma, isto é, de seu Si-mesmo, de sua essência, daquilo que é mais genuíno em alguém. Na medida em que se percebe como uma contradição, pessoas opostas dentro de si, ela se conscientiza de aspectos antes não formulados conscientemente.</span><br />
<span style="background-color: white;"> Salvo melhor juízo, as reflexões sobre si mesma e a fase de maior expressão do processo de autoconhecimento de Anne se encontra na descrição da comemoração de seu aniversário (13/06/1944) até as últimas reflexões no final do Diário (01/08/1944), constantes acima. No dia 4 de agosto todos os refugiados e seus protetores foram presos. Anne e sua irmã morreram de tifo no campo de concentração Bergen-Belsen, em Hannover, Alemanha. O mais interessante é que ela começou o Diário há mais de dois anos antes, e justamente à proximidade de sua prisão, intensificou seu processo de introspecção. Talvez seu inconsciente houvesse detectado indícios subliminares à sua volta acerca da delação que alguém viria fazer ou já teria feito. Haveria também uma sincronicidade ligada à sua transformação íntima em andamento, relacionada conjuntamente aos acontecimentos simbólicos da sua separação dos pais, do amigo/paquera e dos demais; da mudança do local de permanência; e das mortes decorrentes. A morte é símbolo claro e nítido de transformação, de mudança e de separação. As aparições da amiga Hanneli e da avó, pertencentes ao além, também parecem anunciar sua própria morte, a ocorrer um ano depois. Todos esses sinais significativos apontam para o final, para o local onde o rio encontra o mar. E o Diário de Anne Frank foi de encontro à coletividade humana, fascinando pessoas de todas as idades, justamente porque sua substância, imbuída do mito, serve de testemunho de um grave evento humano, e de processos típicos do desenvolvimento da personalidade.</span><span style="background-color: white;"><br /></span><br />
<span style="background-color: white;"><br /></span>
<span style="background-color: white;">OBSERVAÇÃO:</span><br />
<span style="background-color: white;">Este texto também foi publicado no <a href="http://institutofreedom.com.br/blog/anne-frank-dinamica-psiquica-de-uma-adolescente/" target="_blank">Instituto Freedom</a></span><br />
<br />
(Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/10/frozen-uma-congelante-estoria-de.html" target="_blank">Frozen: uma congelante estória de recuperação</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2011/11/analise-de-branca-de-neve-e-os-sete.html" target="_blank">Análise de Branca de Neve e os sete anões</a>", <span style="text-align: center;">"</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" style="text-align: center;" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a><span style="text-align: center;">", </span><span style="text-align: center;">"</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2011/11/dorian-gray-e-sombra-na-atualidade.html" style="text-align: center;" target="_blank">Dorian Gray e a sombra na atualidade</a><span style="text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/11/analise-da-figura-whisper-de-lizzy-john.html" style="text-align: center;" target="_blank">Análise da figura 'Whisper', de Lizzy-John</a><span style="text-align: center;">" e "Alice no inconsciente coletivo (</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" style="text-align: center;" target="_blank">1ª parte</a><span style="text-align: center;"> e </span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-2-parte.html" style="text-align: center;" target="_blank">2ª parte</a>, "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>"<span style="text-align: center;">)</span></div>
</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: center;">
<b>REFERÊNCIAS</b></div>
</div>
</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
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</style> <span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;">ARENOW. Disponível em: <https: erenow.com="" html="" ww="" younggirldiary=""> Acesso em 11/02/18. (Fonte de algumas fotos publicadas no texto corrente).</https:></span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;">EDINGER, Edward F.<b> Ciência da alma – </b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;">uma perspectiva junguiana. São Paulo: Paulus, 2004.</span></span></div>
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</style> <br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">ELIADE, Mircea</span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;">. </span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;"><b>O sagrado e o profano</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 11pt;"><span style="font-size: 12pt;">. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
FRANK, Anne. <b>O diário de Anne Frank</b>. 36 Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016.</div>
<div style="text-align: justify;">
JOHNSON, Robert A. <b>We</b>: a chave da psicologia do amor romântico. São Paulo: Mercuryo, 1997.</div>
<div style="text-align: justify;">
JUNG, Carl Gustav. <b>A dinâmica do inconsciente</b>. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991a, v. VIII.</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>______. Cartas I</b>. Petrópolis: Vozes, 1999.</div>
<div style="text-align: justify;">
______. <b>Memórias, sonhos e reflexões</b>. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.</div>
<div style="text-align: justify;">
______. <b>Seminários sobre sonhos de crianças</b>. Petrópolis: Vozes, 2011.</div>
<div style="text-align: justify;">
LIMA FILHO, Alberto Pereira. <b>O pai e a psique</b>. 1. ed. São Paulo: Paulus, 2002.</div>
<div style="text-align: justify;">
ZWEIG, Connie. ABRAMS, Jeremiah (Org.). <b>Ao encontro da sombra</b>. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.</div>
</div>
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</style>Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-5477001374938523772017-04-01T21:22:00.002-03:002020-12-27T10:42:28.306-03:00A importância do rito de passagem na adolescência<div style="text-align: right;">
<span style="font-size: x-small;">Texto produzido a partir da tradução </span><span style="font-size: x-small;">de um item do capítulo 3 - “The loss of initiation”, </span></div>
<div style="text-align: right;">
<span style="font-size: x-small;">intitulado “Life, death and rebirth”, </span><span style="font-size: x-small;">do livro </span><a href="https://www.skoob.com.br/livro/585289ED587038" style="font-size: small;" target="_blank">“From boys to men”, de Bret Stephenson</a><span style="font-size: x-small;">, <br />e de acréscimos do autor do blog </span><span style="font-size: x-small;">(As figuras do texto são ilustrações do autor do blog)</span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-X6kotMERrOQ/WOAHbSUrmpI/AAAAAAAAIBg/5yj2v3cOHUYmmV9JGXa37suKWeqd_AYpwCLcB/s1600/eed18e_b1eaa87ef4ed446e99d41033506fdbfa-mv2.jpg_srz_297_442_85_22_0.50_1.20_0.00_jpg_srz.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-X6kotMERrOQ/WOAHbSUrmpI/AAAAAAAAIBg/5yj2v3cOHUYmmV9JGXa37suKWeqd_AYpwCLcB/s320/eed18e_b1eaa87ef4ed446e99d41033506fdbfa-mv2.jpg_srz_297_442_85_22_0.50_1.20_0.00_jpg_srz.jpg" width="214" /></a></div>
A iniciação tradicionalmente ocupava-se da morte, tanto simbólica quanto literal. Em tempos passados, os iniciados às vezes eram acidentalmente mortos em seu esforço para se tornarem homens. Muitos ritos de passagem tinham potencial para ocorrência de resultados sérios como esse. Nos tempos modernos, certamente não queremos que nossos filhos arrisquem suas vidas, de modo que o foco da iniciação é a morte simbólica, que anuncia o renascimento como algo que está para ocorrer: o menino morre para que o homem possa viver. </div>
<div style="text-align: justify;">
No momento da iniciação acontece a “morte do ego”. Este é um termo psicológico que descreve quando um estágio de desenvolvimento é concluído, ou um aspecto mais antigo de uma pessoa dá lugar a uma versão nova e expandida. Muitos modelos de ritos de passagem usaram o conceito de morte do ego para enfatizar o fechamento dos tempos de garoto, permitindo que o novo homem nascesse dos meninos, por assim dizer. Em muitas cerimônias tribais, esta dinâmica é explicitamente representada nas iniciações. </div>
<div style="text-align: justify;">
Esta “morte” provoca uma dupla mudança. Em primeiro lugar, o fim do reinado do garoto provoca um rompimento de seu relacionamento infantil com sua mãe. A maioria das culturas acreditam que é necessário que os meninos sejam separados de suas mães para atingir a maturidade masculina. As mães defendem a segurança e a educação, não dão mérito a um rapaz que tenta ganhar autonomia e se tornar um homem forte. Homens são percebidos como não necessitando mais da mãe. Assim, simbolicamente, o menino é "morto" e literalmente proibido de viver mais com sua mãe. Segundo, deixando a infância para atrás, o iniciado fecha essa porta com firmeza para que possa entrar no mundo dos homens sem arrependimento.<br />
<blockquote class="tr_bq">
<b>Acréscimo do autor do blog.</b> </blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<i>Um adolescente de 18 anos sonhava repetidamente que era velado pelos parentes e pela mãe. Esta muitas vezes encontrava-se à beira do caixão, chorando muito. Não consegui extrair associações importantes até que perguntei a ele em que época os sonhos começaram. Respondeu que desde os 8 anos de idade. "Aconteceu algo nessa época que o marcou muito?" "Sim", respondeu. "Minha avó materna faleceu." "E o que ela significava para você?" Disse que a avó tinha sido como uma mãe para ele. Ela era quem o havia criado. Chamava sua mãe por esta palavra por simples costume. O rapaz sentira muito a morte da avó, a qual não aceitava até a presente data. Como em geral ocorre com os sonhos repetitivos, o seu entendimento pelo sonhador e profissionais habilitados normalmente é muito fácil, podendo estes até suscitar um </i>insight <i>no sonhador a partir de um simples esclarecimento. Então expliquei a ele que o fato de não ter aceitado a morte da avó fez com que a fonte dos sonhos criasse essa visão de seu próprio velório, como que insistindo para que ele "morresse", isto é, deixasse sua atitude de não aceitação da morte da avó para trás, "enterrada". Era preciso que ele passasse pelo luto de sua própria perda, de que não era mais aquele menino de 8 anos, a quem a avó cuidara até essa idade. Orientei-o e ele executou: colocou uma foto da avó em uma caixa de sapatos e a enterrou no fundo do quintal de sua casa, o que representou o sepultamento daquela que tinha sido sua verdadeira mãe. Os sonhos cessaram e o rapaz apresentou-se mais alegre, espontâneo e jovial. Curiosamente, ele deixara de ser um piadista, pois antes gostava de contar piadas a todo momento, para ser genuinamente mais feliz. Este breve relato ilustra exatamente o que Stephenson tenta explicar. O jovem necessita de um rito que, simbolicamente, o faça passar da infância à idade adulta, que o faça morrer enquanto criação da mãe, para nascer em um parto de si mesmo a partir de um outro não-materno. No caso ilustrado o sonho tentava fazer espontaneamente esse papel, mas o Eu do sonhador não compreendia, resistia e não colaborava, necessitando de um intermediário externo. Que atitude ele tinha para com a morte? Às vezes morrer, mudar, consiste em aceitar a si mesmo como se é.Vide o texto: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/11/por-que-nao-consigo-mudar.html" target="_blank">Por que não consigo mudar?</a>"</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-0JHZUv9pjzs/WOAwf1mHMAI/AAAAAAAAICE/n7nP3bm0-kQ4mySdnKigNWmzTZEVLzwpACLcB/s1600/RITO%2BDE%2BINICIA%25C3%2587%25C3%2583O%2B1.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="476" src="https://4.bp.blogspot.com/-0JHZUv9pjzs/WOAwf1mHMAI/AAAAAAAAICE/n7nP3bm0-kQ4mySdnKigNWmzTZEVLzwpACLcB/s640/RITO%2BDE%2BINICIA%25C3%2587%25C3%2583O%2B1.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Slide de assunto opcional do Curso de Introdução à Psicologia Junguiana, Casa Viva/Taubaté, 2017.</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://3.bp.blogspot.com/-WbfnCLiY0Xo/WOAwfypyK5I/AAAAAAAAICA/Nu_hscfZPRcej0JBRmm_z5IvKNvONDdwgCEw/s1600/RITO%2BDE%2BPASSAGEM%2B2.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="480" src="https://3.bp.blogspot.com/-WbfnCLiY0Xo/WOAwfypyK5I/AAAAAAAAICA/Nu_hscfZPRcej0JBRmm_z5IvKNvONDdwgCEw/s640/RITO%2BDE%2BPASSAGEM%2B2.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 12.8px;">Slide de assunto opcional do Curso de Introdução à Psicologia Junguiana, Casa Viva/Taubaté, 2017.</td></tr>
</tbody></table>
</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
É bastante claro que o nosso modo de pensar ocidental implica em medo profundo da morte e do envelhecimento. Isso se manifesta nos vastos esforços tecnológicos e econômicos que empregamos para manter as pessoas vivas a todo custo e para sustentar uma aparência mais jovem em relação à que realmente temos. Acredito firmemente que tem sido esse medo crescente da morte, em nossa cultura, que nos fez temer as práticas de iniciação. </div>
<div style="text-align: justify;">
Faz parte de tornar-se o que percebemos como civilizado a capacidade de controlar aspectos do nosso ambiente - tais como a morte, o tempo, o envelhecimento, o mundo natural e a natureza humana. Com a morte como o fracasso final, por assim dizer, em controlar nosso ambiente, a mente ocidental tem se obcecado com a tentativa de enganá-la. Nossa obsessão em tapear a morte e a velhice também deriva da imagem moderna de virilidade. Mas como nossos corpos envelhecem, enfraquecem, tornam-se calvos, os cabelos mais grisalhos, nosso valor como homens é diminuído.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nas sociedades que praticam ritos de iniciação, a morte não é vista como adversária da vida. A iniciação trata do nascimento de uma pessoa mais madura a partir da morte da mais jovem. Embora a morte seja simbólica, não literal, ela colide com nosso medo cultural de morrer. <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Malidoma_Patrice_Som%C3%A9" target="_blank">Malidoma Somé </a>explica que, na sua África nativa, “Os anciães […] interpretam a recusa das pessoas em serem iniciadas como o primeiro sinal de que a morte está sendo evitada.”<br />
<blockquote class="tr_bq" style="-webkit-text-stroke-width: 0px; color: black; font-family: "Times New Roman"; font-size: medium; font-style: normal; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px;">
<blockquote class="tr_bq" style="margin: 0px;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-aTE-yX-wqH0/WOARIekvP0I/AAAAAAAAIBw/e5oLyjv12P0ZgCO0ETzFqeGVB_WqlVzFQCLcB/s1600/f920407b1fec106d6f2512958eda20ed.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="228" src="https://2.bp.blogspot.com/-aTE-yX-wqH0/WOARIekvP0I/AAAAAAAAIBw/e5oLyjv12P0ZgCO0ETzFqeGVB_WqlVzFQCLcB/s320/f920407b1fec106d6f2512958eda20ed.jpg" width="320" /></a></div>
<b>Acréscimo do autor do blog.</b> </blockquote>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<i>A morte deixou de ser um evento pessoal, mais próximo de nós, mais emocionante, a partir do momento em que mudamos nossas tradições em relação a ela por questões mais higiênicas. Há um tempo atrás o velório de nossos parentes era efetuado dentro de casa. Recebíamos nossos amigos mais íntimos, vizinhos e conhecidos para velar o morto em nossas salas, recebendo-os com um café ou chá. Assim, tínhamos o reconhecimento pessoal e coletivo, emocional, impactante, de que nosso ente querido, havia ido embora, definitivamente. Seu corpo estava ali, presente, do mesmo modo que quando era vivo. Havia, portanto, a associação afetiva, forte, de todas as recordações do parente enquanto vivo, com a presença dele ali, morto. A aceitação da morte dele por intermédio desse ritual "vivo" era imposta emocionalmente, era marcada na psique do enlutado. O luto era, com certeza, abreviado por essa forma de velório. Entretanto, hoje em dia esse processo se tornou muito mais higiênico: é efetuado em um velório municipal, um ambiente muito mais impessoal, distante. Ocorre uma estrita separação entre as lembranças do ambiente do falecido enquanto vivo para com o ambiente que ele ocupou enquanto morto.Esses elementos não se juntam na psique dos enlutados. Não é de se espantar que o luto atualmente tenda a se estender por muito mais tempo e requeira, inclusive, a intervenção de um psicólogo para o seu tratamento. Enquanto outrora o luto durava em torno de um ano com o uso de trajes negros, hoje as pessoas se surpreendem quando alguém ainda lamenta a morte de um parente alguns meses depois de sua morte. A perda de um ente querido não é fácil. Ela abre um vácuo na alma que talvez nem o tempo possa preencher, principalmente quando a pessoa não o aceita e não quer tomar conhecimento, como no caso do sonhador, citado anteriormente. Daí a extrema importância de um luto pessoal, emocional, íntimo, impactante. A dor, quando aceita, não faz mal, mas nos chama a atenção para pontos que necessitam de cura. Desprezá-la nos faz apenas prolongar nosso sofrimento, enquanto nossas feridas supuram, inflamam e doem ainda mais.</i></blockquote>
Ter receio de se machucar faz com que você tenha medo de correr riscos. Lembro-me de crescer jogando todos os esportes disponíveis, e um dos provérbios que ouvia em um número de situações era que, se você joga com medo, você se fere. O ponto é que você tem que se aventurar em todos e esperar o melhor. Se preocupar com ser ferido levará sua mente a focar fora do que é importante, e você provavelmente vai cometer um grande erro que pode realmente vir a machucá-lo. O nosso medo da morte e nossa visão da morte como algum tipo de falha pessoal ou cultural, fez muitos de nós indispostos a assumir riscos, ou deixar nossas crianças correrem riscos saudáveis de que necessitam para crescer. </div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-SHL9lnw3vbg/WOA_f0HuwnI/AAAAAAAAICU/qjYwqrdVSRUc8vLRHhA_cytEKQ6snh6vQCLcB/s1600/613Y2rCcHgL._SX331_BO1%252C204%252C203%252C200_.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-SHL9lnw3vbg/WOA_f0HuwnI/AAAAAAAAICU/qjYwqrdVSRUc8vLRHhA_cytEKQ6snh6vQCLcB/s320/613Y2rCcHgL._SX331_BO1%252C204%252C203%252C200_.jpg" width="213" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.amazon.com/Water-Life-Initiation-Tempering-Soul/dp/0976645041" target="_blank">Livro de Mead que trata sobre iniciação.</a></td></tr>
</tbody></table>
Os adolescentes possuem um impulso inato para induzir a sua morte simbólica como crianças, para dar à luz a si mesmos como adultos. Sabemos que eles também são compelidos a assumir riscos para testar a si mesmos. Se não fornecemos estrutura e espaço para estas mortes simbólicas e propensões a correr riscos, os adolescentes continuarão a perseguir fatores arquetípicos inconscientes embutidos neles há muito tempo. Sem um guia seguro, eles serão forçados a tentar a sorte “no chute”. Como Michael Meade, um notável especialista em mitologia e simbolismo, observou, "Ao invés de passar por pequenas mortes simbólicas, os jovens ajudarão a queimar as vilas e as cidades...” </div>
<div style="text-align: justify;">
Meade oferece esta explicação sobre a propensão adolescente em recorrer às drogas: “Com um olho na iniciação e no mistério, as dependências são ritos de substituição, onde ‘tortura e morte’ ocorrem em um nível baixo, que não consegue criar absolutamente um avanço. O ritual gira em torno de uma ‘busca rompida’ de reparação espiritual, mas mantém repetindo o erro alquímico e se move em torno da morte atual quando a real mudança estava no desejo.” Tenho percebido essa saudade, essa ânsia pela morte simbólica saudável em muitos adolescentes. Eles mostraram-me o quanto são famintos por ela e como somos negligentes, como guias, em fornecer uma passagem segura até ela.<br />
<blockquote class="tr_bq" style="font-family: "times new roman";">
<blockquote class="tr_bq" style="margin: 0px;">
<b>Acréscimo do autor do blog.</b> </blockquote>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
</blockquote>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<blockquote class="tr_bq">
<i>Culturalmente, para Zoja (1992), os dependentes químicos subestimam a droga por uma atitude ingênua e de desprevenção. Subestimam os obstáculos toxicológicos e também os culturais e psicológicos correspondentes. No corpo haverá sintomas de envenenamento. Mentalmente, não havendo como assimilar a experiência, reagirão também como se estivessem envenenados.<br />O autor percebe a cultura ocidental como repressora da temática da morte, que é tida como associada à doença e não como um evento natural, a ponto de ser considerada como tabu, tal como a sexualidade o foi por muito tempo. <b>Os antigos duelos, por exemplo, enquanto um combate ritual e heroico para se suplantar o oponente, já não existem, pois o Estado tomou para si e despersonalizou o uso da violência, proibindo-a aos particulares. “Talvez”, continua, “os bárbaros aceitassem certa quantidade de sangue como o mal menor, para serem consequentes com uma exigência psicológica: que, através do “juízo de Deus”, em seus atos se exprimisse diretamente a divindade (nós diremos: uma instância arquetípica)” (ZOJA, 1992, p. 24). Porém, no lugar dos pequenos combates individuais, presenciam-se grandes guerras, grandes duelos impessoais, onde milhões de pessoas morrem em nome de entidades nacionais ou ideológicas.</b></i><blockquote class="tr_bq">
<i>A vida se empobrece e perde interesse quando não se pode arriscar o que no jogo da existência é a mais alta aposta: a própria vida. Ela se torna vazia, insípida como um </i>flirt<i> americano, em que fica estabelecido desde o começo que nada pode acontecer, ao contrário de uma relação amorosa do Velho Continente, na qual os dois parceiros estão sempre conscientes das sérias consequências a que se expõem. (FREUD, 1976, apud ZOJA, 1992, p. 24)</i></blockquote>
<i>A alternativa que a sociedade atual propõe ao sujeito é “diluir-se na insignificância de existências regidas pelas instituições. [...] A prevenção de quase todas as formas de morte foi assumida pelas instituições públicas” (ZOJA, 1992, p. 23): ninguém morre de fome por desemprego graças às indenizações do Estado; quem não deseja comer é alimentado à força; o idoso é internado; e a eutanásia é proibida! </i></blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/08/a-intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html" target="_blank">(RESENDE, 2009, p. 23)</a></blockquote>
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-Res6OnIxoFw/WOBCt_O60OI/AAAAAAAAICg/jvNHj250Osw6zhzdGFjmMvtJ-fBMfiPXACEw/s1600/detonacao-bomba-plutonio-lancada-em-nagasaki-em-9-agosto-1945-56a37bc1182ab.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="247" src="https://2.bp.blogspot.com/-Res6OnIxoFw/WOBCt_O60OI/AAAAAAAAICg/jvNHj250Osw6zhzdGFjmMvtJ-fBMfiPXACEw/s320/detonacao-bomba-plutonio-lancada-em-nagasaki-em-9-agosto-1945-56a37bc1182ab.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Detonação da bomba atômica que caiu em Nagasaki em 9<br />de agosto de 1945.</td></tr>
</tbody></table>
Para mim não é coincidência que os dois maiores grupos de suicidas por idade sejam os jovens adolescentes e os idosos. Assim como os adolescentes se tornam mais confusos e os idosos menos úteis, é de admirar que eles questionem seu valor para a sociedade? Cada vez que pondero a morte simbólica versus a literal, penso na <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Columbine" target="_blank">tragédia da Escola Secundária de Columbine, em 1999</a>, e na subsequente, em San Diego, Eugene, em Oregon, e assim por diante. Eu olho para essas tragédias de uma perspectiva diferente da que foi apresentada pela mídia ou por clínicos que tentaram explicar esses eventos. Para mim, eles parecem ser exemplos clássicos de atiradores confundindo a morte simbólica com a morte literal. Se não vamos fornecer essas oportunidades de morte do ego aos nossos adolescentes, eles vão continuar a tentar e criá-los por conta própria, com resultados mistos, na melhor das hipóteses e, nos piores casos, trágicos.<br />
<br />
<span style="text-align: -webkit-center;">(Leia mais a respeito: </span><span style="text-align: center;"> "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2020/12/as-raizes-psicologicas-da-homofobia.html" style="text-align: center;" target="_blank">As raízes psicológicas da homofobia</a><span style="text-align: center;">", </span><span style="text-align: -webkit-center;">"<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/11/por-que-nao-consigo-mudar.html" target="_blank">Por que não consigo mudar?</a>", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/07/a-via-lactea-ou-o-caminho-de-renato.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">A Via Láctea ou o caminho de Renato Russo</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">Alice no Inconsciente Coletivo</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">Gita – uma análise do Eu Sou</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2011/10/relacionamento-interpessoal-lidar.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">Relacionamento interpessoal - lidar consigo, lidar com o outro</a><span style="text-align: -webkit-center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/05/amizade-instrumento-do-autoconhecimento.html" style="text-align: -webkit-center;" target="_blank">Amizade - instrumento de autoconhecimento</a><span style="text-align: -webkit-center;">")</span></div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<b>REFERÊNCIA</b></div>
<br />
RESENDE, Charles Alberto. <b><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/08/a-intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html" target="_blank">A intuição e a sensação em dependentes de drogas na perspectiva da psicologia analítica</a></b>. 2009. 139 f. Monografia. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Departamento de Psicologia, Universidade de Taubaté, Taubaté, 2009.<br />
<br />
STEPHENSON, Bret. <b>From boys to men</b>: spiritual rites of passage in an indulgent age. Rochester: Park Street, 2004.<br />
<br />
ZOJA, Luigi. <b>Nascer não basta</b> – iniciação e toxicodependência. São Paulo: Axis Mundi, 1992.Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-3989121509754581892016-11-19T17:16:00.001-02:002018-05-30T18:19:50.610-03:00Por que não consigo mudar?<div style="text-align: right;">
<i>O paradoxo curioso é que quando eu me aceito <br />como eu sou, então eu mudo.</i><br />
Carl Rogers</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-kQ2jiyKwSlE/WDCglN2V3oI/AAAAAAAAHTQ/a34RnhNspw0DAklPyRHAhxQb-GcWFKffACLcB/s1600/espelho1-290x290.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-kQ2jiyKwSlE/WDCglN2V3oI/AAAAAAAAHTQ/a34RnhNspw0DAklPyRHAhxQb-GcWFKffACLcB/s1600/espelho1-290x290.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Essa pergunta é o primeiro passo rumo ao autoconhecimento. Para fazê-la, temos que nos dar conta de que não conseguimos nos mudar. O máximo que podemos fazer é alterar nosso comportamento de forma temporária, a custo de muito esforço e sofrimento. Por incrível que pareça, muitas pessoas não se dão conta de que não podem mudar a si mesmas. Apenas depois de muitas decepções, tentativas e erros, e mesmo assim é possível que morram sem sabê-lo. Não conseguimos modificar a nós mesmos porque somos ao mesmo tempo sujeito e objeto da mudança. Se o agente da mudança conseguisse alterar-se, já não seria agente, mas seu próprio objeto. É como se quiséssemos ser um, ainda que outro, diferente, sendo dois. Porém, se consigo perceber que nunca consegui alcançar meu objetivo, isso significa que me rendi. “Rendo-me!” - este é o início da própria aceitação.<br />
Então aparece um indivíduo que diz: “O paradoxo curioso é que quando eu me aceito como sou, então eu mudo”. Curiosa também é como essa mudança se dá ao nos aceitarmos, pois ocorre sem esforço algum. Pelo contrário, o que requer esforço, e muito, é resistirmos ser quem somos, é querermos parecer com o ideal que almejamos, que nossos pais, parentes, amigos e a sociedade anseiam. “Aquilo a que você resiste, persiste”, afirmou Jung. É como uma mola que comprimimos contra uma parede. Podemos pressioná-la com o maior vigor que tivermos, até um certo limite. Mas com o tempo nos cansamos, e aí a mola se estende. Nessas ocasiões ficamos irritados ou explodimos, neste caso se largarmos de vez a pressão que incomoda. Porém, se aceitarmos a mola como ela é, distendida, sem nos incomodarmos em pressioná-la com o único objetivo de reprimi-la, poderemos até aproveitá-la em certas tarefas.<br />
Nós não temos “defeitos”; apenas possuímos características definidas que podem ser empregadas ou não adequadamente. Mas pensamos que, porque algo foi aplicado indevidamente, deve ser mau. Nada mais longe da verdade. Nada é bom ou mau, apenas é. Bom ou mau é o seu emprego, é a relação que tenho com certos aspectos ou partes de mim mesmo. Essa mesma perspectiva pode ser estendida aos outros indivíduos: não podemos rotular alguém com a característica que apresenta ou exprimiu em certo momento ou lugar. Ninguém é “idiota”, “lerdo”, “preguiçoso”, “orgulhoso”, “sem caráter”, etc. Mas em geral tomamos o todo pela parte. “Você é burro!”. É claro que todos sabem que a pessoa em questão está sendo burra naquele momento, mas não é o que a criticada recebe. Não! Ela, muitas vezes, ficará martelando internamente o quanto foi “burra”, se culpando por não ter sido quem devia. Existem muitos juízes para avaliar quem devemos ser a todo momento.</div>
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<a href="https://2.bp.blogspot.com/-2-nq9br5778/WDCjh2THyUI/AAAAAAAAHTc/j-q561ZRD700eb4fBuCo3IPhrg2gzQkcgCEw/s1600/rotular.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://2.bp.blogspot.com/-2-nq9br5778/WDCjh2THyUI/AAAAAAAAHTc/j-q561ZRD700eb4fBuCo3IPhrg2gzQkcgCEw/s1600/rotular.jpg" /></a></div>
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Outra frase que gosto bastante e que amplia mais ainda o que escrevo aqui é outra afirmativa de Jung: “O que negas te subordina; o que aceitas te transforma”. É a mesma frase de Rogers dita de outra maneira, com ênfase em outros aspectos. Aqui fica mais explícita a nossa subordinação ao que negamos ou resistimos em nosso interior. Ficamos literalmente escravos do que não queremos ver; escravos e vulneráveis, justamente porque não o percebemos. Imagine você entrando em uma sala totalmente sem luz mas repleta de móveis, tapetes, enfeites e almofadas. A menos que fique totalmente quieto, irá tropeçar e se ferir, talvez até fatalmente. É o que ocorre conosco se ficamos no “escuro” em relação ao que somos. A todo momento “tropeçamos” em nós mesmos, no que somos, nas nossas funções, ideias, lembranças e sentimentos. Topamos com o inesperado porque não queremos nos dar conta dos nossos pontos cegos. Nos decepcionamos com o que nos constitui, com o que somos feitos; tudo porque esperamos demais de nós mesmos. Como <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" target="_blank">Alice (no País das Maravilhas</a>), ou somos por demais altos (e aí orgulhosos, prepotentes, arrogantes), ou por demais baixos (nos achamos aquém de nossas reais capacidades) nas diversas situações.<br />
Um dos interessantes efeitos da análise em psicoterapia é, com o tempo, conseguirmos “ser” cada vez mais profundamente quem realmente somos. Ocorre, no entanto, que à medida em que ficamos mais espontâneos e fluidos em ser autênticos, conseguimos lidar cada vez melhor com nossos problemas e com as pessoas que nos rodeiam. A energia que antes aplicávamos em resistir ao que somos passa a ficar livre, e com isso nos sentimos mais libertos, com maior disposição, e muito mais dinâmicos. Com isso, as amarras que impediam que nos adaptássemos melhor a certas circunstâncias e que nos comunicássemos com determinadas pessoas, se desatam. Por que isso ocorre? É que, à medida que falamos sobre nós mesmos, sobre nossos problemas, nossas relações, nossos pensamentos, emoções e sentimentos, o fazemos porque conseguimos superar a vergonha, o medo ou seja lá o que for, para nos expressarmos àquele a quem nos dirigimos. Apenas falamos daquilo que conseguimos aceitar, e na medida em que o consentimos. Se consigo expressar algo íntimo, é porque a estou assumindo como minha, e esta passa a fazer parte do que conheço como eu. </div>
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</div>
Por querermos ser amados, por desejarmos ser aceitos, é que não queremos ser quem somos: é o paradoxo oposto, espelho do que citei. Pois “ser eu” é, aparentemente, ser irresponsável, egoísta, sem limites, criminoso, mau, etc. Foi isso o que nos foi ensinado ou imposto. Com isso cultivamos certas “qualidades”, valorizadas coletivamente, como partes de nosso eu, em oposição aos supostos “defeitos”.<br />
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-Z8Sb3qmb9WE/WDChpADV5LI/AAAAAAAAHTU/b-CyGYF69aUqSIbr_Am8BdkBDXvG-gEzwCEw/s1600/seja%252520voc%25C3%25AA%252520mesmo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-Z8Sb3qmb9WE/WDChpADV5LI/AAAAAAAAHTU/b-CyGYF69aUqSIbr_Am8BdkBDXvG-gEzwCEw/s320/seja%252520voc%25C3%25AA%252520mesmo.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo o que se passa em nosso íntimo e não é expresso não faz parte de mim, senão apenas potencialmente. Isso porque apenas sou eu mesmo com e em referência a outra pessoa. Caso contrário esse eu está apenas “represado” e não fluindo nas relações. Poderíamos chamar essa espécie de “eu” de “eu virtual”. Não é um “eu concreto”. Ao falar de si você se exterioriza, ganha substância, torna-se um outro, não fica somente dentro de si mesmo. A partir disso, outros podem falar de você como é porque sabem em que consiste você, já que se expressou autenticamente. Eles o (re)conhecem, ainda que pouco, pelo que é, e não pelos papéis que desempenha (amizade, “filho de fulano”, profissão, etc.). Em psicologia analítica poderia dizer que a pessoa que passou pelo processo de “eu virtual” para “eu concreto” restabeleceu sua conexão com o Si-mesmo, ou o eixo ego–Si-mesmo. Ela então está arquetipicamente firmada, pois encarna o Eu Maior (aquele que é). [Quem quiser compreender melhor esse assunto poderá ler o texto “<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita – uma análise do Eu Sou</a>”.]<br />
“Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos”, poderíamos acrescentar, com Jung. Em resumo: não é querendo ser diferente, sendo outro, que vamos mudar. A mudança, a cura que mais queremos, a saúde psíquica, não vem de deixar de ser original para ser cópia, pois só podemos ser uma pessoa: aquela que somos. Fugir disso é fugir de si mesmo, é ser doente, desviante, debilitante, fraco. A fortaleza, nossa base, reside em nossa essência, na existência daquele que é.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div align="center">
(Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/07/a-via-lactea-ou-o-caminho-de-renato.html" target="_blank">A Via Láctea ou o caminho de Renato Russo</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" target="_blank">Alice no Inconsciente Coletivo</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita – uma análise do Eu Sou</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2011/10/relacionamento-interpessoal-lidar.html" target="_blank">Relacionamento interpessoal - lidar consigo, lidar com o outro</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/05/amizade-instrumento-do-autoconhecimento.html" target="_blank">Amizade - instrumento de autoconhecimento</a>")</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-3192595770537452432016-06-05T20:48:00.002-03:002017-03-12T16:31:02.807-03:00"A montanha mágica" e a dependência química<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/UwlOvY4jfJU/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/UwlOvY4jfJU?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
INTRODUÇÃO<br />
<br />
Essa canção do Renato é algo enigmática, recheada de metáforas e símbolos. Ela expressa a vida, o caminho que o autor poderá seguir até chegar à libertação da droga. Desculpem-me as muitas referências, mas elas fazem justiça à complexidade do simbolismo da canção, que ainda duvido ter alcançado de maneira plenamente válida. Ela parece antecipar, como um oráculo, os percalços pelos quais o autor terá que passar até conseguir a libertação final. O título possui o mesmo nome que o clássico de Thomas Mann, o qual<br />
<blockquote class="tr_bq">
Seria, segundo ele [Mann], uma viagem à decadência; contudo, ele também a qualificou como a busca da ‘idéia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte’... (BRADBURY, 1989, <i>apud</i> WIKIPEDIA)</blockquote>
<div>
Mann referia-se à guerra externa, à 1ª Guerra Mundial, e à interna. Portanto, espera-se que o cantor tenha o mesmo conceito de sua canção, tratando de seus conflitos interiores. Ao falar de si, ele exprime a humanidade inteira, porque a sua experiência é a vivência do homem de hoje. Procurarei penetrar tão somente no sentido psicológico da canção, sem muitas referências à vida do autor. No entanto, alerto que esta apreciação do seu simbolismo dará a conhecer ao leitor referências não somente aos meandros da vida interior de Renato, mas de sua própria intimidade.</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-nGcGmaL-Ajg/Vy49wcOk4PI/AAAAAAAAGtQ/JLMooHMOdWEi8D3x_lZ-XeABfIbmHYT1gCLcB/s1600/PROV%25C3%2581VEL%2BEVOLU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BFIG%2BHUMANAS%2BEM%2BDESENHOS%2BDE%2BCRIAN%25C3%2587AS.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="218" src="https://1.bp.blogspot.com/-nGcGmaL-Ajg/Vy49wcOk4PI/AAAAAAAAGtQ/JLMooHMOdWEi8D3x_lZ-XeABfIbmHYT1gCLcB/s320/PROV%25C3%2581VEL%2BEVOLU%25C3%2587%25C3%2583O%2BDE%2BFIG%2BHUMANAS%2BEM%2BDESENHOS%2BDE%2BCRIAN%25C3%2587AS.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div style="font-size: 12.8px;">
"A sequência de <i>Gestalts</i>, de baixo para cima,</div>
<div style="font-size: 12.8px;">
representa a provável evolução das figuras</div>
<div style="font-size: 12.8px;">
humanas em desenhos de crianças.</div>
<div style="font-size: 12.8px;">
(EDINGER, 1992, p. 29)</div>
</td></tr>
</tbody></table>
OS CICLOS DA VIDA PSÍQUICA<br />
<br />
1 Sou meu próprio líder: ando em círculos</div>
<div style="text-align: justify;">
2 Me equilibro entre dias e noites</div>
<div style="text-align: justify;">
3 Minha vida toda espera algo de mim</div>
<div style="text-align: justify;">
4 Meio-sorriso, meia-lua, toda tarde</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
1 O primeiro verso é um tanto difícil. Por que <b>andar em círculos</b> faz você ser seu próprio líder? Porque fazendo isso não se está seguindo ninguém, mas a si próprio, como o cachorro que persegue o próprio rabo. Neste caso, a causa pode ser o cão se sentir ameaçado, estar entediado, com raiva, etc. Não existe unanimidade. Mas uma coisa é certa: é uma resposta instintiva. Mas fazer círculos, ou mandalas, também é instintivo no ser humano. Essas figuras surgem espontaneamente nos sonhos, em rabiscos e nas fantasias, principalmente em situações de extremo sofrimento. Ao desenhar a si mesmas ou a outro ser humano, as crianças usam normalmente a figura redonda, o que indica como elas o percebem. "Os terapeutas infantis também descobriram que a mandala constitui, para as criancinhas, uma imagem operativa e indicativa de cura" (EDINGER, 1992, p. 30), isto é, elas instintivamente desenham símbolos redondos quando estão para restabelecer a saúde. Um amigo chegou a vencer a dependência química quando passou a pintar mandalas naturalmente, sem qualquer indicação. Só posteriormente veio a conhecer a teoria psicológica junguiana, que estuda essas manifestações.</div>
<div style="text-align: justify;">
O "<b>andar em círculos</b>" também remete à situação de se estar perambulando em um lugar ermo ou floresta, sem referências, em que se acha voltando sempre ao ponto de partida, sem progredir na caminhada, totalmente perdido. O autor parece ter somente a si mesmo como próprio guia.<br />
Existe ainda mais um significado para "circular". Psicologicamente somos, de tempos em tempos, confrontados com um mesmo problema ou tema, ainda que em um ponto de vista diferente, por meio dos sonhos, fantasias e outras atividades mentais. Pessoas neuróticas reclamam de sempre se verem às voltas com seus "complexos" (Vide o <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/vocabulario.html" target="_blank">Vocabulário</a>): tendem a pensar e sentir sempre a mesma coisa, repetidamente. Isso ocorre até que deem atenção a eles. Nesse sentido, pode-se deduzir que Renato estaria sendo seu próprio líder com relação a rodear, contornar si mesmo, seus problemas, suas questões. Porém, estaria ele seguindo a si mesmo <b>em um círculo</b> sem saída, perdido, e, ao mesmo tempo, em estreito vínculo enganoso com o inconsciente, com os instintos, sem progredir muito, enquanto imerso nas drogas, nessa fase.<br />
É uma atividade semelhante à moagem de grãos, que se fazia na Antiguidade, por meio do moinho, ao qual era atado uma vaca, cavalo, jumento ou até mesmo um escravo. Girar o moinho é estar aprisionado a um complexo. "Quando um indivíduo se torna prisioneiro de um complexo neurótico, uma mesma ideia dá voltas sem cessar ao redor da cabeça. Ele não consegue sair do problema e não para de dizer as mesmas coisas, indefinidamente." Existe um ponto numinoso no complexo que se dá a conhecer justamente na porção mais dolorosa da neurose ou da psicose. Aí se encontra um símbolo do Si-mesmo (vide nosso <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/vocabulario.html" target="_blank">Vocabulário</a>). Por isso as pessoas ficam fascinadas e também empacadas na situação. E se se reprime os sintomas da doença, o símbolo do Si-mesmo, justamente o que pode resgatar a pessoa para a saúde psíquica, também é reprimido. "É por isso que, muitas vezes, as pessoas perpetuam seus sintomas e resistem serem curadas. Elas sabem por intuição, que o melhor delas mesmas reside lá, naquele ponto nevrálgico, e isso é algo bastante difícil de lidar" (VON FRANZ, 2014, p. 201s). Isso é muito válido para os dependentes de droga.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-jyRUAKA_S6o/V1TMtNdI7WI/AAAAAAAAG1k/uVuSW-QTGRkd3QIzp_2vTKPgusvbtYKQgCLcB/s1600/%25C3%25B3rbita%2Bdos%2Bplanetas.gif" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://2.bp.blogspot.com/-jyRUAKA_S6o/V1TMtNdI7WI/AAAAAAAAG1k/uVuSW-QTGRkd3QIzp_2vTKPgusvbtYKQgCLcB/s320/%25C3%25B3rbita%2Bdos%2Bplanetas.gif" width="320" /></a></div>
Com base nesse <b>girar em torno</b> do mesmo tema, do mesmo assunto, nesse método natural e instintivo de a psique persistir em se fazer conhecer ao indivíduo, Jung criou o método que denominou "amplificação". Amplificar é juntar ao redor de um símbolo ou imagem desconhecida figuras ou ideias semelhantes com o objetivo de se conhecer seu significado. Estas teriam o papel de indicar o caminho para um maior entendimento da representação central. Fazer isso é aplicar a consciência em seu próprio material e torná-lo conhecido, semelhante a uma corda estendida a alguém que se encontra no fundo de um poço, e que é içada à liberdade, à claridade.</div>
<div style="text-align: justify;">
2 Como não existe uma situação de avanço, de sucessão nesse andar, é como se <b>dia e noite</b> fossem um mesmo momento. Não há horário para dormir ou estar desperto. Pode ser que seja uma referência a não se saber se está sonhando ou acordado. É um estado de limbo, de nebulosidade, de incerteza, de estar confortavelmente entorpecido. A canção "<a href="https://www.youtube.com/watch?v=0CZYO7ajY-M" target="_blank">Confortably Numb</a>", de Pink Floyd, retrata essa condição. É o estado de estar "banhado" pelo inconsciente, de não se poder precisar as vontades, as ideias e os objetivos, pois no inconsciente encontramos todos os elementos opostos juntos. Por isso é difícil tomar uma direção certa, clara, já que essas são qualidades da consciência e do eu que a dirige.</div>
<div style="text-align: justify;">
3 Sim, <b>minha vida espera</b> que eu seja atuante, só assim posso considerá-la de minha propriedade. Caso contrário, será consequência da vontade dos que me cercam. O autor parece expressar sua condição de estar sem direção, sem controle, e de sua vida estar aí, esperando para ser vivida, dirigida, encaminhada para um objetivo, para um sonho, uma realização.</div>
<div style="text-align: justify;">
4 Nebuloso também é seu estado emocional: meio-sorriso. A lua não é inteira - nova ou cheia, mas crescente ou minguante, um estado de transição. Como o meio-sorriso, ela também fica aquém da completude.<br />
A imagem da <b>lua crescente</b> ocorre muitas vezes nos mitos. Refere-se ao poder emergente do feminino. Simboliza Ártemis - deusa grega da lua, dos animais selvagens e da caça, ou Diana - deusa romana da caça e da virgindade. Associa-se ao virginal, o ainda não revelado, o mistério das emoções, do amor, o poder de gerar, a renovação e as mudanças (WHITMONT, 1991, p. 50). E o feminino vincula-se, nessa nossa era patriarcal, ao inconsciente, estado e condição em que se encontra Renato. Como feminino não me refiro aqui à questão de gênero, mas a um aspecto típico muito importante que se encontra tanto no homem quanto na mulher. A agressão, a sexualidade e a necessidade de ser cuidado são características próprias do cantor no auge do seu sucesso, principalmente em sua forma compulsiva, como se pode constatar em sua autobiografia. São faculdades arquetípicas irresistíveis e fascinantes que são reprimidas, ainda difíceis de lidar, que não são intrinsecamente boas ou más, úteis ou inúteis, mas têm um sentido na nossa evolução psíquica e no nosso funcionamento orgânico. Na Antiguidade elas eram ritualizadas, do mesmo modo que o uso de drogas. Daí serem mais bem canalizadas do que nos tempos atuais, em que não possuímos e desprezamos instrumentos míticos ou religiosos em prol tão somente da racionalidade (Ibid., p. 40s).<br />
E isso acontece toda tarde, a parte do dia de maior atividade, em geral.<br />
<div>
<br />
SUPORTAR A ANGÚSTIA E A DOR<br />
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
5 Ficou logo o que tinha ido embora</div>
<div style="text-align: justify;">
6 Estou só um pouco cansado</div>
<div style="text-align: justify;">
7 Não sei se isto termina logo</div>
<div style="text-align: justify;">
8 Meu joelho dói</div>
<div style="text-align: justify;">
9 E não há nada a fazer agora</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
5 Nossos complexos <b>vão e voltam</b>, nos rodeiam como a Terra orbita o Sol, em elipse - ora mais perto, ora mais distantes, mas sempre lá. Com o autoconhecimento, a tendência é que eles apresentem novas facetas ou diminuam a frequência com que se apresentam, assim que se aproximam mais do eu. São como crianças à espera da atenção dos pais: assim que são satisfeitas, tranquilizam-se. Entretanto, se não recebem a atenção devida, importunam o eu de tal maneira a induzir acidentes, brancos de memória, pensamentos e sentimentos indesejáveis, além de doenças psíquicas (depressão, ansiedade, transtorno bipolar, dependências, etc.). O eu pode fazer de tudo para livrar-se do complexo, e ele pode ceder temporariamente, mas acaba voltando.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-_ZoovnRwILE/V1TOxGoR7gI/AAAAAAAAG1w/7XpXYFLoZQw1h2Uz9VkHfqbUmQNiM7fyQCLcB/s1600/touro%2Bpersegue.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="208" src="https://1.bp.blogspot.com/-_ZoovnRwILE/V1TOxGoR7gI/AAAAAAAAG1w/7XpXYFLoZQw1h2Uz9VkHfqbUmQNiM7fyQCLcB/s400/touro%2Bpersegue.jpg" width="400" /></a></div>
Um rapaz tinha pesadelos constantes com um touro que o perseguia, correndo em fuga. Os sonhos o despertavam à noite e o deixavam esgotado. Normalmente acordava assim que o animal o chifrava ou conseguia se livrar, subindo em uma árvore. Perguntei o que o animal chifrudo lembrava. Ele o associou com o Diabo. "Acaso ele o persegue de alguma maneira em sua vida?". "Sim, sinto muita vontade de ir pro bar, beber, curtir a mulherada... Mas sou casado, tenho filhos, e já decepcionei minha esposa com esse comportamento. Não quero fazer isso. Imagina perder tudo o que construí!". "E o que você faz para não pensar mais nisso?". "Eu vou me distrair, conversar, fazer alguma coisa... Não posso ficar pensando nisso." Então o alertei o quanto essa atitude era inadequada para com essas fantasias, esses pensamentos aparentemente aleatórios que rondam nossa mente. Ele deveria aceitá-los como seus, admiti-los, confirmar que possuía esses desejos. Assim, como meninos travessos, acabariam se sentindo compreendidos. Porém, isso não quer dizer que deveria obedecê-los. Teria que se dirigir a eles como a crianças, entendendo-as, mas se posicionando firmemente no sentido de não aplicá-los. Ele fica a par dos desejos, pensamentos e sentimentos, não os mandando para o porão do esquecimento, mas isso não quer dizer que concorda com eles, e que vai colocá-los em prática. A insistência em querer se distrair e não dar atenção a essas fantasias, deriva do medo em colocá-las em prática, sem consentimento prévio, sem controle. No mesmo momento em que passei a ele esse entendimento, percebi que ele o absorvera. Uma semana depois ele disse que os pesadelos haviam acabado. Na verdade, sonhou uma última vez com bois e vacas: eles se encontravam pastando tranquilamente, sem se dar conta da sua presença.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-F_v4e00bGrU/V1TRjSKlPdI/AAAAAAAAG18/CucDzSyK1FMND9a_fbP63Z4GZaCZ8fxFQCLcB/s1600/de%2Bjoelhos.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="215" src="https://1.bp.blogspot.com/-F_v4e00bGrU/V1TRjSKlPdI/AAAAAAAAG18/CucDzSyK1FMND9a_fbP63Z4GZaCZ8fxFQCLcB/s320/de%2Bjoelhos.jpg" width="320" /></a></div>
6 Tais conteúdos costumam nos assaltar justamente quando não estamos dispostos e alertas, mas <b>fatigados</b>, estressados. Então, não dispomos de suficiente energia para nos opor à manifestação deles em nossa mente desperta. O inconsciente sim, nesse momento, possui mais energia do que nosso eu.<br />
7 E não podemos dizer quando essa <b>situação mudará</b>, já que, em geral, não é possível prever o que a transformará.<br />
8 É como se ficássemos o tempo todo <b>de joelhos</b>, submissos, aguardando sermos agraciados com o acontecimento feliz que porá fim à penúria que nos faz sofrer.<br />
9 Nosso eu <b>não pode fazer nada</b>, só aguardar. É nessa condição que os religiosos dizem colocar suas vidas nas mãos de Deus. Ao nível psicológico, Deus é uma força transcendente, uma espécie de Eu maior, da qual deriva nosso pequeno eu. Uma pista desse simbolismo encontra-se na própria Bíblia, quando Deus disse a Moisés: "Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós" (Êxodo 3:14). [Vide os esclarecedores textos "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou'</a>" e "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>"].<br />
<br />
SER OU TER? EIS A QUESTÃO<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
10 Para que servem os anjos?</div>
<div style="text-align: justify;">
11 A felicidade mora aqui comigo</div>
<div style="text-align: justify;">
12 Até segunda ordem</div>
<div style="text-align: justify;">
13 Um outro agora vive minha vida</div>
<div style="text-align: justify;">
14 Sei o que ele sonha, pensa e sente</div>
<div style="text-align: justify;">
15 Não é por coincidência a minha indiferença</div>
<div style="text-align: justify;">
16 Sou uma cópia do que faço</div>
<div style="text-align: justify;">
17 O que temos é o que nos resta</div>
<div style="text-align: justify;">
18 E estamos querendo demais</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
10-12 Nessa estrofe Renato exalta a droga como substituta ou até <b>mais eficaz que os anjos</b>. "Para que servem estes se a droga está aqui comigo e me traz felicidade?". Anjos são mensageiros de Deus. Se não servem para mais para isso, talvez outro recurso os tenha substituído.<br />
<blockquote class="tr_bq">
as drogas possuem pelo menos dois efeitos típicos: um simbolizante, em que facilita a experiência simbólica, com a ativação do inconsciente; outro hipertrófico, alterando temporariamente a relação do ego com o superego. Os alucinógenos aproximam-se mais do primeiro pólo e o álcool do segundo, pois este não mostra uma relação tão direta e mais fácil com a experiência simbólica e imagética quanto aqueles. No entanto, embora as drogas alucinógenas prestem-se a uma facilitação da experiência simbólica, estas não são elaboradas, pois não estão inseridas em um contexto estruturante que acompanham e limitam o uso da droga. (ZOJA, 1992, <i>apud</i> <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/08/intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html" target="_blank">RESENDE, 2009</a>, p. 22)</blockquote>
Renato, certa época, utilizava heroína, cocaína e álcool (RUSSO, 2015, p. 40-41). Como as drogas psicotrópicas "abrem" o inconsciente ao indivíduo (<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/08/intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html" target="_blank">RESENDE, 2009</a>, p. 39), funcionam como seu porta-voz, justamente o papel dos anjos em relação aos homens e a Deus. Logo, estes perdem sua finalidade.<br />
E não só isso: provocam experiências transcendentes, numinosas, que podem levar o indivíduo a vivenciar e se identificar com o divino em si, o que momentaneamente é <b>intensamente prazeroso</b>, mas que o retira do mundo humano (<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/08/intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html" target="_blank">Idem</a>). Essa é a experiência de felicidade que o dependente tem nas mãos, bastando, para isso, que faça um "passe de mágica", isto é, ingira a droga.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-swwUkc2JMVs/V1TR_0PtgcI/AAAAAAAAG2E/zZS0qjSYlXsSgYpJwrmKVW-3PcwNPrmpwCLcB/s1600/v%25C3%25A1rios%2Beus.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-swwUkc2JMVs/V1TR_0PtgcI/AAAAAAAAG2E/zZS0qjSYlXsSgYpJwrmKVW-3PcwNPrmpwCLcB/s200/v%25C3%25A1rios%2Beus.jpg" width="200" /></a></div>
13-14 A experiência contínua de ser chamado por certo nome, a construção psicológica de um centro da consciência - o eu, assim como a continuidade da memória em relação ao que ocorreu conosco, a materialização ou identificação do eu com o corpo, e por várias outras razões, acabamos criando a ilusão de que nossa personalidade possui apenas um eu. Entretanto, todos os dias experimentamos pensamentos, sentimentos, emoções, sensações e lembranças que não queremos ter. São nossos <b>outros "eus"</b>, nossos complexos que habitam o inconsciente. Podemos percebê-los claramente nos nossos sonhos, na imagem de pessoas desconhecidas ou até conhecidas; neste caso, achamos que representam apenas as pessoas de nossas relações, do nosso cotidiano. Mas se atentarmos ao fato de que possuímos tão somente vagas impressões, imagens internas dessas pessoas, que correspondem sofregamente ao que quer que sejam na realidade, nos daremos conta que também essas imagens dizem respeito mais a nós, ou ao que essas pessoas representam para nós, do que a elas em si mesmas. Também fazem parte dos nossos complexos.<br />
E se somos psicológica e intensamente divididos, se rejeitamos essas nossas outras partes com forte medo ou ódio, uma droga só fará liberá-las, sem que estejamos preparados, sem que nosso eu trabalhe e interaja com esses complexos e aos poucos se transforme. É tudo muito rápido. <b>Um outro pode passar a viver a nossa vida</b>, com ou sem nosso consentimento. Podemos saber muito sobre esse outro ser, como conhecemos nossos pais, por exemplo. Porém, não prestamos maior atenção, como podemos fazer com os mais próximos.<br />
15 O dependente químico está conectado ao outro mundo, ao inconsciente, ao mundo dos mortos - ao que está morto para nós. Como não trava relações com seus outros internos, por despreparo, não desenvolve sua convivência com as pessoas de seu entorno. A <b>indiferença</b> o permeia tanto interna quanto externamente. Existe uma felicidade temporária devido à suspensão da tensão que a vigorosa divisão interna impõe. Só isso. A droga submerge o eu no inconsciente, colocando-o na companhia desse outro interior.<br />
16 O que faz acontece sem seu pleno conhecimento e controle. Daí Renato declarar ser uma cópia do que faz. Não há um eu ativo fazendo. Existe uma atuação, mas não do velho e conhecido eu. Suas ações advém dos complexos autônomos, e ele acha que é ele que faz. De qualquer forma, é mesmo o responsável, mesmo que faça sem querer, involuntariamente. Não podemos deixar de nos responsabilizar por nossos atos. No entanto, "não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero" (BÍBLIA, Epístola aos Romanos, 7, 19), disse Paulo. "<b>Sou uma cópia do que faço</b>"... As pessoas, e eu mesmo, me conhecem pelo que realizo. Acontecendo isso inconscientemente, sou simplesmente a xerox do que executo. O que faço pode ou não ser minha cópia, pois tenho vontade. Já o que é feito sem minhas faculdades críticas e direção, não tem um autor vivo, ativo, mas a cópia morta de um.<br />
17-18 Desnorteados, desorientados vivemos. Os dependentes de drogas são reflexo da nossa sociedade. <b>Só nos resta <i>ter</i></b>, já que não podemos mais <i>ser</i>. Ter a droga, a TV a cabo, a <i>Internet</i>, o celular, a conexão - não a relação. É a esquizofrenia coletiva, explícita nas obras de arte abstratas, nas contradições flagrantes de nossas vidas, seja coletiva ou individual. O poder de consumo é o maior valor, o <i>status</i>. Quanto mais temos, mais queremos. O planeta está ameaçado e, com ele, a humanidade. Não conseguimos parar de consumir. O crescimento econômico é O objetivo. Não podemos melhorar o que já temos? Vamos nos render ao câncer econômico? Só nos resta ter.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
MEU BEM, MEU MAL<br />
<br />
19 Minha papoula da Índia</div>
<div style="text-align: justify;">
20 Minha flor da Tailândia</div>
<div style="text-align: justify;">
21 És o que tenho de suave</div>
<div style="text-align: justify;">
22 E me fazes tão mal<br />
<br />
19-22 Carinhosamente, <b>o cantor exalta, como de sua propriedade,</b> àquela que o serve, que é como um anjo, que está sempre à mão a obedecer à ordem de doar felicidade, que relaxa a tensão e desobstrui o acesso ao inconsciente. A droga suaviza nosso confronto com o que há de pesado, denso e cansativo em nossa alma. O sentimento de pesar corresponde à mágoa, ao desgosto, à culpa. Mas a droga coloca nossos opostos, nossos antagonismos, juntos, sem muito trabalho. O casamento é efetuado, mas os noivos são de culturas muito diferentes e não namoraram antes. Daí a droga <b>fazer tão mal</b>, pois pode originar, além da dependência, graves doenças mentais.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-AAJcVNyjFbM/V0ECkBkQScI/AAAAAAAAGvI/88jKMgHO4MgvH2rwq486fZ7IMoSTPW00wCLcB/s1600/sombra%2Bmonstro%2Bdo%2Bhomem.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-AAJcVNyjFbM/V0ECkBkQScI/AAAAAAAAGvI/88jKMgHO4MgvH2rwq486fZ7IMoSTPW00wCLcB/s320/sombra%2Bmonstro%2Bdo%2Bhomem.png" width="320" /></a></div>
Para Nietzsche (2010, p. 149, 40), o espírito do Pesadume, da gravidade, do fardo e da tristeza, é representado pelo Diabo. Este é aquele que desce, que coloca obstáculos, e que é melancólico, sombrio e mórbido. Esse estado é causado pela cisão na personalidade, pela violenta separação, na psique, entre o eu e o inconsciente. Como já dito, a droga cancela temporariamente essa rachadura, transformando o pesado em leve. Daí sua característica <b>suave</b>. Interessante é Cristo afirmar que "o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (BÍBLIA, Mateus 11, 30). Não que o autor queira comparar conscientemente a droga a Deus, mas tal é seu poder sobre o dependente - já que este se fez uma cópia do ato de se dopar - que este atribui virtudes divinas à substância. E chega mesmo a substituí-lo.<br />
Quando de sua estada na clínica de recuperação, Renato se incomodava com o uso constante da palavra "Deus" pelos responsáveis pelo tratamento, pois o "Poder Superior" ainda era uma área de dúvida e incerteza (RUSSO, 2015, p. 39 e 113). Isso não quer dizer que ateus sempre se drogam. Por definição, Deus é o valor maior, psicologicamente. Se a ideia de Deus não é a mais cara a alguém, certamente outra coisa o será: um líder, a ciência, a própria religião, ou até mesmo o dinheiro.<br />
A dependência de drogas faz, lógico que de maneira inconsciente, as vezes de uma experiência religiosa para o homem comum. Com ela, pode-se vivenciar o numinoso, o divino. Por isso, qualquer outra experiência perde a importância e a pessoa se volta para a droga. Os deuses falam com o indivíduo sem a intermediação de um rito ou do compartilhamento da experiência com um grupo, matando paulatinamente sua relação com o mundo. "Deus é poderoso demais para ser olhado no rosto. Caímos assim na experiência que São Paulo chama de 'terrível'. Sem observá-lo de uma distância respeitosa e prudente, caímos, sem mediações, 'nas mãos do Deus vivo': a sua luz e a sua potência nos queimam." (ZOJA, 1992, p. 122). Assim, o que antes o homem experienciava no âmbito de uma religião, mito ou ritual, devidamente protegido pela estrutura das crenças e sem exposição repentina ao inconsciente, agora o faz com as drogas, quando quer, aonde quer, sem muita espera. Tudo ocorre como ao toque do botão de um controle remoto.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O MAIOR MESTRE: O ERRO<br />
<br />
23 Existe um descontrole, que corrompe e cresce</div>
<div style="text-align: justify;">
24 Pode até ser, mas estou pronto para mais uma</div>
<div style="text-align: justify;">
25 O que é que desvirtua e ensina?</div>
<div style="text-align: justify;">
26 O que fizemos de nossas próprias vidas</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-aoJ2Q52oT7E/V1TS1RzaPoI/AAAAAAAAG2U/uH17UD5VxE8m3-MHA_lCcvFooDqbZUqogCLcB/s1600/cigarro.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="314" src="https://4.bp.blogspot.com/-aoJ2Q52oT7E/V1TS1RzaPoI/AAAAAAAAG2U/uH17UD5VxE8m3-MHA_lCcvFooDqbZUqogCLcB/s320/cigarro.png" width="320" /></a></div>
23-24 O <b>descontrole</b> é por conta do inconsciente, cuja natureza é não ser direcionado, governado, mas sim ser instintivo, espontâneo, isento de leis, mesmo as que controlam o espaço e o tempo. A maior expressão disso são os sonhos, nos quais podemos desaparecer de um local e aparecer em outro, as cenas mudam sem que estranhemos nada, ou nos localizamos no passado remoto ou num futuro longínquo sem que de nada desconfiemos. O problema maior é o dependente procurar se ater a essas características do inconsciente, usando a droga para isso. Ele não consegue perceber que a vida, a realidade, se passa no aqui e agora, junto ao pequeno eu referido na apreciação ao verso 9. O inconsciente tem muito poder, mas precisa que nossa personalidade consciente o canalize para o mundo externo para que possa se materializar de forma estruturada, criativa e genial. Usar os entorpecentes para se vincular ao inconsciente apenas para experienciá-lo passivamente é se perder, como o astronauta que, ao se desconectar de sua espaçonave, único remanescente da realidade terrena, é jogado ao espaço sideral. Basta lembrar do filme <a href="https://www.youtube.com/watch?v=46FXVu9foqo" target="_blank">Gravidade</a>, em que isso ocorre com a heroína.<br />
Infelizmente, o drogado <b>se corrompe cada vez mais intensamente</b>. Essa "corrupção" é semelhante à que acontece com certos políticos nos tempos atuais. Estes pensam, de modo equívoco, que estão no controle pleno de suas faculdade mentais. Mal sabem que estão se deixando enganar por seu lado sombrio, assumindo-o, enquanto esse aspecto se imiscui sorrateira e lentamente em suas consciências mal educadas. Um breve exemplo pode explicar melhor do que mil palavras.<br />
D, cuja família já havia tentado inúmeras vezes convencê-lo a deixar o vício das drogas, e desta vez prometeu que iria se empenhar em abandoná-lo, sonhou que estava para atravessar uma ponte em direção à sua mãe de criação, do outro lado. Ele e seu companheiro desconhecido foram até o meio da ponte, quando este mergulhou no rio. O sonhador então o seguiu. Percebi logo que, ao contrário de sua decisão consciente, seu inconsciente expressava que ele preferia seguir certo personagem interior estranho, provavelmente sua sombra, ao invés de ir ao encontro das expectativas maternas. Foi o que aconteceu. É essa espécie de insinuação que "corrompe e cresce" em todos nós, caso não estejamos dispostos a tomar consciência dos fatores inconscientes por trás de nossas pretensas intenções.<br />
Uma vez identificados com essas figuras sombrias, não nos importamos se são ou não suspeitas, pois já as assumimos como nós mesmos. Estaremos apenas prontos para seguir os impulsos correspondentes.<br />
25-26 Aqui Renato parece questionar no verso 25 e responder logo após, no 26. Assim, é como se ele declarasse: "<b>o que fizemos de nossas vidas desvirtua e ensina</b>". Nossa evolução psicológica, nossa individuação - o processo de tornar-nos quem somos em essência - depende quase inteiramente do nosso confronto com os erros do que com os acertos. São os erros que nos desvirtuam, porque nos fazem cair, nos confundir e nos enganar. Por outro lado, eles ensinam muito mais do que os acertos, uma vez que estes apenas confirmam o caminho que trilhamos, enquanto aqueles corrigem nossa rota completamente. Mas qual o papel desses dois versos no contexto da presente estrofe?<br />
Esse desenvolvimento que citei apenas toma lugar com o lento processo de "prega/desprega", isto é, de se identificar e se desidentificar com as figuras e habilidades que compõem nossa psique. Edinger (1992, p. 24ss) descreve esses ciclos em termos de reunião/separação ou inflação/alienação do eu com a totalidade da psique, cuja representação é chamada Si-mesmo. Nesse processo, o eu aprende a diferenciar os conteúdos da psique da consciência em si, e a perceber que não é nada e coisa alguma é sua, de tudo o que manifesta em seu ser. Tudo pertence a algo que transcende nossos limites estreitos de conhecimento - o Si-mesmo. (Aqui remeto novamente o leitor aos textos que indiquei no comentário ao verso 9)<br />
<div>
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-kCu4r5ckfVM/VZOuLPcJ95I/AAAAAAAAEgM/LURp79dRjqEaMGPjaCRe9ugwFOnoBL1TgCKgB/s1600/PENSAMENTO%2BX%2BSENTIMENTO.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="137" src="https://3.bp.blogspot.com/-kCu4r5ckfVM/VZOuLPcJ95I/AAAAAAAAEgM/LURp79dRjqEaMGPjaCRe9ugwFOnoBL1TgCKgB/s320/PENSAMENTO%2BX%2BSENTIMENTO.jpg" width="320" /></a></div>
CONSCIÊNCIA E OPOSIÇÃO<br />
<br />
27 O mecanismo da amizade,</div>
<div style="text-align: justify;">
28 A matemática dos amantes</div>
<div style="text-align: justify;">
29 Agora só artesanato:</div>
<div style="text-align: justify;">
30 O resto são escombros<br />
<br />
27-30 O que há de comum <b>na amizade e nos amantes</b>, e que é ao mesmo tempo mecanismo e matemática? Ora, amizade e amor são sentimentos, mas mecanismo e matemática se referem ao raciocínio, ao encadeamento de ideias. Como costuma fazer em várias outras letras, aqui o cantor parece tentar unir opostos: a lógica à emoção, o estudo intelectual ao sentimento. Da mesma forma, ele pode estar aludindo ao conflito de elementos da psique que somam, subtraem, dividem e multiplicam, já que o "amor sem conflitos torna-se prontamente tédio e indiferença, porque falta o desafio necessário ao crescimento. O amor não é a paz estática, mas o ativo envolvimento com e contra o outro" (WHITMONT, 1991, p. 43). Também pode estar se referindo à criação de um novo elemento, produto da amizade e do amor, resultado matemático e mecânico, totalmente esperado - o vínculo, o relacionamento. Assim, se identificando e se separando, apelando ao raciocínio e à emoção, tomamos parte dos dois lados sem pertencer a nenhum. É uma síntese completamente criativa, daí o artesanato. O que foge disso é entulho, restos não aproveitáveis. Essa espécie de fecundidade, criadora de relacionamentos intra a extrapessoais, é a chave para a cura da dependência psíquica da droga. (Leia mais a respeito, clicando <a href="http://www.brasilpost.com.br/johann-hari/descoberta-a-provavel-cau_b_7597010.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004" target="_blank">aqui</a>)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
MORRER PARA VIVER<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
31 Mas, é claro que não vamos lhe fazer mal</div>
<div style="text-align: justify;">
32 Nem é por isso que estamos aqui</div>
<div style="text-align: justify;">
33 Cada criança com seu próprio canivete</div>
<div style="text-align: justify;">
34 Cada líder com seu próprio 38<br />
<br />
31-34 As contradições voltam nesta estrofe. Renato muda o discurso da primeira pessoa do singular para a primeira do plural. A psicologia aqui é coletiva. Um grupo se dirige ao cantor, afirmando que <b>não fará nada de mal</b>. <b>Não é para isso que estão ali</b>. Mas para que então, se cada criança está com um canivete e cada líder com um 38? O grupo está armado para fazer o bem ao indivíduo? Esse bem seria a morte? É como se o autor se sentisse ameaçado pelo inconsciente coletivo, na forma de seus vários complexos. O eu de Renato deve morrer para que possa nascer outro.<br />
As fantasias de morte predominam em pessoas de todas as idades. Elas expressam a necessidade de se provocar mudanças radicais na vida, justamente num momento em que o eu se sente bloqueado contra um mundo percebido como inflexível (MINDELL, 1989, p. 74).<br />
Tudo indica que o cantor chegou a um limite nesse momento. É o ponto de mutação que é confirmado na última estrofe. Ele deve se transformar, deixar morrer o que não deve mais continuar para o bem de toda a personalidade. Armas normalmente simbolizam conflitos, os quais foram já pontuados anteriormente. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (1990, p. 81), <b>o canivete e o revólver</b> são amas associadas ao elemento fogo. Este, por sua vez, quando presente nos sonhos, de maneira destrutiva, tem sentido de perigo. Costuma apontar para paixões destrutivas, dependência sexual ou ideias fortes e fanáticas (<span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 16px; line-height: 18.4px;">HARNISCH, 1999, p. 69)</span>. Ao que tudo indica, essas emoções intimidam Renato para seu próprio bem. Afinal, ele corria risco de saúde física e psíquica, de destruir seus relacionamentos mais íntimos e sua carreira profissional.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-eDOWjppEP3A/V1U_PXAdR8I/AAAAAAAAG20/Ldpz4BqoPK8jer_j543yg6ZN7bcAIMYpQCLcB/s1600/milho%2Bem%2Bpipoca.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="164" src="https://4.bp.blogspot.com/-eDOWjppEP3A/V1U_PXAdR8I/AAAAAAAAG20/Ldpz4BqoPK8jer_j543yg6ZN7bcAIMYpQCLcB/s200/milho%2Bem%2Bpipoca.jpg" width="200" /></a></div>
A figura da <b>criança</b> surge da tensão entre os contrários (JUNG, 1990b, §59). Reflete a experiência de algo novo na vida, que é sentido pelo cantor como ameaçador. A maioria das pessoas se sente em perigo frente ao novo e também estranho, pois este exige toda uma nova adaptação, demandando trabalho duro e desconforto iniciais. O conhecido é bem mais cômodo: é nossa zona de conforto. Mudanças são muito trabalhosas.<br />
Os versos 33 e 34 levam a crer que indicam uma transição da criança armada de canivete para o líder com o 38. A criança usa apenas um canivete, que não deixa de ser perigoso, mas é muito menos letal que o revólver nas mãos de um adulto. Essa situação lembra o verso 23: "Existe um descontrole, que corrompe e cresce". Aqui a ameaça é bem maior do que em versos anteriores. É o auge do drama apreciado até este momento.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O PONTO DE MUTAÇÃO<br />
<br />
35 Minha papoula da Índia</div>
<div style="text-align: justify;">
36 Minha flor da Tailândia<br />
37 Chega, vou mudar a minha vida</div>
<div style="text-align: justify;">
38 Deixa o copo encher até a borda</div>
<div style="text-align: justify;">
39 Que eu quero um dia de sol</div>
<div style="text-align: justify;">
40 E um (Num) copo d'água<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
35-36 Neste ponto volta a apreciação dos versos 19 ao 22, com toda a simbologia do pesaroso, do Diabo, que também é um ser ígneo, referência ao fogo dos versos anteriores. O ciclo se repete.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
37-38 A tensão alcança um pico, provocando uma decisão por parte do eu. Finalmente Renato deve resolver mudar consciente e ponderadamente. Depois de vários ciclos de repetição de situações, de resistências, de intensificação da energia do inconsciente, com crescente intimidação. <b>O copo enche até a borda</b> e não há outra saída. Ao contrário do que expressa no verso 24, ele agora não está pronto pra mais uma: chega! O cantor se cansou e esgotou todas as suas energias no modo como levava sua vida. Precisou ampliar ou amplificar sua vivência com as drogas ao limite de suas forças para, talvez, perceber-se mais nitidamente. Tal era a distância que se encontrava de si mesmo, que não conseguia se conectar com o que precisava experienciar. Necessitava encarar a morte, o fim de tudo, o ponto de transformação. Também isso foi o que buscou Thomas Mann ao escrever a obra homônima.<br />
É interessante que Renato cite o copo duas vezes, nos versos 38 e 40. No 38, não deixa explícito o conteúdo do copo; certamente se refere às experiências com entorpecentes em confronto com seu estado emocional, de saúde, familiar e profissional. <b>Deixa o copo ficar pleno</b>, chegar ao fundo do poço, <b>que aí só resta transbordar</b>. Esse estado em que o copo fica cheio é semelhante ao conceito de amplificação em psicologia. Amplificar as sensações de um sintoma, associar ideias a um símbolo ou uma imagem, até que consigamos vislumbrar um raio de luz, um sentido para o desconhecido. Corresponde à ideia homeopática de que o “veneno” cura a si mesmo. A vacina segue o mesmo princípio, com a aplicação do soro, que é o veneno enfraquecido. A terapia de Carl Rogers também, ao descobrir que a simples repetição do que alguém diz aumenta imensamente sua conscientização. Na interpretação de sonhos, se se repetir várias vezes um certo sonho ao sonhador, este com frequência passa a entender espontaneamente vários aspectos da mensagem onírica. O terapeuta da Gestalt amplifica o sonho quando pede que o sonhador imagine se tornar uma figura de seu sonho. Jung amplifica os sonhos por meio de associações pessoais, da mitologia, da imaginação e de informações científicas (MINDELL, 1989, p. 80). Deixar o copo encher, amplificar o que se vivencia até que se transborde, até que haja mais que uma simples satisfação: a compreensão, a iluminação.<br />
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<a href="https://4.bp.blogspot.com/-vxSoLJ7Y2G8/V1VAzbYM-oI/AAAAAAAAG3M/QBt7nW-_WGYtpyReBdOY5iNXrmFONK6xgCLcB/s1600/sangue%2Bde%2Bcristo%2Bno%2Bgraal_phixr.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-vxSoLJ7Y2G8/V1VAzbYM-oI/AAAAAAAAG3M/QBt7nW-_WGYtpyReBdOY5iNXrmFONK6xgCLcB/s320/sangue%2Bde%2Bcristo%2Bno%2Bgraal_phixr.jpg" width="243" /></a></div>
O simbolismo do <b>copo</b> é o mesmo da taça e do cálice. O Graal, a taça que recolheu o sangue de Cristo, por exemplo, corresponde ao coração. Por isso o naipe de copas (copo) é um coração. Portanto, os cálices que contém o corpo e o sangue de Cristo possuem sentido análogo ao Graal. As taças, destinadas ao rito da comunhão, que realiza a participação virtual no sacrifício e na união extática, pode ser encontrado em diversas tradições e na China antiga. É um rito de agregação, de união no sangue, como a que ocorre nas sociedades secretas. Beber da mesma taça, ou trocá-las, é um rito de casamento praticado no extremo oriente e no Japão, respectivamente (<span style="text-align: start;">CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 858s).</span><br />
A taça representa também o destino do homem, na Bíblia. "O homem recebe da mão de Deus o seu destino como uma copa ou como contido numa copa". Veja-se as expressões: "taça transbordante de bênçãos" (Salmos, 25, 5); "taça do fogo do castigo divino" (Salmos, 11, 6); ou o "cálice do vinho do furor da sua ira" (Apocalipse, 16, 19). O instrumento que Deus se serve para castigar é comparável a uma taça (Jeremias, 51, 7; Zacarias 12, 2). Jesus fala do cálice que estava para beber (Mateus 20, 22s) e pede que o Pai o afaste (Mateus 26, 39), corroborando o sentido de destino que Deus propõe (<span style="text-align: start;">CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 858s).</span><br />
<span style="text-align: start;"> Assim, é como se o cantor falasse do <b>copo encher até a borda</b> tanto no sentido da comunhão com a "minha" droga, de se enfastiar, se fartar, de estar satisfeito com a experiência e o sofrimento vividos na dependência, como no aspecto de haver completado seu destino com relação ao seu período como drogadicto.</span><br />
39-40 Aqui termina o drama descrito ao longo da letra da canção. O <b>dia de sol</b> que Renato quer é uma situação similar à que já aludi na apreciação da primeira estrofe, quando escrevi que o autoconhecimento é semelhante a uma corda estendida a um indivíduo no fundo de um poço escuro e fechado, na qual ele pode se içar à liberdade e à claridade.<br />
De acordo com Mindell (1989, p. 86), luz e água estão associadas a experiências de cura. A <b>água</b> indica energia livre e fluente, que limpa o corpo destravando o egotismo e as tensões consequentes. A luz simboliza a consciência. A luz do sol tem natureza divina e cósmica, enquanto a que emana de lâmpada, lamparina, lampiões, etc., representa a consciência à mão, sob controle do ser humano. Portanto, o autor deseja alcançar o estado de um dia de consciência plena e sublime, em conjunção com a água.<br />
<div>
Os sonhos de <b>água</b> frequentemente indicam experiências de renascimento (basta lembrar que o batismo era largamente usado nas escolas iniciáticas da antiguidade e também no Cristianismo, com esse significado). Na Índia acredita-se que a falta de fluidez é responsável pela artrite, a impotência e a pele seca. Na Antiguidade existiam poços de cura na Europa, associados aos espíritos pagãos da água e aos deuses antigos que cria-se ter a propriedade de curar crianças doentes, renovar forças, curar úlceras e artrites. Considerando-se que as propriedades da água, as doenças que cura devem caracterizar a rigidez. Ela é medicamento contra o enrijecimento da intuição, da mobilidade física e do sentimento (Ibid., p. 86-89). Segundo essas menções, a condição do cantor é de rigidez, de unilateralidade que resulta na dependência de entorpecentes.</div>
<div>
Existe uma contradição quanto a se o último verso escreve "<b>E um copo d'água</b>" ou "<b>Num copo d'água</b>". O primeiro caso possui uma conotação mais positiva, denotando que o cantor deseja as duas condições simbolizadas pela água e pelo sol. O segundo caso pode levar a uma previsão mais sombria. É como se a consciência desejada tivesse que estar imersa em um copo d'água. E a água também simboliza as emoções, o inconsciente. Assim, todo o drama vivido até este ponto parece voltar ao início, e se transforma em um ciclo, uma repetição. Não seria uma espiral ascendente que, apesar de repetir os ciclos, o faz em níveis cada vez mais elevados, mais de acordo com o primeiro caso. Portanto, o ciclo da segunda hipótese do verso só terminaria com a morte, o que de fato ocorreu.</div>
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<a href="https://3.bp.blogspot.com/-m-WUujIZW1s/V1VBS0sr9VI/AAAAAAAAG3U/4ZneFivxFOkIGHZ3sdJwdaXo1lcxYNcuACLcB/s1600/piramide_queops_egito.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://3.bp.blogspot.com/-m-WUujIZW1s/V1VBS0sr9VI/AAAAAAAAG3U/4ZneFivxFOkIGHZ3sdJwdaXo1lcxYNcuACLcB/s320/piramide_queops_egito.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
MÁGICA OU SAGRADA? - CONCLUSÃO<br />
<br />
Gostaria apenas de complementar o significado de "A Montanha Mágica", já aludida na introdução. A <b>montanha</b> figura, juntamente com a coluna, a escada, a árvore e o cipó, como "eixo do mundo (<i>Axis Mundi</i>), centro ou umbigo do mundo, que permite a passagem de uma região cósmica a outra (do céu à terra e vice-versa; da terra ao mundo inferior). Exemplos desse tipo de montanha é "Meru, na Índia, de Haraberezaiti, no Irã, da montanha mítica 'Monte dos Países', na Mesopotâmia, de Gerizim, na Palestina, que se chamava aliás 'Umbigo da Terra'." A montanha toca o céu e marca o ponto mais alto do mundo. Os templos são réplicas da montanha cósmica, e por isso são também ligação entre o céu e a terra. Testemunhos disso são os nomes dos templos babilônicos: "Monte da Casa", "Casa do Monte de todas as Terras", "Monte das Tempestades", "Ligação entre o Céu e a Terra", etc. O Zigurate era a Montanha Cósmica: sete andares eram os céus planetários - subindo-os, o sacerdote ascendia ao cume do Universo. O templo de Barabudur, em Java, considerado uma montanha artificial, também pode ser explicado por esse simbolismo. "Sua escalada equivale a uma viagem extática ao Centro do Mundo; atingindo o terraço superior, o peregrino realiza a ruptura de nível; penetra numa 'região pura', que transcende o mundo profano" (ELIADE, 1992, p. 25-26).<br />
A <b>montanha</b> exprime estabilidade, imutabilidade e, às vezes, até mesmo a pureza. Segundo os sumérios ela é a massa primordial, o Ovo do mundo. É representada graficamente pelo triângulo reto. Ela é o lugar dos deuses e sua ascensão é um meio de entrar em contato com a Divindade, um retorno ao Princípio.<br />
<blockquote class="tr_bq">
Moisés recebeu as Tábuas da Lei no pico do Sinai; [...] os imortais taoistas elevavam-se ao Céu do pico de uma montanha e as mensagens destinadas ao Céu eram colocadas nesse pico. As montanhsa axiais mais conhecidas são o Meru, para a Índia, o Kuen-luen, para a China [...]; o Fuji-Yama, cua ascensão ritual necessita de uma purificação anterior; o Olimpo grego; o Alborj persa; a montanha dos países na Mesopotâmia; o Garizim samaritano; o Moriah maçônico; o Elbruz e o Thabor (de uma raiz que significa umbigo); a ka'ba de Meca; o Montsalvat do Graal e a Montanha de Qaf do Islã; a montanha branca celta; o Potala tibetano, etc. (<span style="text-align: start;">CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 616).</span></blockquote>
Entretanto, "A Montanha Mágica" de Renato e de Mann contrapõe-se à Montanha Cósmica ou Sagrada das tradições religiosas e mitológicas, no sentido de que "mágico" também tem conotação de ilusão e prestidigitação. Ora, como aludido anteriormente, há muito tempo atrás as drogas serviam à espiritualidade e conduziam a consciência por meio de rituais e crenças bem estruturados. Nesse sentido, seu uso equivalia à uma escalada "santa" e "venerável". Já o uso que se faz atualmente delas é análogo à apresentação de um mágico, à tirada de um pombo da cartola, uma vez que serve a um logro da alma, a um devaneio sem sentido, como uma anestesia à percepção da cruel realidade, um dopping da vida. O drogado serve à morte e torna-se um vivo-morto, um zumbi que, apesar de cultuar Hades, pretende adentrar o Olimpo; encontra-se literalmente no inferno, mas sonha com o céu. A mágica reflete a noção atual de sagrado como espetáculo, como <i>show</i> de efeitos especiais e pirotécnicos. É a decadência do divino no homem e sua compensação no culto à matéria pela ciência.<br />
Renato Russo, a seu modo especial, expressou necessidades humanas essenciais. Usou, para isso, de figuras poéticas, algumas vezes incompreensíveis, como nesta canção. Suas letras representam sua vida e a de seu povo. Se muitas pessoas não passam pelo mundo das drogas, como ele, isso não quer dizer que não sofrem das mesmas angústias e problemas, das mesmas questões, de preconceitos similares. O problema é, a par de todas essas condições, que resposta podemos dar ao mundo. Ele respondeu com suas criações, que o transformaram em um mito para várias gerações à frente. Renato foi um gênio criativo brasileiro de letras e melodias, ferramentas de consciência.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "times new roman"; text-align: center;">(Leia mais a respeito: "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" style="font-family: 'times new roman'; text-align: center;" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou'</a><span style="font-family: "times new roman"; text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" style="font-family: 'times new roman'; text-align: center;" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a><span style="font-family: "times new roman"; text-align: center;">", "</span><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" style="font-family: 'times new roman'; text-align: center;" target="_blank">Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)</a><span style="font-family: "times new roman"; text-align: center;">", "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/a-solidao-e-o-trabalho-com-o.html" style="font-family: 'times new roman'; text-align: center;" target="_blank">A solidão e o trabalho com o inconsciente</a><span style="font-family: "times new roman"; text-align: center;">")</span></div>
<br />
<div style="text-align: center;">
</div>
<br />
<div style="-webkit-text-stroke-width: 0px; color: black; font-family: 'Times New Roman'; font-size: medium; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: normal; margin: 0px; orphans: auto; text-align: start; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 1; word-spacing: 0px;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: center;">
<b><br /></b>
<b>REFERÊNCIAS</b></div>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><br /></span></span>
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">BÍBLIA.
Português. </span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>A
bíblia de Jerusalém</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
Tradução de Domingos Zamagna. São Paulo: Paulinas, 1985.</span></span><br />
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. <b>Dicionário de símbolos</b>. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.<br />
EDINGER, Edward F. <b>Ego e arquétipo</b>. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1992.<br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">ELIADE, Mircea. <b>O sagrado e o profano</b>. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">HARNISCH, Günter. <b>Léxico dos sonhos</b> – mais de 1500 símbolos oníricos de A a Z interpretados à luz da psicologia. Petrópolis: Vozes, 1999.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">JUNG, Carl G.
</span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>Aion
– Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990b. vol. IX/2.</span></span></span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">MINDELL, Arnold. <b>O corpo onírico</b>: o papel do corpo no revelar do si-mesmo. São Paulo: Summus, 1989.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">NIETZSCHE,
Friedrich. </span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>Assim
falava Zaratustra</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.</span></span><br />
<div class="western" style="line-height: 115%; margin-bottom: 0.4cm; orphans: 0; widows: 0;">
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">RESENDE,
Charles Alberto. </span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>A
intuição e a sensação em dependentes de drogas na perspectiva da
psicologia analítica</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Departamento de
Psicologia, Universidade de Taubaté, Taubaté, 2009. Disponível em <</span></span><span style="color: blue; line-height: 115%;"><u><span style="font-family: "times new roman" , serif;"><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/08/intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html">http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/08/intuicao-e-sensacao-em-dependentes-de.html</a></span></u></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">> Acesso em: 14 maio 2016, 20:00:00.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">RUSSO,
Renato. </span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>Só
por hoje e para sempre</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.</span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif;"><span style="font-size: 12pt;"> </span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif;"><span style="font-size: 12pt;">VON FRANZ, Marie-Louise. <b>O asno de ouro</b>: o romance de Lúcio Apuleio na perspectiva da psicologia analítica junguiana. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif;"><span style="font-size: 12pt;">WHITMONT, Edward C.
</span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif;"><span style="font-size: 12pt;"><b>O
retorno </b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;"><b>da deusa</b></span></span><span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">.
1. ed. São Paulo: Summus, 1991.</span></span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt;">WIKIPEDIA. Disponível em <<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Montanha_M%C3%A1gica">https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Montanha_Mágica</a>>. Acesso em 4 jun. 16.</span></span></div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-78552565903420833722016-03-26T18:22:00.000-03:002016-08-14T20:12:09.285-03:00O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem (Parte 2)<div style="text-align: justify;">
<b>(Leia a </b><b><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" target="_blank">Parte 1</a></b><b>)</b><br />
<b><br /></b>
<b>A NOMEAÇÃO DA LUZ E DAS TREVAS, A CRIAÇÃO DO MUNDO E DO PARAÍSO</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O <b><u>Paraíso</u></b> é um estado em que todas as nossas necessidades físicas e psicológicas são prontamente satisfeitas. É o que normalmente ocorre no relacionamento mãe/bebê. A criança vive no paraíso provido pelos pais. Com acesso livre ao inconsciente coletivo, a criança contata principalmente o arquétipo do Si-mesmo, totalidade e potencialidade do ser humano, princípio de organização e gerenciamento da personalidade, simbolizado por além de imagens divinas, figuras espirituais, certas formas geométricas e objetos mágicos. Como não diferencia precisamente o que se encontra em seu interior do que se localiza exteriormente, percebe seus pais e o Si-mesmo como um mesmo ser, responsáveis por prover e gerenciar sua vida física e afetiva. Assim, seus pais são vivenciados como se deuses fossem – tudo podem e tudo conhecem. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Percebemos que o Gênesis descreve o ato de criação por Deus como efetuado pela palavra, pela separação de opostos e pela nomeação. O quadro abaixo ilustra claramente isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<table cellpadding="4" cellspacing="0" style="width: 643px;">
<colgroup><col width="51"></col>
<col width="196"></col>
<col width="136"></col>
<col width="226"></col>
</colgroup><tbody>
<tr valign="top">
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: 1px solid #000000; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0.1cm;" width="51"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;"><b>DIA</b></span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: 1px solid #000000; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0.1cm;" width="196"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;"><b>PALAVRA</b></span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: 1px solid #000000; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0.1cm;" width="136"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;"><b>SEPARAÇÃO</b></span></span></div>
</td>
<td style="border: 1px solid #000000; padding: 0.1cm;" width="226"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;"><b>NOMEAÇÃO</b></span></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="51"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">1º</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="196"><div align="justify">
“<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Haja
luz!”</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="136"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Luz
e trevas</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: 1px solid #000000; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0.1cm; padding-top: 0cm;" width="226"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Dia
e noite</span></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="51"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">2º</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="196"><div align="justify">
“<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Haja
um firmamento...”</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="136"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Águas
das águas</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: 1px solid #000000; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0.1cm; padding-top: 0cm;" width="226"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Céu</span></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="51"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">3º</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="196"><div align="justify">
“<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">...que
apareça o continente.”</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="136"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Continente
e águas</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: 1px solid #000000; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0.1cm; padding-top: 0cm;" width="226"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Terra
e mares</span></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="51"><div align="center">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">4º</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="196"><div align="justify">
“<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Que
haja luzeiros...”</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: none; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0cm; padding-top: 0cm;" width="136"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Luz
e trevas</span></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: 1px solid #000000; border-left: 1px solid #000000; border-right: 1px solid #000000; border-top: none; padding-bottom: 0.1cm; padding-left: 0.1cm; padding-right: 0.1cm; padding-top: 0cm;" width="226"><div align="justify">
<span style="font-family: "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 11pt;">Grande
luzeiro (Sol), pequeno luzeiro (Lua) e estrelas</span></span></div>
</td>
</tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-GyaTSEDTTnQ/VvbnfyM1W5I/AAAAAAAAGdE/Eivhh42VxfY8jXXh1Y5OWyNN926Ox3uCg/s1600/Cria%25C3%25A7%25C3%25A3o-do-Mundo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://4.bp.blogspot.com/-GyaTSEDTTnQ/VvbnfyM1W5I/AAAAAAAAGdE/Eivhh42VxfY8jXXh1Y5OWyNN926Ox3uCg/s320/Cria%25C3%25A7%25C3%25A3o-do-Mundo.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando conseguimos exprimir em palavras algo que sentimos, mas que ainda não havíamos conseguido expressar, nós avançamos na consciência desse conteúdo. É como se criássemos algo, como se alguma coisa ainda inexistente fosse criada. Em um processo de psicoterapia ou qualquer outro em que surgem <i>insights</i>, isso é facilmente percebido. No processo, descobrimos o que nos era inconsciente e conseguimos nomeá-lo, separamos a luz recém-percebida das trevas anteriores. Algo semelhante ocorreu após o nosso nascimento, e também com o homem primitivo, à medida que conseguia articular mais palavras e desenvolver sua consciência, mas isso de maneira muito mais lenta. Os passos da criação da Terra por Deus parece refletir esse desenvolvimento da consciência humana. É como se Deus, seu reflexo em nós, isto é, o Si-mesmo, estivesse criando a luz, separando-a das trevas, dividindo fatores psíquicos e nomeando fatores em nós que eram projetados no mundo externo. É a divisão que torna possível o conhecimento, pois lançar luz torna possível fazer com que as sombras realcem os objetos para que possamos vê-los. Tenhamos somente luz, ou somente sombras, e seremos ofuscados ou vendados.</div>
<div style="text-align: justify;">
<b><u>Nomear</u></b> objetos e pessoas é um processo importante para se lidar com o outro interna ou externamente. Como “outro” designo não apenas objetos, pessoas, animais, acontecimentos e atividades do mundo exterior, mas também sentimentos, pensamentos, sensações, <i>insights</i> e lembranças que surgem internamente em nossa consciência. A nomeação de animais é uma das primeiras ações de Adão que exige um mínimo de consciência, e é a base da abstração, da capacidade de se pensar sobre algo sem sua presença imediata. Nomeando, o Eu inicia o processo de sua separação do outro com quem interage, e de sua definição. Nessa condição inicial, onde a consciência ainda é muito precária, não possuímos ainda a carga da responsabilidade que o conhecimento nos dispensa. De início, não é nem Adão que dá nome, mas o próprio Deus. Isso pode refletir o estágio em que o homem primitivo e a criança atribuem nomes de maneira espontânea, não intencional. Não é o Eu que faz, mas algo no inconsciente, o seu modelador, seu projetor, o Si-mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>EVA COMO COSTELA DE ADÃO</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://2.bp.blogspot.com/-G-TOHHeZnm0/Vvbot2BhnTI/AAAAAAAAGdM/Mf9hbEnMcPIgErdljedDakKYt1GpPuvjg/s1600/criacao_adao_eva.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="222" src="https://2.bp.blogspot.com/-G-TOHHeZnm0/Vvbot2BhnTI/AAAAAAAAGdM/Mf9hbEnMcPIgErdljedDakKYt1GpPuvjg/s320/criacao_adao_eva.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Como Eva é criada a partir de uma costela de Adão, pode-se considerá-lo como possuindo ambos os sexos, um andrógino, para uma interpretação que faça justiça a ambos os sexos e princípios. Uma interpretação mais literal tenderá a interpretar a Bíblia tão somente do ponto de vista masculino, tornando a mulher um simples apêndice do homem.</div>
<div style="text-align: justify;">
É interessante que, nesse ponto, a Bíblia (Gênesis 2: 23-24) estabelece uma correspondência entre a criação da mulher a partir de Adão e o casamento, uma vez que Eva é agora osso dos seus ossos e carne da sua carne. Mais adiante, o primeiro livro da Bíblia sintetiza a criação do homem:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
1 Eis o livro da descendência de Adão: No dia em que Deus criou Adão, ele o fez à semelhança de Deus. 2 Homem e mulher ele os criou, abençoou-os e lhes deu o nome de "Homem", no dia em que foram criados. BÍBLIA (Gênesis 5)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
No dia em que Deus fez Adão, este era à semelhança de Deus, e homem e mulher Deus os criou. A Bíblia aqui se refere a Adão como duplo, homem e mulher. Logo, Deus não é masculino, nem feminino, mas contém os dois princípios. Além disso, deu a ambos o nome de “Homem”, ou seja, denominou-os “humanos”. Campbell (2008, p. 65) afirma que Adão, em hebraico, significa “terra”, provavelmente uma referência à sua origem, o barro. </div>
<div style="text-align: justify;">
A palavra “<b><u>costela</u></b>” (de onde Eva foi gerada) é uma tradução de Lutero da palavra judaica “tselah”, cuja raiz “tsel” significa “sombra” (DAHLKE e DETHLEFSEN, 2002, p. 61). Assim como psicologicamente o Eu possui uma sombra, que é a oposição dos seus atributos enraizada na sua própria origem (ver o texto “<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>”), o homem, na perspectiva da nossa cultura patriarcal, possui uma figura sombria, também estabelecida na sua criação – a mulher. Na verdade, convém antes afirmar que um é a sombra do outro. Mulher e homem formam um indivíduo original completo, cujos aspectos distintos são assim conhecidos. Na mitologia grega podemos encontrar uma divisão semelhante e esclarecedora.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O MITO DO ANDRÓGINO</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Brandão (1991, p. 34), se referindo a Platão, em sua obra “O Banquete”, explana que “andróguynos” (andrógino), é uma palavra composta de “andrós”, macho, "homem viril", e de “guyné”, fêmea, mulher. Segundo ele, em tempos antigos, a natureza do homem era diferente da que se vê hoje. Haviam três sexos: o masculino, o feminino e um terceiro, composto dos dois primeiros, da natureza de ambos. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-E5kShRozxHY/Vvbpgm4BG8I/AAAAAAAAGdQ/pxA3C0nREsI44yTrg46NYqOLsGx1poKRw/s1600/hermaphrodite-greek.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="287" src="https://1.bp.blogspot.com/-E5kShRozxHY/Vvbpgm4BG8I/AAAAAAAAGdQ/pxA3C0nREsI44yTrg46NYqOLsGx1poKRw/s320/hermaphrodite-greek.jpg" width="320" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Este ser especial formava um só elemento, com dorso e flancos circulares: possuía quatro mãos e quatro pernas; duas faces idênticas sobre um pescoço redondo; uma só cabeça para estas duas faces colocadas opostamente; era dotado de quatro orelhas, de dois órgãos dos dois sexos e o restante na mesma proporção. Para Platão, os três sexos se justificam pelo fato de o masculino proceder de Hélio (Sol); o feminino, de Géia (Terra) e o que provém dos dois origina-se de Selene (Lua), "a qual participa de ambos". (PLATÃO apud BRANDÃO, 1991, p. 34)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Esses seres esféricos tornaram-se robustos e audaciosos, e ameaçaram os deuses, tentando escalar o Olimpo. Face ao perigo iminente, Zeus cortou o andrógino em duas partes, e mandou seu filho Apolo curar as feridas e virar o rosto e o pescoço para o lado cindido, para que o ser humano, observando o umbigo, a marca do corte, se tornasse mais humilde, e, em consequência, menos perigoso. Assim, Zeus não só o enfraqueceu, pois passou a caminhar sobre duas pernas apenas, mas também tornou-o carente, porque as metades passaram a se buscar na outra oposta, numa ânsia nunca mais adormecida de se reunir para sempre. Essa seria, segundo Platão, a origem do amor, que tenta recompor a natureza primitiva, restaurando a antiga unidade. “É conveniente, porém, acrescentar que não havia tão-somente o andrógino, mas também duas outras 'fusões', igualmente separadas por Zeus, a saber, de mulher com mulher e de homem com homem, o que explica, no discurso de Aristófanes, o homossexualismo masculino e feminino.” (BRANDÃO, 1991, 34-35).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A SEDUÇÃO DA SERPENTE</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
Para um estudo simbólico mais aprofundado desse trecho, convém citar todo o texto referente ao assunto:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A queda — 1 A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher: "Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?" 2 A mulher respondeu à serpente: "Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. 3 Mas do fruto da <b>árvore que está no meio do jardim</b>, Deus disse: dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte." 4 A serpente disse então à mulher: "Não, não morrereis! 5 Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, <b>vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal</b>." 6 A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu. 7 Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram. (BÍBLIA, 1985, Gênesis 3)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Curiosamente o sistema nervoso é semelhante a uma <b><u>árvore</u></b> com muitos galhos e ramificações. Podemos dividir o sistema nervoso humano em duas formas principais, para os fins propostos deste texto: o voluntário, compreendido pelo sistema nervoso central (SNC), e o involuntário, o sistema nervoso autônomo (SNA). Este é responsável por todas as funções involuntárias do corpo, que envolvem acionamento automático dos órgãos, sistemas e hormônios, para manutenção da vida. O SNC promove o contato do corpo com o meio externo, sendo responsável pelo conhecimento, que implica, entre outras coisas, os cinco sentidos e outras impressões sensoriais. Esses sistemas nervosos são análogos à árvore do conhecimento do bem e do mal e à árvore da vida, respectivamente. </div>
<div style="text-align: justify;">
A primeira envolve os opostos bem e mal. Tomando do seu fruto passa-se a se conhecer uma parte em função da outra, pois uma se distingue em relação à oposta. Com isso, o ser humano fica apto a reconhecer a própria polaridade corporal: homem e mulher, vindo a cobrir sua vergonha. Toma-se partido do bem ou do mal em função do conceito que se tem de cada um, que nunca exclui o outro. Esse pode ser mais um motivo de a árvore se encontrar no meio, uma vez que não se localiza, no Paraíso, em nenhum ponto lateral, mas em lugar neutro.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-4j0dyH3xBaM/Vvbs7LSd8RI/AAAAAAAAGdg/E_YTgqd7gjgtgIHnorpC21q81qy0rKwhQ/s1600/adam-and-eve-expelled.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="209" src="https://1.bp.blogspot.com/-4j0dyH3xBaM/Vvbs7LSd8RI/AAAAAAAAGdg/E_YTgqd7gjgtgIHnorpC21q81qy0rKwhQ/s320/adam-and-eve-expelled.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Outro símbolo análogo à árvore proibida é a <b><u>espada flamejante</u></b> que impede o retorno ao Jardim do Éden. A espada e outros instrumentos cortantes que separam algo em dois são símbolos da análise, da discriminação, características da consciência. Esse aspecto reflete uma verdade psicológica: ao tomarmos conhecimento de algo, a inconsciência disso desaparece para sempre. A espada de fogo representa o conhecimento adquirido ao se comer do fruto da árvore, que também impede a volta ao paraíso da ignorância. O aumento do conhecimento traz inúmeras vantagens, mas é compensado por experiências dolorosas, sem as quais, talvez, não aprenderíamos. Esse é o significado dos ritos de iniciação, que deixam queimaduras e cicatrizes com o intuito de marcar a transposição para um estado de consciência mais elevado (KLUGER, 1999).</div>
<div style="text-align: justify;">
Existe aqui a proibição de se comer da árvore que se encontra no meio do jardim. Nota-se que todas as demais árvores rodeavam a árvore proibida, localizada no centro. Essa situação dá uma conotação de importância especial ao vegetal. Seu fruto é proibido. Porém, ela se encontra justamente no centro e não em um canto qualquer, escondida. Estabelece-se às claras, no caminho do cruzamento de um lado para outro do Éden. É uma situação de evidência, como se o Criador também quisesse induzir o casal à “queda”. Circunstância semelhante ocorreu quando Moisés tentava tirar os filhos de Israel do Egito e Deus endurecia o coração do Faraó para que não deixasse o povo partir (BÍBLIA, 1985, Êxodo 4, 21). Com Jó não foi diferente, pois o fez sofrer, sabendo que ele nunca o trairia. Apesar de os cristãos responsabilizarem o Diabo por tudo de mau que ocorre na vida, também sabem que o “inimigo” só possui poder na medida da permissão oferecida por Deus. Portanto, pode-se depreender disso que o homem tem uma ideia contraditória de Deus: este quer e ao mesmo tempo não quer que o homem o desobedeça. Por um lado o incentiva ao conhecimento; por outro, lamenta essa ousadia, que o homem queira ser como Ele. Não poderia ser diferente, uma vez que Deus reflete a totalidade de todos os aspectos encontrados no homem, já que este foi feito à sua imagem.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O PAPEL DO PECADO NO DESENVOLVIMENTO</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
Esse conceito de <b><u>Deus</u></b> como portador dos opostos <b><u>bem e mal</u></b>, como sujeito paradoxo, além de qualquer categoria, surgiu-me com um dos primeiros sonhos de que me lembro.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-y0rJ2kcteKs/VvbtlkwIsNI/AAAAAAAAGdo/qJAZvpfzwbgohGmIcS3sgYFWtsiXnPuOQ/s1600/O%2Bmedico%2Bdiabo%2B001.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://3.bp.blogspot.com/-y0rJ2kcteKs/VvbtlkwIsNI/AAAAAAAAGdo/qJAZvpfzwbgohGmIcS3sgYFWtsiXnPuOQ/s320/O%2Bmedico%2Bdiabo%2B001.jpg" width="286" /></a></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Estou em um quarto de hospital deitado numa cama e coberto com lençol branco. Jesus Cristo é meu médico. O Diabo entra no quarto e Jesus, com um gesto de mão (palma da mão direita para cima, apontando para o Diabo, à sua esquerda), passa-me aos seus cuidados de agora em diante. Parece que Cristo cansou de cuidar de mim (ou esgotou seus recursos). Acordo sobressaltado.</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Assinala-se que à época do sonho eu era católico, tinha aproximadamente sete anos e frequentava a Igreja Católica. Não me lembro dos acontecimentos da época, nem de minha situação afetiva. À primeira vista, pode parecer a um observador menos atento que eu tivesse cometido alguma travessura e a culpa me apareceu como Cristo desistindo de mim. Entretanto, os sonhos não são tão simples de interpretar, e devem ser levados em consideração como um todo. Sou retratado como um doente necessitado de cura, e Jesus, apesar de possuidor de grande poder, não consegue curar-me, e se encontra esgotado das tentativas que efetuara nesse sentido. E, por isso, me encaminha a outro “médico”, o Diabo, como se este tivesse algum tipo de poder diferente daquele atribuído a si. Parece representar uma espécie de “queda” do paraíso da infância, um marco em uma fase do meu amadurecimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
De certa forma, o sonho pareceu dizer-me que não pecar é ser doente, incompleto e corruptível. Quando não conhecemos o <b><u>pecado</u></b> não sabemos o que ele é, nem as suas consequências. Daí, quando inocentes, sermos também muito fáceis de cair em tentação, de errar. A salvação e a cura ocorrem somente depois do pecado e não antes. Nesse sentido, o sonho parece incentivar o pecado, pois até aquele ponto eu fora tratado apenas por Cristo, sem querer abandoná-lo. No entanto, dessa maneira, o desenvolvimento da psique, a individuação, não se inicia. É com o reconhecimento do erro que nos desenvolvemos. Digno de nota é o fato de Cristo ser censurado pelos fariseus quanto a ficar em companhia de pecadores e ele advertir: "17 […] 'Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores'" (BÍBLIA, 1985, Marcos 2). </div>
<div style="text-align: justify;">
Em outra ocasião, ele conta a parábola do fariseu e do publicano: </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
10 'Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. 11 O fariseu, de pé, orava interiormente deste modo: 'Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano; 12 jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos'. 13 O publicano, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: 'Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!' 14 Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado. </blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Jesus parece, aqui, recomendar a admissão do pecado, mesmo que a pessoa se ache limpa de qualquer mancha. Essa atitude é a mais adequada espiritual e também psicologicamente. Admitindo a possibilidade de que possa falhar, mesmo como os criminosos, nos mantemos vigilantes, ao contrário daqueles que se sentem muito seguros indevidamente, que caem em presunção, orgulho e altivez impróprios. O inconsciente, para equilibrar o sistema psíquico, induz aos erros mais inesperados, provocando a irritação e a ira, sintomas de que o sujeito se percebe em estatura muito acima da devida, donde a psicologia cunha o termo “inflação”.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-4Of4xvQO30I/Vvbw--lEvWI/AAAAAAAAGd4/uxmk9TB3tJYeSBgQ6h1x8tPL6D033JLUw/s1600/20419888.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="191" src="https://4.bp.blogspot.com/-4Of4xvQO30I/Vvbw--lEvWI/AAAAAAAAGd4/uxmk9TB3tJYeSBgQ6h1x8tPL6D033JLUw/s320/20419888.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Como Cristo no meu sonho, Deus parece passar o casal do Éden aos cuidados da serpente, ou deixá-los à mercê da tentação. A serpente diz que “Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal”. Ou seja, ser perito no bem e no mal é ser como deus, é ter os “olhos abertos” ao que antes era vedado e/ou velado. De fato, isso se comprova principalmente hoje em dia: com o conhecimento científico o homem tornou-se como um deus, de posse de armas de destruição que podem exterminar toda a sorte de vida da Terra. Também, com a ciência, a humanidade poderá, talvez um dia, conseguir criar um jardim em outro planeta completamente inóspito, como o Criador.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para fechar esta apreciação da Bíblia, convém citar o trecho de uma obra que ajudará a esclarecer ainda mais a importância de se entender os textos sagrados como uma vivência íntima:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Tanto o catarismo como o cristianismo medieval ensinam [...] que a vida na terra é nada, que a vida espiritual só pode ser alcançada após a morte, no "céu". Essa crença tornou-se, em nossa mente, a ideia inconsciente de que o lado espiritual da vida é sempre "em algum outro lugar" ou "do lado de lá". É sempre nalgum lugar diferente de onde estamos, num lugar fora de nossa vida. Nós, ocidentais, não acreditamos realmente que possamos vivenciar nossos deuses e nossa vida espiritual, como uma experiência íntima, e ao mesmo tempo levar uma vida comum, no dia-a-dia aqui na terra. É difícil para nós conceber a ideia desses dois mundos - interior e exterior - coexistindo ao mesmo tempo num ser humano. Por isso que tentamos sempre materializar o mundo divino em alguém ou em algo fora de nós mesmos. […] os ocidentais não crêem no mundo interior, e, consequentemente tudo o que fazemos com esse lado não vivido, tem de ser inconsciente, tem de ser projetado no mundo físico. (JOHNSON, 1997, p. 207-208)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Devemos passar pelo inferno, tentando alcançar o céu, aqui mesmo na terra. Se céu e inferno existirem espiritualmente, com certeza são muito mais uma extensão do nosso estado de espírito, ainda mais no pós-morte, quando totalmente espiritualizados, do que meros lugares hipotéticos, concedidos segundo nosso comportamento. Quando, mesmo sofrendo, vivemos em um “céu”, com certeza, do “outro lado”, não estaremos no inferno. Se Deus é percebido intimamente, o maior sentido está conosco, e até o pior sofrimento ainda é suportável.<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
(Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou'</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" target="_blank">Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/08/o-belo-o-feio-deus-e-o-preconceito.html" target="_blank">O belo, o feio, Deus e o preconceito</a>")</div>
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<b>REFERÊNCIAS</b></div>
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(As referências não encontradas aqui podem sê-lo no banco de referências deste blog: clique <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/referencias.html" target="_blank">aqui</a>.)</div>
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Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-28315634301021382882015-12-31T17:33:00.004-02:002016-08-14T20:13:20.338-03:00Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><b>INTRODUÇÃO</b></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Minha busca espiritual iniciou cedo. As fantasias infantis foram muito estimuladas por filmes bíblicos, mitológicos, de ficção científica e outros, além de leituras bíblicas e afins, e aulas de catecismo. Intrigava-me o mandamento de Cristo: “amai ao próximo como a si mesmo”. “Eu não amo o próximo. Percebo isso claramente. Como posso conseguir isso?”. Nas religiões em geral encontramos muitas recomendações de comportamento, sentimento e pensamento, mas quase nada sobre como consegui-lo. Essas indagações foram o início da minha busca; os mitos, seu alicerce.</span></span><br />
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Mitos não são mentiras. São verdades eternas, que narram evidências e valores válidos a todos os seres humanos, de todas as etnias, de todos os povos. Vários mitos podem estar embasados em acontecimentos fatuais. Porém, devido à sua carga simbólica, acabaram sofrendo acréscimos, e ser mais conhecidos, neste caso, como lendas. Ainda assim, expressam verdades interiores, que tocam o coração e emocionam a maioria das pessoas, caso contrário teriam sido esquecidos há muito tempo. Por isso, muitas escrituras sagradas perseveraram até hoje. Elas constituem, principalmente hoje em dia, princípios espirituais e não realidades materiais. As evidências espirituais e psicológicas não são unívocas, ou seja, não possuem sentido único. Comportam múltiplos sentidos, tantos quantos os tipos de pessoas envolvidos. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
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</div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-bNv7yVDMn50/VoVu9CuMS3I/AAAAAAAAGFU/ckNjnTCKjr8/s1600/maneirismo2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="228" src="https://4.bp.blogspot.com/-bNv7yVDMn50/VoVu9CuMS3I/AAAAAAAAGFU/ckNjnTCKjr8/s320/maneirismo2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A questão não é se os deuses gregos existiram, mas de que<br />
forma eles foram/são reais. </td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Não estou, de forma alguma, tentando negar a realidade de Deus e de todos os ensinamentos espirituais passados pelas religiões. Aliás, como profissional da ciência, não posso afirmar e muito menos negar a existência de Deus, uma vez que não há como se provar nem uma, nem outra perspectiva. Pretendo somar, e não subtrair. Estou acrescentando algo do que aprendi, da minha busca por tentar compreender e responder às questões sinceras que me ocorriam. Não desejo de modo algum retirar ou negar nenhuma convicção que as pessoas admitem, mas apenas pedir que considerem algo do que aqui escrevi. É uma perspectiva psicológica e simbólica e não literal dos fatos bíblicos. Por incrível que possa parecer, o cientista que nega Deus está incorrendo no mesmo erro da interpretação literalista, ao contrário da atitude isenta do verdadeiro profissional científico. A melhor postura ante qualquer fenômeno é a abertura psicológica aos fatos ainda não devidamente averiguados. A ciência não pode afirmar uma crença como exata e infalível, mas apenas considerá-la, no máximo, como hipótese, que também não pode ser negada até prova em contrário.</span><br />
<span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> A maior parte do que exponho neste trabalho provém da leitura de grandes psicólogos e personalidades reconhecidas em diversos níveis. Carl Jung e seguidores, Freud, Fromm, Nietzsche, Rogers, Campbell, Eliade, Goethe, etc., são todos grandes buscadores que me serviram seus caminhos para que eu pudesse construir o meu. A maioria dos parágrafos não possuem referência às fontes, porque são um apanhado, uma complexa teia de leituras que absorvi espontaneamente ao longo de muitos anos. Por isso, servem de sentido à grande profusão de crenças que podemos encontrar no mundo hoje. De alguma maneira, várias obras que encontrei sintonizavam com o que sentia como verdade, e depois os via corroborados em outros estudos e práticas. Assim, este texto pode ser considerado uma análise psicológica de escritos sagrados.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><b>RELIGIÃO: DEUS; PSICOLOGIA: IMAGEM DE DEUS</b></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Entendo a Bíblia e várias outras escrituras sagradas como a história da evolução da imagem de Deus no homem. De acordo com Jung (1987b, §528), na psicologia, a noção de Deus é um fato verificável como as concepções sobre as emoções, os instintos, os complexos, etc. A psicologia, enquanto ciência, só pode estudar a imagem divina no homem, isto é, só pode analisar a crença em Deus: como ela surge, se desenvolve e como pode declinar no ser humano. Da mesma maneira que os instintos podem ser vivenciados, apesar de não se saber em que consistem em si, o mesmo ocorre com a imagem de Deus, a qual representa certos fatos psicológicos com os quais lidamos. Já o próprio Deus, o divino em si, o ser que independe da concepção que o indivíduo pode ter dele, deve ser deixado aos cuidados da teologia e das religiões em geral, já que a ciência não pode lidar diretamente com Ele, pois seus instrumentos são materiais e necessitam de provas físicas.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> O ponto de vista de que as escrituras sagradas narram como a imagem divina se desenvolveu no homem em diferentes povos e épocas explica, por exemplo, como Deus pode ter sido um juiz impiedoso no Velho Testamento e um pai amoroso no Novo. Como a maioria das religiões o pensam como imutável, essa concepção afirma que não é Deus que é descrito na Bíblia, mas a representação que cristãos e judeus, ao longo de centenas de anos, fizeram dele. Entendida dessa forma, não necessitamos recorrer a desvios de interpretação para entender a Bíblia. Porém, não precisamos julgá-la de maneira literal, nem de uma só forma. Além disso, esse ponto de vista permite congregar as várias outras experiências religiosas, permitindo que admitamos que a religião do outro também é verdadeira, sem que nos sintamos ameaçados. Afinal, a outra religião é apenas a história de uma imagem divina mais ou menos diferente, com outro nome, e até sob múltiplas aparências. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Campbell (2008, p. 49) diz que “mitologia é a religião dos outros”. Queremos que a nossa própria religião não seja mitologia. Supomos que a nossa religião seja histórica, que nossas escrituras explanam fatos ocorridos, e que há só uma maneira de entendê-las: a literal, do modo como está escrita. Justamente esse é o erro das religiões em geral, já que grande parte das verdades contidas nas escrituras são simbólicas. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-iIvq-mX6qk8/VoVpJeKV27I/AAAAAAAAGFI/_GQ3XPTUSqw/s1600/fa6e3064aa7355f6352802fe24607ba6.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-iIvq-mX6qk8/VoVpJeKV27I/AAAAAAAAGFI/_GQ3XPTUSqw/s1600/fa6e3064aa7355f6352802fe24607ba6.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: 12.8px;">Não é de todo impossível que o famoso cavalo de troia </span><br />
<span style="font-size: 12.8px;">tenha um dia existido.</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Não ouso afirmar que todos os acontecimentos descritos na Bíblia ou outro livro sagrado não sejam históricos. Certos mitos ou lendas se tornaram o que são porque derivaram de fatos históricos muito importantes. Estes, transmitidos oralmente, acabaram sendo acrescentados de vários outros aspectos mais gerais, coletivos, importantes para a fase de desenvolvimento da consciência do respectivo povo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Além disso, mesmo o cristão ou judeu mais radical poderá admitir com facilidade que muito do que se encontra na Bíblia teve origem em sonhos e visões espirituais. Estes eram ferramentas muito importantes e sagradas naqueles tempos. O fato de não serem muito considerados atualmente não os desonera do seu valor. Apesar disso, a psicologia descobriu que os conteúdos das visões, dos sonhos e das fantasias são simbólicos, ou seja, representam algo além do que conseguimos perceber em sua aparência. Eles expressam o inconsciente, um lado da psique totalmente obscuro para nós e cuja exploração pode nos ajudar a resolver muitos problemas em geral, doenças psicológicas, incrementar a criatividade e ajudar a dar sentido à vida.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><b>DA CRENÇA RELIGIOSA PARA A VIVÊNCIA PSICOLÓGICA</b></span></span><br />
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Em um momento da minha vida tive que fazer psicoterapia devido a uma depressão. Notei, na prática, a importância daquilo que nos acontece intimamente nos sonhos, na imaginação e nas fantasias. Tudo isso conta uma história oculta do que está ocorrendo interiormente conosco. Se usarmos a linguagem simbólica, a mesma da poesia e da arte em geral, podemos vislumbrar o que não sabemos a nosso próprio respeito. O mesmo ocorre com os sonhos da humanidade, ou seja, os mitos, as lendas e os contos. Estes são relatos do estado do inconsciente coletivo de certo povo, o qual permeia certa nação, continente ou o mundo todo. Por isso, quando a Bíblia nos conta sobre o inferno, o céu ou o paraíso, ela está usando de imagens para nos dizer o que todos conhecemos, mas não sabemos expressar em palavras. Estes símbolos podem exprimir, além de muitas outras coisas, estados de sentimento: o fogo da angústia que dura uma eternidade e que normalmente aparece oniricamente como incêndio, da guerra, da oposição, e o estado de felicidade em que o universo parece conspirar a nosso favor, o lugar da unidade, onde não há conflito. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Nos sonhos, os lugares são metáforas para “estados” de espírito, formas de “estar” (como na palavra “bem-estar”). Portanto, quando “estamos” em algum lugar onírico, isso indica como “estamos” nos sentindo. Ora, não posso, como profissional da ciência, falar em lugares “além da vida”, como céu e inferno. Mas posso dizer que eles provavelmente podem ser vivenciados como lugares materiais pela alma (psique), de maneira muito mais clara e patente sem as intrusões das percepções materiais do corpo, já que os elementos da imaginação são partes integrantes da psique. O filme “Amor além da vida”, com Robin Williams, expõe o que estou dizendo de forma muito evidente e compreensível. Também posso me explicar melhor contando exemplos da própria vivência.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-CqTXOfJBoag/VoVxfWrstNI/AAAAAAAAGFo/P3pdAWyguvE/s1600/23-amor-alem-da-vida2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="433" src="https://2.bp.blogspot.com/-CqTXOfJBoag/VoVxfWrstNI/AAAAAAAAGFo/P3pdAWyguvE/s640/23-amor-alem-da-vida2.jpg" width="640" /></a><span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Há mais de vinte anos fui a uma reunião religiosa com parentes, fechamos os olhos e nos demos as mãos em oração. Imaginei que uma massa azulada de energia percorria a todos nós, formando um rodamoinho que girava, percorrendo nossos corpos, o círculo feito de nossos braços e mãos unidos. A oração terminou e sentei-me perto de um médium vidente que comentou com alguém ao seu lado: “Hoje estava bonito. Havia um rodamoinho azul de energia percorrendo todo o grupo durante a oração.” Fiquei boquiaberto. Havia eu imaginado algo que o médium percebeu ou percebi algo que já se encontrava lá, pensando que estava imaginando? Não sei qual a resposta correta, mas já há algum tempo havia notado, com Shakespeare, que “existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”... Se podemos compartilhar o que se passa em nossa imaginação pessoal, tanto mais os processos do imaginário coletivo.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Penso o mito ou conto de Adão e Eva também como uma representação visual do processo de amadurecimento psicológico do homem primitivo e moderno, que ainda ocorre atualmente na humanidade, desde seus primórdios. O ingresso da criança na vida (a criação do mundo), a introdução ao desenvolvimento da consciência (a nomeação dos animais por Adão), a diferenciação do mundo interior e exterior (Eva como costela de Adão), a tentação a se romper com a inconsciência da própria responsabilidade pelas decisões na vida (a sedução da serpente), o incremento da consciência do eu pela criação da persona (as folhas de figueira e, depois, vestes de pele feitas por Deus) e a expulsão definitiva do paraíso (de onde poderia apanhar o fruto da árvore da vida). Exporei essas fases mais detidamente. Mas antes gostaria de enfatizar que todo esse processo de evolução da individualidade do homem foi gerenciado o tempo todo pela figura divina, a qual, inclusive, cria as possibilidades do que é comumente chamada “queda do homem”. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> É essa imagem que os cristãos e judeus têm de Deus que criou também a serpente e a deixou aproximar-se da árvore do conhecimento do bem e do mal, assim como do casal do Éden. Não estou falando aqui e adiante, absolutamente, como já justifiquei, de Deus em si, mas da imagem que a Bíblia passou dele. Se juntarmos todas as imagens que a humanidade criou sobre Deus, elas indicarão um elemento muito complexo, paradoxal e total, responsável pelos processos de transformação do homem, e que está por trás do que ele se tornou e se tornará. A psicologia analítica o chama de Si-mesmo, um arquétipo que também é a fundação e a base da estruturação do Eu. </span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Há uma passagem interessante sobre a revelação de quem Deus é:</span></span></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">13 Moisés disse a Deus: "Quando eu for aos filhos de Israel e disser: 'O Deus de vossos pais me enviou até vós'; e me perguntarem: 'Qual é o seu nome?', que direi?" 14 Disse Deus a Moisés: "Eu sou aquele que é." Disse mais: "Assim dirás aos filhos de Israel: 'EU SOU me enviou até vós.' " (BÍBLIA, 1985, Êxodo 3) </span></span></blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Como diz a Bíblia (1985, Gênesis 1: 26-27), o homem (o Eu) foi feito à imagem e semelhança dessa figura divina (o Si-mesmo). Essa concepção psicológica é muito importante e é constatada na clínica por meio dos sonhos. Nestes ocorre a observação do nosso comportamento consciente de forma objetiva, apesar de simbólica. Como os sonhos expõem o ponto de vista do inconsciente, eles consistem em uma perspectiva fora da consciência do Eu, uma visão de nós mesmos impossível de ser obtida diretamente. Por isso mesmo, a única fonte real de autoconhecimento é o reflexo onírico que o Si-mesmo mantém diante de nós. Todo o resto não passa de ponderações narcisistas do Eu sobre ele mesmo. Dependendo se o homem se identifica demais com o Si-mesmo, ou se o percebe como excessivamente distante de si, os sonhos acentuarão mais o aspecto oposto, a fim de equilibrar seu ponto de vista (VON FRANZ, 1992, p. 204-205). Assim, vejamos como os sonhos nos ajudam a nos conhecer e também enviam novas ideias a respeito do mundo interior e exterior.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Von Franz (Ibid. p. 205) expõe os sonhos de um filho de pastor que considerava Deus demasiado fora, como o “outro” irreconhecível. Ele caminhava por um imenso deserto numa noite escura. De repente, ouvia passos atrás de si. Amedrontado, andava mais depressa, o que os passos também faziam, até que começou a correr, com a coisa horrível perseguindo-o velozmente atrás. Chegou à beira de um precipício e parou. Lá no fundo, a milhares de quilômetros, viu arder o fogo do inferno. Ao voltar-se para trás pressentiu, na escuridão, uma fisionomia demoníaca. Mais tarde, o sonho se repetiu da mesma maneira, mas ao invés da figura demoníaca, viu a fisionomia de Deus. Perto dos cinquenta anos, teve de novo o mesmo sonho pela última vez. Mas aí, em pânico, resolveu saltar no abismo. Na queda, milhares de pedacinhos de papel branco, o acompanharam. Em cada um havia uma mandala em preto e branco desenhada. Eles se juntaram e formaram um piso, não o deixando cair no inferno. Então olhou para cima e viu o próprio rosto. O Ser que o perseguia era o Si-mesmo que aparecia ora como algo terrível, ora como Deus, ora como ele próprio. “O último sonho, que evidentemente trouxe a solução, visto que a partir desse momento nunca mais se repetiu, sublinha a semelhança reflexa entre o Eu e o Si-mesmo”.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-SbFq4Ga5kuw/VoV96lxKHTI/AAAAAAAAGF4/VXOr3B3LYbw/s1600/michelangelo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="280" src="https://3.bp.blogspot.com/-SbFq4Ga5kuw/VoV96lxKHTI/AAAAAAAAGF4/VXOr3B3LYbw/s640/michelangelo.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O Si-mesmo está para o Eu como Deus está para o homem.</td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Também tive um sonho em que o Si-mesmo, na forma de um ser divino, aparece:</span></span></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">OS DOIS EUS - Sonho de 1º de fevereiro de 1992. Encontro uma pessoa que é exatamente igual a mim e assim ela diz ser. Ele pede que eu comprove tocando-o. Ao tocá-lo sinto-me como que tocado profundamente dentro de mim. Lembro da sensação ainda agora. É como se eu estivesse apalpando minha própria pele! Sinto então uma afeição imensa por ele, mas o seu rosto, a imagem do rosto me foge, embora eu saiba que é a minha. Então me pergunto como nós dois poderíamos conviver, pois as pessoas estranhariam dois homens idênticos. Ele me diz que as pessoas nunca o veriam como ele é, mas com outros rostos. E assim, ao sairmos para a rua, eu o vejo mudar de imagem: um velho de barba e cabelos brancos, uma mulher, etc. Ao despertar do sonho senti imensa saudade dele, e o sentimento de “união comigo mesmo” perdurou por quase uma semana.</span></span></blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Esse sonho teve várias implicações na minha vida. Primeiro porque revela que o “outro” é eu mesmo, apenas com faces diferentes. Esse outro pode ser entendido como sendo diferentes pessoas ou até mesmo Deus, o transpessoal em mim. Segundo, porque expressa que eu nunca estou sozinho, mas que há uma companhia interna que está sempre próxima, pronta a me compreender e me causar uma impressão de paz e integridade indizível. Ele é a base do que sou.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"> Neste ponto posso explicar a razão do título desta produção. Este texto é uma biografia. Ele conta a história de como a minha imagem de Deus chegou ao estágio atual. Por outro lado, esta biografia não é teológica, mas psicológica, e também pessoal, na medida em que lido com aspectos psíquicos dos sonhos, da imaginação e das fantasias que me ocorreram para interpretar os escritos sagrados. Isso contando sempre com a ajuda de mestres da psicologia, da filosofia e da mitologia.</span></span><br />
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><br /></span></span>
<br />
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/03/o-genesis-e-o-desenvolvimento.html" target="_blank">Continua...</a></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><br /></span></div>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"></span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="font-family: "arial";">
</span>
<br />
<div style="text-align: center;">
<div style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">
<span style="font-family: "arial";"> (Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou'</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/03/o-genesis-e-o-desenvolvimento.html" target="_blank">O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem</a>",</span><span style="font-size: small; line-height: normal;"> "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/08/o-belo-o-feio-deus-e-o-preconceito.html" style="font-size: medium; line-height: normal;" target="_blank">O belo, o feio, Deus e o preconceito</a><span style="font-size: small; line-height: normal;">"</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">)</span></div>
<div style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">
<span style="font-family: "arial";"><br /></span></div>
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><b>REFERÊNCIAS</b></span></span><br />
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;"><br /></span>
</span><br />
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">BÍBLIA. Português. <b>A bíblia de Jerusalém</b>. Tradução de Domingos Zamagna. São Paulo: Paulinas, 1985.</span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">CAMPBELL, Joseph. <b>Mito e transformação</b>. 1. ed. São Paulo: Ágora, 2008. </span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">JUNG, Carl Gustav. <b>O eu e o inconsciente</b>. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1991d. . v. VII/2</span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">______. <b>Psicologia do inconsciente</b>. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1987b. v. VII/1</span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">KLUGER, Rivkah Schärf. <b>O significado arquetípico de Gilgamesh</b>. São Paulo: Paulus, 1999.</span></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">VON FRANZ, Marie-Louise. <b>Reflexos da alma</b>. 1. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1992b.</span></span></div>
</div>
<span style="font-family: "arial";">
</span>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px; text-align: center;">
</div>
<span style="font-family: "arial";">
</span></div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-75200154273012041262015-07-01T07:58:00.001-03:002017-06-29T21:56:46.679-03:00A Via Láctea ou o caminho de Renato Russo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-37Cw9cjetS0/VZOslx_VO_I/AAAAAAAAEf8/1aFg-yOyHIM/s1600/Renato-Russo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="color: black;"><img border="0" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-37Cw9cjetS0/VZOslx_VO_I/AAAAAAAAEf8/1aFg-yOyHIM/s320/Renato-Russo.jpg" width="320" /></span></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> “A Via Láctea”, canção da banda Legião Urbana, é uma das mais depressivas de todos os álbuns. Sua letra e o tom de voz de Renato Russo assinalam uma congruência marcante em um grande sentimento de tristeza. Apesar de sua letra ser muito explícita e não haver, aparentemente, quase nada para se explorar em termos simbólicos, vou fazer uma tentativa para torná-la ainda mais compreensível ao nível dos sentimentos e da psicologia. Para isso, vou utilizar dos conhecimentos da psicologia humanista de Carl Rogers, o qual enfatiza a importância da aceitação incondicional de si mesmo e das pessoas em geral, assim como da qualidade da comunicação intra e interpessoal. Complemento essa abordagem da psicologia pessoal com uma análise impessoal dos símbolos mitológicos que aparecem na música. </span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b id="docs-internal-guid-fc56b0c0-471b-7c2a-4fa6-633dc4681fa3" style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando tudo está perdido</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sempre existe um caminho</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando tudo está perdido</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sempre existe uma luz…</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Longe de ser um clichê, algumas das primeiras palavras que qualquer pessoa diria a um depressivo, essas afirmativas são arquetípicas, isto é, se encontram sulcadas na alma de todo homem há muitas gerações. Para se ter uma ideia do tamanho dessa verdade, sabe-se que, quando alguém se encontra em um momento de extrema dificuldade, onde não percebe nenhuma saída ou solução, os sonhos costumam exibir imagens afins com símbolos religiosos muito conhecidos: anjos, profetas, presenças ou objetos sobrenaturais, etc. Além disso, surgem temas como motivos circulares, cruzes, grande frequência do número quatro sob a forma de quatro pessoas ou objetos, quadriláteros, pontos centrais, etc., denotando uma tentativa da psique de se ordenar, se estruturar e se fortalecer, com isso. É como se o inconsciente dissesse frases como: “Você está afundando, está desorientado. Por isso tome essa bússola ou esse guia, e oriente-se pelos quatro pontos cardeais”; “Apesar de você não ver saída, existem forças além do seu alcance que podem ajudá-lo”; “Sinta-se em paz e em unidade com essa praça em forma de círculo”. Intelectualmente o aparecimento desses símbolos pode não ser compreensível, mas eles são perfeitamente claros para nossos sentimentos, nosso lado emocional (JUNG, 1990c). </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Pessoas voltadas mais unilateralmente para a reflexão acadêmica, escolar, não podem compreender os sentimentos, pois “Já não sentimos assim que pensamos” (MENDELSSOHN, 1766, </span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: italic; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">apud</span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> VON FRANZ e HILLMAN, 1990). Isso ocorre porque pensamento e sentimento são duas funções que operam de maneira completamente oposta. O primeiro usa de ideias para julgar o mundo, categorizando o certo e o errado, o lógico e o ilógico, etc.; o segundo usa dos sentimentos para isso, percebendo o que é agradável ou não, adequado ou inconveniente, e muito mais. O pensamento separa o sujeito do seu meio, distanciando-o para que possa perceber de maneira isenta; já o sentimento coloca o indivíduo em estreito contato com a realidade, de forma que possa “sentir com” o outro, usando da empatia. Por esse motivo o intelectual, quando tendendo a usar somente o pensamento para interagir com o mundo, parece ser bem mais frio que a pessoa que o faz com os sentimentos (JUNG, 1991e).</span></span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-kCu4r5ckfVM/VZOuLPcJ95I/AAAAAAAAEgM/F3Rw7Lr-xKw/s1600/PENSAMENTO%2BX%2BSENTIMENTO.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="137" src="https://1.bp.blogspot.com/-kCu4r5ckfVM/VZOuLPcJ95I/AAAAAAAAEgM/F3Rw7Lr-xKw/s320/PENSAMENTO%2BX%2BSENTIMENTO.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">Ou sentimos ou pensamos: não é possível exercitar </span><br />
<span style="color: #cccccc;">as ideias e os sentimentos simultaneamente.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Portanto, pode-se dizer, e os fatos comprovam, que, apesar dos muitos momentos de completa escuridão e desorientação, sempre existe um caminho, uma luz nessas ocasiões, e o nosso inconsciente insiste nisso. Pode ser que o eu não se recupere e não consiga superar a situação, mas a indicação motivadora sempre tenderá a estar lá. É intrínseco ao ser humano (JUNG, 1991e).</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas não me diga isso…</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> No entanto, uma coisa é surgir um símbolo em nossos sonhos, uma voz onírica falar conosco, um sentimento de alento surgir espontaneamente no meio da turbulência emocional… Outra é alguém chegar e dizer que há sempre uma saída, uma luz. Dizer isso é expressar uma ideia, é impor um pensamento, uma conclusão lógica atestada por outras situações vividas. Não há expressão de empatia nisso, nenhuma demonstração de sentimento, embora a pessoa possa ter emitido essas ideias baseada em afinidade ou compaixão. Para se lidar com sentimentos, chamados geralmente de “negativos”, é preciso que alguém “sinta com” o outro, e interaja em sintonia e de acordo com essa sensibilidade. A emissão pura de ideias apenas nos distancia da vivência do outro. </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Não existe, em geral, palavra de consolo nos casos em que estamos completamente transtornados. Isso porque esses sentimentos não podem ser negados, pois isso seria negar sua realidade. Vindas de fora essas mesmas mensagens negam o que se encontra dentro. Porém, quando conteúdos internos, associados à paz, livremente abatem outros elementos opostos, ligados ao conflito, a sensação é diferente. </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Entretanto, a luz pode surgir de fora de outro modo. Quando alguém descreve para um indivíduo angustiado ou depressivo seu estado, essa descrição funciona como uma luz na escuridão da situação que a pessoa vive. Isso é empatia. Se alguém passa ao outro o que compreende do que este relata que sente, é como se a pessoa se olhasse no espelho, e pudesse então perceber seu próprio estado, podendo, então, tomar providências a respeito. É como se, por instantes, pudesse sair do jogo de tormentos no qual se encontra detido emocionalmente. Mas essa espécie de “espelhamento” deve durar o tempo suficiente para o processo de esclarecimento ocorrer plenamente, e traga, como resultado, um certo alívio.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Hoje a tristeza</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não é passageira</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Hoje fiquei com febre</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A tarde inteira</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E quando chegar a noite</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Cada estrela</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Parecerá uma lágrima…</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> A depressão é um estado prolongado de tristeza. Renato parece dizer que “hoje em dia” a tristeza não é passageira, ao contrário de outros tempos. Ele se encontra febril, pois sofre com a AIDS. </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Renato, então, projeta sobre a natureza o seu estado interno. Quando chegar a noite, isto é, no futuro, quando não mais for dia, quando não houver mais a tarde em que está febril e a doença tiver cumprido o seu desígnio, a noite, a morte, chegará. Então, cada estrela parecerá uma lágrima sobre o rosto escuro do céu. O céu padecerá e chorará. </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-L5DUctV9C_M/VZNBObhIaeI/AAAAAAAAEfs/TDOmbC2Dd94/s1600/via%2Blactea.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="213" src="https://4.bp.blogspot.com/-L5DUctV9C_M/VZNBObhIaeI/AAAAAAAAEfs/TDOmbC2Dd94/s320/via%2Blactea.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">A Via Láctea, observável com mais clareza em lugares</span><br />
<span style="color: #cccccc;">com pouca ou nenhuma luminosidade</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> A Via Láctea, o “Caminho do Leite”, deve seu nome à protusão de estrelas concentradas em uma faixa do céu noturno. Mas para Renato essas mesmas estrelas são lágrimas. Essa associação parece ser a única explicação clara para o título da música. No entanto, pode ter havido um motivo inconsciente para que o compositor a nomeasse desse modo. Aqueles símbolos a que aludi no início deste texto podem surgir não apenas nos sonhos, mas em qualquer outra manifestação do comportamento humano, pois é normal o inconsciente se intrometer nas atividades dos indivíduos sem que estes tomem conhecimento pleno do que fazem. Não só o inconsciente pessoal, que contém os conteúdos próprios de uma pessoa, mas também o inconsciente coletivo, que agrega elementos comuns a toda a humanidade. A Via Láctea já era observada na pré-história, e é motivo para inúmeros mitos.</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Os kwakiutl, um povo da Ilha de Vancouver, no Canadá, acreditam que a Via Láctea é a imagem visível de um pilar cósmico de cobre que ingressa no céu por meio da “Porta do Mundo do Alto”. Ela é representada, então, por esse povo, com um poste sagrado, um tronco de cedro de dez a doze metros de comprimento, do qual mais da metade sai pelo telhado do templo. A este é conferida uma estrutura cósmica, devido ao importante papel desempenhado pelo poste. Assim, nas canções rituais, o templo é chamado de “nosso mundo”, e seus habitantes, apresentados para a iniciação, proclamam: “Estou no Centro do Mundo… Estou perto do pilar do mundo”, etc. Na Indonésia, os Nad’a de Flores também assimilam o pilar cósmico ao poste sagrado, e o Universo ao templo. “O poste de sacrifício chama-se ‘Poste do Céu’, e acredita-se que o Céu seja sustentado por ele” (ELIADE, 1992).</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> No caso de Renato Russo, pode-se dizer que um dos símbolos que sua psique usa como que para lembrá-lo de suas raízes, de seus fundamentos últimos, é a Via Láctea, que representa inconscientemente para ele um pilar cósmico onde é feito o último sacrifício. A música é seu cântico iniciático; o estúdio de gravação o seu templo. Por seu caráter sagrado e privativo, a música não foi apresentada em público. O pilar é feito de lágrimas…</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-Zzu4XhUL7bE/VZOwoUq77NI/AAAAAAAAEgU/tRbn0naCOBE/s1600/winterdancegordonmiller.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="200" src="https://2.bp.blogspot.com/-Zzu4XhUL7bE/VZOwoUq77NI/AAAAAAAAEgU/tRbn0naCOBE/s320/winterdancegordonmiller.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">A dança de inverno dos Kwakiutl, de Vancouver, Canadá.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> O mito das cinco eras da humanidade retrata que, na Idade do Bronze, o homem corrompeu-se como nunca fizera anteriormente. Então Zeus (Júpiter) indignou-se e convocou os deuses para um conselho. Todos o obedeceram e tomaram o caminho ao palácio do céu. Esse trajeto é visto nas noites claras atravessando o céu (BULFINCH, 2002).</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Mais uma vez uma pista de que o inconsciente coletivo expressou-se em Renato, um mito brasileiro, de maneira a indicar que em breve ele também tomaria o caminho que uma vez os deuses fizeram para se apresentar ao deus maior grego. A soma dessas referências mitológicas ao conteúdo de uma letra musical servem como uma orientação geral para o sentido subjacente, oculto, daquilo que o movia, do seu destino. Muitas vezes, quando esse processo, chamado de amplificação, é efetuado nos primeiros sonhos de um cliente no início de uma psicoterapia, pode ocorrer a indicação de como seguirá o tratamento, isto é, o prognóstico do processo terapêutico.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Queria ser como os outros</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E rir das desgraças da vida</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ou fingir estar sempre bem</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ver a leveza</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Das coisas com humor...</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> O cantor queria saber usar uma máscara, como a maioria das outras pessoas, e rir do próprio sentimento, do sofrimento, fingir que está sempre bem… Nunca demonstrar estar atolado em um foço sem fundo. “Ver a leveza das coisas…” Isso porque pode-se também ver o “peso” das coisas e senti-las “pesadas”. É questão de perspectiva, pois, nesse caso, é o sujeito que projeta nos objetos sua própria perspectiva pessimista ou otimista. O mesmo que se perceber o copo metade cheio ou metade vazio. </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> É possível, além disso, perceber os acontecimentos com humor, com leveza de ânimo. É impressionante como existem humoristas famosos que sofrem de depressão. Outro dia Robin Williams cometeu suicídio… Renato pode querer encarar tudo com humor, mas não pode, pois seu temperamento não permite. Pelo visto, iria sofrer ainda mais se o fizesse. Ele é capaz de perceber suas impressões internas e valorizá-las o suficiente para não desprezá-las ou fingir que não existem. “Os outros”, ou seja, a maioria das pessoas, fazem o oposto. Talvez nem chegam a perceber o que sentem ou pensam, já que rejeitam a si mesmas. No entanto, isso é muito perigoso, pois pode ocorrer de essas impressões voltarem com força redobrada mais tarde, principalmente em situaçṍes de cansaço, estresse ou doença, quando a vigilância está enfraquecida. E dessa vez sem que o indivíduo tenha conhecimento mínimo do que as motiva ou da sua origem. </span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas não me diga isso...</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">É só hoje e isso passa</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Só me deixe aqui quieto</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Isso passa</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Amanhã é um outro dia</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não é?...</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Renato aqui parece acolher as frases feitas normalmente emitidas com intuito de tirar alguém da depressão ou torná-lo mais alegre. Ele as acolhe para que a pessoa o deixe em paz. “Amanhã é um outro dia. Não é?”. Este “Não é?” pede a concordância da afirmação que o antecede. Ele concorda </span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: italic; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">para</span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> a pessoa, e a questão prevê que ela concorde. Porém, a estrofe anterior esclarece que Renato não concilia com esses pensamentos e, portanto, esse “não é?” constitui mais uma dúvida lançada ao outro que está ao seu lado: “Será outro dia mesmo?”. Sabe-se que para os depressivos não é bem assim...</span></span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Aquele que tenta consolá-lo pode ter a melhor das intenções, mas provavelmente costuma fazer consigo mesmo o que o cantor aludiu na última estrofe. Faz a si mesmo e quer que os outros façam igual. É como uma corrente de cegos em que ninguém sabe para onde vai. Enquanto o indivíduo possui alguma força para superar esses sentimentos “negativos”, e estes não são muito intensos, essas sugestões podem funcionar até certo ponto, por tempo limitado. Ele pode se dar ao luxo de se distrair com outros eventos e pessoas. Entretanto, para quem sofre de depressão, um dia é igual ao outro.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu nem sei porque</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Me sinto assim</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Vem de repente um anjo</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Triste perto de mim…</span></div>
</div>
<span style="color: #cccccc;"> </span> <br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-YY4dXfUMxQ0/VZO2o1NH34I/AAAAAAAAEgk/_b9Js72Zd4k/s1600/Divertida_Mente_capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="180" src="https://3.bp.blogspot.com/-YY4dXfUMxQ0/VZO2o1NH34I/AAAAAAAAEgk/_b9Js72Zd4k/s320/Divertida_Mente_capa.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">O filme "Divertida Mente" é uma ilustração interessante </span><br />
<span style="color: #cccccc;">da interação das nossas diferentes "partes" </span><br />
<span style="color: #cccccc;">ou subpersonalidades.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> A depressão se origina de motivações inconscientes. O depressivo, em geral, se acostumou tanto a separar partes de si mesmo e jogá-las em um porão escuro de sua psique, que um dia chega o momento de essas partes vitais reivindicarem seu direito de existir, de terem liberdade de se expressar, de poderem sair. Querem, e devem, ter o mesmo direito da pessoa que as expulsou da consciência. Aliás, por que chamar esses elementos excluídos de “partes”? Não são pessoas também? Não atuam como gente que discorda da nossa opinião? Sim, elas se comportam com autonomia, são sentimentos, ideias e impressões que nos assaltam sem pedir autorização, e todos temos essa experiência há muito tempo. São como anjos tristes, de asas cortadas, que não podem voar livremente. À sua aproximação também ficamos tristes e por isso os queremos longe de nós. Por que não deixá-los conviver conosco ao lado das porções que acolhemos alegremente? Afinal, todos fazem parte do nosso reino individual, um reino que tem o nosso nome e do qual somos governantes e gerentes. Deveríamos saber o que pensa a gente que vive nele, e assim, saberíamos porque nos sentimos “assim”, como um anjo triste.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E essa febre que não passa</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E meu sorriso sem graça</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não me dê atenção</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas obrigado</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Por pensar em mim…</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> O cantor teve muita febre causada pela AIDS. E ele tenta sorrir ao(s) que o visita(m), mas o faz “sem graça”, não espontaneamente, mas </span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: italic; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">para</span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> o(s) visitante(s). Não quer atenção: talvez se sinta irritado ou indisposto por causa da doença, ou porque não é a atenção que gostaria de ter. </span></span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> A espécie de atenção que alguém atormentado por sentimentos depressivos, de desorientação e angústia gostaria de ter é aquela que envolve aceitação de seus sentimentos, a qual passa a provocar, pouco a pouco, a capacidade de ouvir a si mesmo, como ocorre em psicoterapia. Então o indivíduo começa a receber mensagens de seu próprio interior, e percebe que está com raiva, reconhece quando tem medo e toma consciência de que se sente com coragem. Se o processo de aceitação do outro continua, passa a haver uma abertura contínua ao que sempre negou e reprimiu. “Pode ouvir sentimentos que lhe pareciam tão terríveis, tão desorganizadores, tão anormais ou tão vergonhosos, que nunca seria capaz de reconhecer que existissem nele. Como exprime um número cada vez maior de aspectos ocultos e terríveis de si mesmo, percebe que o terapeuta tem para com ele e para com os seus sentimentos uma atitude congruente”, ou seja, ele mesmo expressa aceitação incondicional de sua própria pessoa tanto em palavras quanto em gestos e atitudes corporais, denotando que é o que sente e o que aparenta ser. Por causa do terapeuta, “Vai lentamente tomando uma atitude idêntica em relação a si mesmo, aceitando-se como é, e acha-se portanto caminhando no processo de tomar-se o que é.” Aqueles que vivem atrás de uma fachada, que tentam agir em desacordo com seus sentimentos, não conseguem ouvir o outro livremente, pois estão sempre alertas, com medo de que o outro rompa sua fachada defensiva (ROGERS, 1997, p. 75 e 375).</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Renato parece saber que as pessoas em geral querem seu bem, mas não quer sua atenção porque não é a atenção que precisa. No entanto, agradece por voltarem o pensamento para ele, já que isso denota preocupação e afeição.</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">[...]</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando tudo está perdido</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eu me sinto tão sozinho</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando tudo está perdido</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não quero mais ser</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quem eu sou...</span></div>
</div>
<span style="color: #cccccc;"> </span> <br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-6P91zzuzgXA/VZO45BitdFI/AAAAAAAAEgw/OjBWAUbfItg/s1600/j%25C3%25B3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="400" src="https://4.bp.blogspot.com/-6P91zzuzgXA/VZO45BitdFI/AAAAAAAAEgw/OjBWAUbfItg/s400/j%25C3%25B3.jpg" width="290" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">Uma das melhores expressões do numinoso na literatura </span><br />
<span style="color: #cccccc;">sagrada é a revelação de Deus a Jó. </span><br />
<span style="color: #cccccc;">Ilustração de William Blake.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Quando tudo está perdido, quando percebe que perderá tudo o que conseguiu na vida, que a morte está perto, que não há ao que recorrer… Quando se encontra desorientado, se sente derrotado, extraviado, desesperado, o cantor se sente sozinho e não quer ser mais quem é. Sua autoestima parece muito abalada. Como já aludido no início deste texto, é nesses momentos, aqueles em que não há qualquer esperança ou salvação, que aparecem símbolos numinosos no interior da psique ou mesmo exteriormente, como que para conferir força e lembrar ao eu suas verdadeiras raízes, com o fito de fornecer segurança, sentido e organização. A numinosidade consiste em uma situação extremamente emocional e paradoxal que, em última análise, equivale ao encontro com um aspecto divino para o qual não se está apto a apreciar ou dominar logicamente, porque é mais forte do que o eu. É algo insuperável, o encontro com o “tremendum” (impressionante) e o “fascinosum” (fascinante), frente ao qual se pode apenas ter uma atitude de abertura, deixando-se dominar e ao mesmo tempo confiando no seu sentido (JUNG, 1983, p. 627).</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Provavelmente, foi por causa do aparecimento desses símbolos numinosos, no mínimo ao nível dos sentimentos, que Renato decidiu não adicionar ao álbum “A tempestade”, onde consta a presente canção, a frase tradicional: “Urbana Legio Omnia Vincit” (Legião Urbana a tudo vence) e “Ouça no volume máximo”. Frente à situação iminente de morte, provocada pela doença letal, ele não poderia mais dizer que qualquer condição poderia ser vencida. Ele estava completamente subordinado ao desígnio do destino. Ao mesmo tempo, não deveria recomendar que as canções desse álbum fossem ouvidas no volume máximo, já que a força renovada e recente de sua depressão apontavam ao luto, pois tudo estava perdido… </span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> Talvez a canção mais indicativa do tipo de símbolo que apontei seja “Soul Parsifal” (Alma de Parsifal), do mesmo álbum. Como se sabe, Parsifal parte na demanda do Santo Graal, a mítica taça que contém o sangue que vazou da ferida de Cristo crucificado. Segundo a lenda, o cálice tinha a propriedade de restaurar a vida e curar doenças (WIKIPEDIA, 2015). O título da música indica que alguém tem “alma de Parsifal”, isto é, alma aventureira, corajosa, que parte em busca do cálice santo para conseguir uma cura ou a imortalidade. Renato Russo com certeza alcançou o seu intento: tornou-se imortal, vivente há décadas na nossa memória e, agora, na das novas gerações. </span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas não me diga isso</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não me dê atenção</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E obrigado</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Por pensar em mim...</span></div>
</div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">[...]</span></div>
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-IJyXopyPZPg/VZPHOBtSrNI/AAAAAAAAEhA/xPCGFxyEPQo/s1600/parsifal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="color: black;"><img border="0" height="216" src="https://3.bp.blogspot.com/-IJyXopyPZPg/VZPHOBtSrNI/AAAAAAAAEhA/xPCGFxyEPQo/s320/parsifal.jpg" width="320" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #cccccc;">Ilustração de Parsifal em busca do Santo Graal.</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #cccccc;">(Leia mais a respeito: "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/a-solidao-e-o-trabalho-com-o.html" target="_blank">A solidão e o trabalho com o inconsciente</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/05/do-instinto-ao-querer-do-desejo-vontade.html" target="_blank">Do instinto ao querer; do desejo à vontade</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/05/amizade-instrumento-do-autoconhecimento.html" target="_blank">Amizade: instrumento de autoconhecimento</a>")</span></div>
<span style="color: #cccccc;"><br />
</span> <span style="color: #cccccc;"> </span><br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;">
<span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: bold; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">REFERÊNCIAS</span></div>
<span style="color: #cccccc;"><b style="font-weight: normal;"><br />
</b> </span><br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="color: #cccccc;"><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">BULFINCH, Thomas. </span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: bold; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O livro de ouro da mitologia</span><span style="background-color: transparent; font-family: "arial"; font-size: 14.666666666666666px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">: histórias de deuses e heróis. 26. ed. Rio de janeiro: Ediouro, 2002.</span></span></div>
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ELIADE, Mircea. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O sagrado e o profano</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</span></span><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">JUNG, Carl Gustav. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Psicologia e alquimia</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Petrópolis: Vozes, 1990c.</span></span><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">______. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Psicologia e religião</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Petrópolis: Vozes, 1983. v. 11/1.</span></span><br />
<span style="color: #cccccc; font-family: "arial";"><span style="font-size: 14.6666669845581px; white-space: pre-wrap;">______. <b>Tipos psicológicos</b>. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1991e. </span></span><br />
<span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ROGERS, Carl. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tornar-se pessoa</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. São Paulo: Martins Fontes, 1997.</span><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">VON FRANZ, Marie-Louise. HILLMAN, James. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A tipologia de Jung</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. São Paulo: Cultrix, 1990.</span></span><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">WIKIPEDIA. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Tempestade ou O Livro dos Dias</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6666666666667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Disponível em: <https: empestade_ou_o_livro_dos_dias="" pt.wikipedia.org="" wiki="">. Acesso em 25 jun. 2015.</https:></span></span><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">WIKIPEDIA. </span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; font-weight: bold; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Santo Graal</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Disponível em: <https: anto_graal="" pt.wikipedia.org="" wiki="">. Acesso em 30 jun. 2015.</https:></span></span>Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-60629015366871289332015-03-14T08:27:00.003-03:002020-12-27T10:43:45.097-03:00Como integrar o seu dragão<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">INTRODUÇÃO</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-116HtUI5NJo/VQQY3J8W_zI/AAAAAAAADzg/MhyeMJuTmE8/s1600/solu%C3%A7o%2Bdrag%C3%A3o.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="189" src="https://4.bp.blogspot.com/-116HtUI5NJo/VQQY3J8W_zI/AAAAAAAADzg/MhyeMJuTmE8/s1600/solu%C3%A7o%2Bdrag%C3%A3o.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Soluço e Banguela, seu dragão Fúria da Noite</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"> “Como treinar o seu dragão” (CTSD) é um filme interessante não somente porque expressa o desenvolvimento da personalidade na adolescência, mas também o confronto com partes inferiores da psique, manifesto como evolução da consciência, do impulso de ser quem se é, o processo de individuação. No título do filme “Como treinar O SEU dragão”, os artigos definido e possessivo “o seu” parecem também apontar simbolicamente para algo íntimo, pessoal. No entanto, o “treino” aludido não descreve perfeitamente o que Soluço faz com o seu dragão, pois ele mais o conquista do que o treina. Basta ver como Banguela retribui as iscas do amigo regurgitando partes delas para sua refeição. O mesmo ocorre com o desenvolvimento da personalidade, pois é preciso se compreender que a maturidade é um processo contínuo, ininterrupto, e envolve muito mais que o acúmulo mecânico de conhecimento, mas uma transformação orgânica da psique.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"> O <i>BULLYING</i> DE SOLUÇO</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-RWeo6LLK-7k/VQOQtbBx3DI/AAAAAAAADx8/Htu7sL9dEtM/s1600/SOMBRA%2BE%2BEU.png" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="372" src="https://3.bp.blogspot.com/-RWeo6LLK-7k/VQOQtbBx3DI/AAAAAAAADx8/Htu7sL9dEtM/s1600/SOMBRA%2BE%2BEU.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Esquema consciente/inconsciente</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">A vida de Soluço é permeada pelo desprezo alheio e, por conseguinte, pela autorejeição. Devido ao filho não praticar o que é aceito como certo sem reservas pelo seu povo, Estóico e outros personagens o rejeitam e o consideram um fraco, um bizonho e um desajeitado. Soluço se sente tão deslocado quanto o cisne no conto do Patinho Feio, de Hans Christian Andersen. Ele se sente um cisne em um país de patos. Alguns diálogos deixam isso bastante explícito. Bocão diz mais ou menos assim: “Se quiser sair para matar dragões, você precisa parar de ser você todo”. Por ser explicitamente tão dividido, e ser consciente disso, é que Soluço faz as coisas de maneira tão desajeitada, desastrada. Seu corpo e sua mente não são conectados. Ele mesmo se sabota a todo momento.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Talvez por esse motivo seu nome seja “Soluço”. No Aurélio, soluço é um reflexo em que ocorre uma contração involuntária do diafragma, um espasmo que produz o início da inspiração do ar, o qual é detido subitamente pelo fechamento da glote, com a produção de ruído próprio. Isto é, soluço é uma interrupção, pela glote, de um espasmo de respiração. E o filho de Estóico parece se interromper de todas as maneiras, para agradar a todos. É um soluço ambulante, detendo o fluir da própria vida, interrompendo sua “inspiração”, seu interesse genuíno.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">De início, ele aceita o discurso do amigo Bocão e do pai, inclusive o <i>bullying</i> dos colegas, mas acaba percebendo que não leva jeito para caçador de dragões. Estóico, ao mesmo tempo que quer ver no filho um grande matador de dragões, o superprotege, não o expondo aos bichos. Tudo leva a crer que isso se deve ao primeiro contato de Soluço, ainda bebê, com um dragão que ele crê ter matado sua esposa, mas que, na verdade, depois se tornou aliado dela (CTSD 2).</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-8w27LHnkUzY/VQOSyFMhNbI/AAAAAAAADyQ/E0r4P1AFHgQ/s1600/BYLLYING%2BSOLU%C3%87O.png" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="168" src="https://3.bp.blogspot.com/-8w27LHnkUzY/VQOSyFMhNbI/AAAAAAAADyQ/E0r4P1AFHgQ/s1600/BYLLYING%2BSOLU%C3%87O.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Colegas debochando de Soluço</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Além disso, ele parece ser muito consciente de sua situação insustentável e das consequências para si mesmo. Quando Bocão diz que Soluço tem de deixar de ser ele todo, responde: “O senhor está jogando um jogo muito perigoso querendo manter toda a minha 'virgindade' máscula reprimida”. Ele pode parecer estar fazendo uma brincadeira irônica, mas está afirmando uma verdade psicológica fundamental. Porém, o que ele quer dizer com “virgindade máscula reprimida”? Virgindade máscula talvez porque não tinha ainda “deflorado” sua masculinidade, expressando-a, expondo-a da maneira como queria, ousando de acordo com seu ser. É um adolescente, um macho da espécie, mas parece não ter levado uma infância comum, subindo árvores, brincando com a exposição aos perigos comuns e afins à idade. Seu “eu” ainda era virgem no sentido de não ser ativo, de não ousar fazer, de não tentar ir “contra a corrente”. Não tinha iniciativa, pois esta deriva do interesse genuíno por determinada atividade. Não estava afim de ser o viking que seu pai queria que ele fosse.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Segundo algumas pesquisas, os alunos que são exclusivamente vítimas de <i>bullying</i> (pois existem vítimas que também praticam <i>bullying</i>) costumam ter mães supreprotetoras, atenção infantilizada da família e serem considerados “bodes expiatórios”. Eles se apresentam à sociedade (<i>persona</i>) como pouco sociáveis, inseguros, passivos, retraídos, possuem poucos amigos, baixa autoestima, têm pouca expectativa de adaptação ao grupo e não sabem reagir de forma a cessar o <i>bullying</i> (LOPES NETO, 2005, p. S167-168; BANDEIRA e HUTZ, 2010, p. 132-133; e WILLIAMS e PINHEIRO, 2009, p. 1013). É surpreendente como toda essa descrição se encaixa de forma perfeita em Soluço. No início, ele é realmente o bode expiatório local, isto é, ele carrega os pecados ou defeitos de todos, e tem de arcar com isso.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Ainda, de acordo com os mesmos estudos, os agressores de <i>bullying</i> costumam criticar na vítima o seu corpo, tamanho e desenvolvimento físico. O corpo frequentemente porta o lado sombrio do eu, e é muito sujeito a carregar as projeções alheias, pois produz elementos incômodos que não podem sequer ser citados em muitas ocasiões. O corpo representa algo do qual todo mundo quer naturalmente se livrar (JUNG, 2008, §40). Soluço é muito franzino e fraco, de constituição física quase, senão totalmente, oposta à do pai, de Bocão e dos colegas. Seu corpo com certeza representa tudo o que eles não querem ser e rejeitam em si mesmos.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">A <i>persona</i> do agressor de <i>bullying</i> é diametralmente oposta à da vítima e vice-versa, e representa o lado sombrio desta. O primeiro reprime em si as características de insegurança, inadaptação, pouca sociabilidade, baixa autoestima, passividade, timidez, etc., e as projeta violentamente sobre a vítima, pois a projeção ajuda a obter um retorno positivo das pessoas presentes, quando estas também não concordam em aceitar aspectos sombrios (ZWEIG e ABRAMS, 1994, p. 70). Aquele que projeta, no caso, tanto Soluço quanto os habitantes de sua aldeia, são incapazes de diferenciar a outra pessoa dos próprios complexos, separar fato e fantasia, perceber onde termina a própria personalidade e começa a do outro. Soluço não percebe o quanto pode ser ousado, forte e revolucionário se seguir seu próprio coração, seus instintos, e, por isso, fazer dar certo. Todo mundo é bom no que faz, menos ele. De início, projeta seu próprio potencial nas outras pessoas. Estas, por outro lado, não admitem outra realidade além da rotina a que estão acostumadas. O paradigma em vigor é: “mate, elimine os dragões porque eles são maus, caso contrário matarão vocês”. Sua sombra é o anseio arquetípico do bode expiatório, de ter alguém para culpar e atacar para poder se justificar e se absolver (WHITMONT, 2002, p. 145-146).</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"> O INDIVÍDUO, A SOCIEDADE E O INCONSCIENTE</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Berk, a cidade dos vikings, possui uma cultura radicalmente patriarcal, sem nenhum espaço para o feminino. As poucas mulheres que aparecem, as adolescentes colegas de Soluço, têm modos masculinos e agressivos. Em um dos diálogos de Estóico com Bocão sobre Soluço, ele relembra como o pai o mandou uma vez bater a cabeça em uma rocha e esta se partiu. “Aquilo me ensinou do que um viking é capaz... Aplainar montanhas! Devastar florestas! Domar os mares! Mesmo quando era garoto, eu sabia o que iria ser. O Soluço não é como aquele garoto.” Exterminar a natureza é uma prática moderna, assim como dos conquistadores há mais de um milênio. “Quando você carrega este machado... você carrega todos nós com você. Quer dizer que falará como nós e andará como nós. E pensará como nós. Chega disso aí.”, diz Estóico, apontando para o filho. O que interessa é o coletivo, não a criatividade, não a individualidade ou a originalidade. O filho deve enquadrar-se e ser o que é esperado dele. O conceito que Estóico tem do filho parece reduzir-se tão somente à caça de dragões. Não existem outros aspectos, outras qualidades ou defeitos, mas apenas aquilo que se relaciona ao objetivo do povo de Berk. No segundo filme percebe-se que Soluço herdou a atitude receptiva para com os dragões da própria mãe. Logo, esse é um aspecto frontalmente em oposição ao preconceito machista, ao masculino unilateral, enquanto associado ao feminino e ao princípio de Eros.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-k057y7fh9TA/VQORYlFtDXI/AAAAAAAADyE/RfFWMu_1NU8/s1600/SOLU%C3%87O%2BTENTA%2BMATAR%2BBANGUELA.png" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="187" src="https://2.bp.blogspot.com/-k057y7fh9TA/VQORYlFtDXI/AAAAAAAADyE/RfFWMu_1NU8/s1600/SOLU%C3%87O%2BTENTA%2BMATAR%2BBANGUELA.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Soluço desiste de matar Banguela</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Por isso o filho de Estóico acha um jeito de conquistar os dragões cativos do seu reino ao invés de dominá-los ou matá-los, interagindo com Banguela. Ele tenta aparentar fazer isso pela força, para obter a aprovação do pai e das outras pessoas, mas não consegue sustentar a máscara, pois é um introvertido que, como tal, leva em conta a verdade pessoal e não os valores coletivos. Por isso, no início do primeiro filme ele tenta abater um dragão para aplauso geral, tenta matar o que representa sua sombra, pois não suporta mais a rejeição e quer se conformar à expectativa geral. Entretanto, ele não consegue suportar o sofrimento dessa manobra. Encontra-se, por isso, entre duas atitudes completamente opostas: aderir à expectativa do pai e da população ou confrontá-la e seguir seu próprio rumo, seu coração. </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Conformar-se a apenas uma atitude é necessário para o desenvolvimento da consciência, pois esta implica direção, atenção, um foco intenso sobre algum objeto. Isso pode ser entendido como uma unilateralidade ou parcialidade da consciência. Mas é uma vantagem e ao mesmo tempo um inconveniente. Isso porque cria-se, com a adesão consciente a uma qualidade ou característica, uma condição oposta de mesma intensidade no inconsciente, a menos que ocorra um caso ideal em que o conjunto consciente/inconsciente flua na mesma direção, o que raramente acontece. Essa oposição será inofensiva enquanto a intensidade de seu valor não for maior. Mas se a tensão desses opostos aumenta, graças a uma adesão unilateral grande demais, a tendência oposta surge na consciência, quase sempre no preciso momento em que é muito importante se manter a direção consciente. Devido ao alto grau de tensão energética, e o inconsciente se encontrar carregado, este momento é crítico, podendo ocorrer uma explosão com a liberação do conteúdo inconsciente (JUNG, 1991a, §138). No caso de Soluço não ocorre essa explosão, mas ele é conduzido inevitavelmente de encontro ao que mais teme: à amizade com um dragão. A tensão para que não se conduza de modo diferente da cultura local é tal que ele não resiste à força do inconsciente. Este se carrega de mais energia, e ele cede. </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">O fato de Soluço conseguir montar Banguela e usar diferentes técnicas para gerenciar seu voo, parece significar a habilidade de se querer intensificar, intencionalmente, a autonomia do inconsciente, a fim de interagir com este. Esse processo ocorre na imaginação ativa, uma técnica psicológica que consiste em se aproveitar a propriedade de animação dos conteúdos inconscientes, isto é, de se “moverem e falarem” internamente na psique, sem auxílio do eu. Assim, Soluço, interagindo com seu inconsciente, seu dragão, consegue integrá-lo cada vez mais, aprender com ele e superar diversos obstáculos que, de outro modo, seriam intransponíveis. Mas isso ocorre lentamente, com diálogos e feedback mútuo.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Quando o Fúria da Noite tem seu primeiro contato com Soluço, sai ferido, pois perde parte de sua autonomia (o estabilizador esquerdo da cauda), não sendo mais capaz de voar plenamente. Soluço, aplicando todo o seu esforço consciente, a técnica e a atenção, consegue fazer uma espécie de “flap” para estabilizar o voo de Banguela. A partir daí, este não é mais capaz de voar sem auxílio do amigo humano. Isso representa, psicologicamente, o contato da sombra com o inconsciente, e as consequências disso para este. Mais tarde, Soluço irá perder a perna esquerda, refletindo que, no processo de integração consciência/inconsciente, percebe-se, em cada nível, que ambas as partes não podem ser independentes uma da outra, pois fazem parte do mesmo sistema psíquico. Daí a observação de sua mãe de que ele e Banguela possuem a mesma idade. Então a consciência sabe que dependerá do inconsciente para conseguir alçar altos voos, para conseguir energia e disposição, interesse no que precisa e deve fazer. Por outro lado, o inconsciente também sabe que precisa da consciência como guia, para tomar decisões e dirigir a energia de que dispõe. Apenas sabendo que é tanto cavalo quanto cavaleiro, tanto copa quanto raiz da mesma árvore, pode o homem se sentir inteiro para viver plena e saudavelmente sua vida.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-tgYE3GIfpJg/VQQDF2qkciI/AAAAAAAADys/AMs-76kIXwc/s1600/Como-Treinar-seu-Drag%C3%A3o.png" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="272" src="https://1.bp.blogspot.com/-tgYE3GIfpJg/VQQDF2qkciI/AAAAAAAADys/AMs-76kIXwc/s1600/Como-Treinar-seu-Drag%C3%A3o.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Soluço aproxima-se de Banguela, e a consciência do inconsciente</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Um dos momentos mais marcantes do filme é a cena em que Soluço finalmente consegue conquistar a confiança de Banguela. De início, ao libertá-lo das amarras, ele desmaia, surpreso, após o terror que sente frente à ferocidade do animal. Depois tenta oferecer peixes como refeição e recompensa, é obrigado a se desarmar de uma faca primeiro, o bicho come e o retribui com um pedaço de peixe regurgitado. Soluço tenta tocá-lo, mas ele foge e faz um círculo protetor no chão para descansar. Depois desenha distraído no chão, Banguela se aproxima e desenha um labirinto na terra e, por meio de tentativa e erro, Soluço resolve o enigma pulando as linhas e chegando até ele. Percebe que ao tentar tocá-lo ele rosna. Então, faz sua parte apenas erguendo o braço e espera que o dragão o toque, o que ele faz. A aproximação se dá mutuamente, pela iniciativa do cavaleiro e do animal. Soluço tocá-lo, em um gesto unilateral, é ofensivo, mas erguer o braço e esperar pela sua resposta, não. Banguela cede, no entanto parece demonstrar certo orgulho, como se fosse uma espécie de autoridade. Então se afasta e voa. Mas o vínculo se estabelece. Assim é, de início, a aproximação do inconsciente.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">O processo psicoterápico é repleto de “altos e baixos”, com vários sucessos de contato com o inconsciente, mas também de inesperados desencontros. Ora se está em harmonia, ora irritado, triste, de novo centrado... Em certo momento se consegue esclarecer, com algum ponto de vista, um problema de relacionamento, e a personalidade se sente em paz. Semanas depois o mesmo problema volta a ocorrer, como se anteriormente não houvesse sido solucionado, mas se percebe que agora é requerida outra perspectiva, e a trama complexa é entendida de maneira nova, em acréscimo à outra ocasião. Aos poucos percebe-se, com a vivência da psicoterapia, que o caminho se constitui de avanços e retrocessos, que se deve aceitar tanto as retas quanto os desvios, que os supostos “defeitos” só o são sob certo ponto de vista. Supostas imperfeições são qualidades valiosas em determinadas situações, na intensidade adequada. São vistas como deficiência apenas por serem empregadas em momentos inapropriados pois, como não são aceitas pelo indivíduo, este não consegue gerenciá-las. Uma vez reprimidas, não existem para ele, ou, se são admitidas, são evitadas. Reprimir elementos da personalidade pode ser expresso em sonhos como o assassinato de uma pessoa ou animal, por exemplo. </span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Isto pode ser um sinal de alerta. Em geral, representa uma separação violenta de um conteúdo inconsciente. Esse afastamento pode ser a negligência de capacidades e talentos, ou expressar a separação de alguém (HARNISCH, 1999, p. 32) ou uma mudança nesse relacionamento. Ora, se tais conteúdos são projetados em outras pessoas ou animais que representem essas capacidades, estes podem ser alvo, no mundo real, de críticas, violência ou, dependendo do grau de inconsciência do sujeito e de seu temperamento, de assassinato. É o que ocorre com os dragões nos filmes em estudo. Conteúdos psíquicos de Soluço são negligenciados devido a este ter medo de se diferenciar dos demais, tornar-se anormal ou ser considerado louco. O mesmo ocorre com Berk ao nível coletivo. Ninguém pode se desviar da norma, devido ao risco de ser rejeitado pela coletividade. As pessoas, assim como os “defeitos” que representam, devem ser aceitas como indivíduos diferentes que são, apesar, ou melhor, justamente por causa das distinções. Pessoas iguais não fazem uma sociedade, mas uma multidão, uma massa informe. Ao invés de reprimir, renunciando-se à chance de se gerenciar tais deficiências, deve-se admiti-las e aprender a lidar com elas.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Mais tarde, Estóico diz que o filho passou para o lado dos dragões, mas está errado, já que Soluço conseguiu se posicionar de maneira a aceitar ambos os lados. O pai não consegue entender a capacidade de o filho conseguir conciliar os lados opostos. Como introvertido que é, Soluço simplesmente consegue perceber que o que ele via em Banguela era ele mesmo. Nas suas próprias palavras: “Olhei para ele e vi a mim mesmo.” Sim, porque os dragões representam uma soma de carências, de buracos, no povo de Berk, já que aprendeu a esconder partes vitais de si mesmo.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"> O SENTIDO DO DRAGÃO</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-5xGXkvQDzlw/VQQF9MKwx6I/AAAAAAAADy4/x4HgIdqHxLI/s1600/marduk%2Bluga%2Bcom%2Btiamat.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="229" src="https://1.bp.blogspot.com/-5xGXkvQDzlw/VQQF9MKwx6I/AAAAAAAADy4/x4HgIdqHxLI/s1600/marduk%2Bluga%2Bcom%2Btiamat.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Marduk luta com Tiamat, o dragão primordial</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">A chave para se compreender CTSD é atentar para o significado do dragão. Este é um símbolo extremamente vasto e abrange a figura da serpente. Conforme Eliade (1992, 29-30) expõe neste e nos parágrafos a seguir, mitologicamente, “nosso mundo” é uma reprodução da obra dos deuses, a cosmogonia. Logo, os adversários que o atacam são similares aos demônios, sobretudo ao Dragão primordial vencido pelos deuses nos primórdios dos tempos. É como se o ataque ao “nosso mundo” fosse uma desforra do Dragão mítico, se rebelando contra a obra dos deuses. Assim, toda destruição de uma cidade equivale a uma regressão ao Caos, e toda vitória contra o inimigo, à vitória exemplar do deus contra o Dragão (Caos). No Egito, o faraó e seus inimigos eram assimilados ao deus Rá e seu opositor, o dragão Apophis. Dario se identificava com um herói mítico iraniano que se dizia ter matado um dragão de três cabeças. A tradição judaica descrevia os reis pagãos com traços de dragões (ver Nabucodonosor em Jeremias 51, 34, e Pompeu nos Salmos de Salomão 9, 29).</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">O dragão equivale ao monstro marinho, à serpente primordial, e é símbolo das águas cósmicas, das trevas, da noite, da morte, do amorfo e do virtual, de tudo aquilo que ainda não tem uma forma. Nos mitos foi vencido e esquartejado pelo deus para que o cosmos viesse à luz. Marduk deu forma ao mundo a partir do corpo do monstro marinho Tiamat. Jeová criou o universo após a vitória contra o monstro primordial Raabe. [Nota do editor do blog: Na versão da Bíblia de João Ferreira de Almeida há o seguinte versículo: “Porventura não és tu aquele que cortou em pedaços a Raabe, e traspassou ao dragão?” Isaías, 51, 9] Porém, essa vitória do deus sobre o dragão deve ser repetida simbolicamente todos anos, pois todos os anos o mundo é recriado. Da mesma forma, a vitória do deus contra as forças das trevas, da morte e do Caos se repete a cada vitória da cidade contra os invasores.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-QEzBfvI3TCY/VQQGrJFQxdI/AAAAAAAADzA/fmP0ZlazEGQ/s1600/muro%2Bcidade.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="211" src="https://4.bp.blogspot.com/-QEzBfvI3TCY/VQQGrJFQxdI/AAAAAAAADzA/fmP0ZlazEGQ/s1600/muro%2Bcidade.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">Muros protegiam as cidades na Idade Média</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">No início, é muito provável que as fossas, labirintos, muralhas, etc., que protegiam as cidades e vilas tenham sido defesas mágicas para impedir a invasão de demônios e das almas dos mortos, mais do que a ataque de humanos. Na Índia se fazia um círculo em volta da aldeia para se interditar os demônios de uma epidemia. Na Idade Média, os muros das cidades eram consagrados ritualmente como defesas contra o demônio, a doença e a morte. Aliás, para o pensamento simbólico é muito fácil se assimilar o inimigo humano ao demônio e à morte, já que o resultado dos ataques demoníacos ou militares é o mesmo: a ruína, a desintegração e a morte. Ainda nos dias de hoje as mesmas imagens são usadas ao se formular os perigos que ameaçam certas civilizações: fala-se do “caos”, da “desordem” e das “trevas” onde “nosso mundo” se afundará. Essas expressões significam a abolição de uma ordem, de um Cosmos, e a nova submersão num estado fluido, amorfo e caótico. São prova de que imagens arquetípicas ainda sobrevivem, mesmo na linguagem do homem não religioso (ELIADE, 1992, 29-30).</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Berk possui uma estrutura social organizada e há muito estabelecida. Os dragões representam o caos, a desordem que se seguiria se passassem a não mais persegui-los. Tudo seria reestruturado, e seria inevitável um certo nível de desordem inicial.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">No livro “As crônicas de Nárnia”, no capítulo “A viagem do Peregrino da Alvorada”, de C. S. Lewis (2011), assim como no filme correspondente, existe um menino muito impertinente, irritante, arrogante e crítico, chamado Eustáquio Mísero. Quando ele se perde do seu grupo, avista um dragão à beira da morte e dorme por uma noite em sua caverna. De manhã, descobre que havia se transformado, para sua surpresa, num dragão. Acaba encontrando seu grupo sob a nova forma e consegue se revelar. O leão Aslan o faz voltar à forma humana ao dizer para se banhar em uma fonte, uma piscina redonda, e tira sua pele escamosa, como ocorre com a serpente, que perde a antiga pele. Mas o mais interessante é a transformação de personalidade que passa Eustáquio. Ele se arrepende de seu comportamento anterior e se torna uma pessoa muito mais gentil e um verdadeiro herói, que continua as aventuras em Nárnia no lugar dos primos. Mas por que essa mutação psíquica ocorre após ele se transformar em dragão? Ora, porque é preciso que uma forma se “derreta”, perca seus contornos originais, se “desforme”, se “descasque”, se funda e se dissipe, para depois ganhar um novo contorno. Como Eliade (1992) afirmou anteriormente, o dragão representa uma nova imersão num estado amorfo e caótico, o início de uma nova ordem. Como Cristo disse em Mateus 18, 3: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus.” (BÍBLIA, 1985). A criança é outro símbolo para o amorfo, isto é, a versão do ser humano original. Voltar a ser criança é se fundir para se deixar emergir em nova versão. É preciso morrer – outro sentido para o dragão – para nascer de novo.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-0ZYZKVKpX34/VQQHELsihXI/AAAAAAAADzI/iJK2BzgB_jM/s1600/consci%C3%AAncia%2Bda%2Bsombra.png" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="187" src="https://4.bp.blogspot.com/-0ZYZKVKpX34/VQQHELsihXI/AAAAAAAADzI/iJK2BzgB_jM/s1600/consci%C3%AAncia%2Bda%2Bsombra.png" width="320" /></a></div>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">Algo semelhante ocorre em “O Hobbit”, de Tolkien, e também no respectivo filme. Os anões, Bilbo e Bard saem transformados no confronto com Smaug. Segundo a Wikipédia (2015), seu nome deriva do alemão primitivo “smugan”, significando “deslizar em um buraco”. Remotamente, também se liga ao nome “smeagol” que, no inglês antigo, aparece na forma “smygel” que tem o sentido de “terrier, lugar em que se escorrega”. Smeagol remete a Gollum, a criatura sombria da qual Bilbo rouba o anel. Não é preciso muita imaginação para relacionar um buraco às trevas, assim como a Gollum e, por sua vez, ao dragão Smaug. Bilbo Bolseiro sai da caverna de Gollum, assim como do confronto com o dragão, descobrindo qualidades que nem imaginava que tinha. Também todos os anões saem transformados, principalmente Thorin. Bard, então, se transforma de pescador em herói e depois em rei.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">O “Ciclo da Herança”, de Christopher Paolini, é uma fantasia épica em que existem cavaleiros de dragões, como ocorre em CTSD. Desta quadrilogia foi feito um filme do primeiro livro, “Eragon”, possivelmente conhecido por quem não leu os livros. A integração que existe entre cavaleiro e dragão pode ser comparada à dos filmes em análise. Aqui apenas é mais “mística”, já que ambos compartilham suas consciências. É uma espécie de simbiose, pois se um morrer, o outro sente como se tivesse perdido uma parte de si mesmo e pode vir a perecer pelo luto. O relacionamento dragão/cavaleiro aponta para um simbolismo unitário: a dupla na verdade é um só elemento, que é visualizado como dois, consciente e inconsciente. E essa mesma expressão aparece no filme em estudo.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-Im-kGOX9BCU/VQQYJYjHsNI/AAAAAAAADzY/OLEYLjw4-gQ/s1600/eragon-eragon-175445_1280_1024.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" height="160" src="https://2.bp.blogspot.com/-Im-kGOX9BCU/VQQYJYjHsNI/AAAAAAAADzY/OLEYLjw4-gQ/s1600/eragon-eragon-175445_1280_1024.jpg" width="200" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">A integração dragão/cavaleiro em "Eragon"</span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana"; white-space: pre-wrap;"> </span><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">“Como treinar o seu dragão” é uma animação bela, de enredo comovente, voltada não só para crianças, mas também, e talvez muito mais pertinente, para adultos. É preciso que cada um reconheça o dragão que pode ser, o potencial embutido em seu interior, caso contrário este se torna destrutivo. É o que ocorre, por exemplo, com o povo brasileiro atualmente. Faz-se extremamente necessário que ele perceba como o dragão da corrupção se encontra presente em sua psique coletiva, o quanto é levado impulsivamente a agir em proveito próprio quando se trata do bem público ou alheio, mesmo que seja em um detalhe insignificante. A medida do ódio contra os corruptos corresponde ao grau da corrupção projetada, contida internamente. Não é que não se deva providenciar cadeia a eles. Trata-se, antes, da decisão de concordar em punir com a consciência de que se é punido com eles, de que a corrupção não pertence só ao outro. E que se deve gerenciar este dragão específico, questionar o motivo de querer tocar no bem alheio e, iluminado por essa clareza, usá-lo para encontrar o tesouro interno: a diferenciação dos próprios valores, encontrar importância no que se tem por meio do próprio mérito e, ainda, votar com consciência.</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: center;">
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">(Leia mais a respeito: </span></span></span> <span style="font-family: arial; font-size: medium;">"<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2020/12/as-raizes-psicologicas-da-homofobia.html" target="_blank">As raízes psicológicas da homofobia</a>", <span>"<a href="https://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2019/10/coringa-somos-todos-insanos-em.html" target="_blank">Coringa - somos todos insanos em potencial</a>", </span><span><span><span style="white-space: pre-wrap;">"</span></span><span style="text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/extincao-ou-renovacao-de-valores.html" target="_blank">Extinção ou renovação de valores?</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/a-solidao-e-o-trabalho-com-o.html" target="_blank">A solidão e o trabalho com o inconsciente</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/06/malevola-amargura-do-feminino.html" target="_blank">Malévola - a amargura do feminino</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/03/a-verdadeira-atitude-cientifica.html" target="_blank">A verdadeira atitude científica</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/10/frozen-uma-congelante-estoria-de.html" target="_blank">Frozen: uma congelante estória de recuperação</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2011/11/dorian-gray-e-sombra-na-atualidade.html" target="_blank">Dorian Gray e a sombra na atualidade</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", </span></span></span><span>"<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2018/03/anne-frank-dinamica-psiquica-de-uma.html" target="_blank">Anne Frank: a dinâmica psíquica de uma adolescente</a>"</span><span style="text-align: justify; white-space: pre-wrap;">)</span></span></div>
<span style="font-size: large;"><span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;"><br /></span></span>
<span style="font-family: "verdana";"><span style="white-space: pre-wrap;">REFERÊNCIAS</span></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">(As referências não encontradas aqui podem sê-lo no banco de referências deste blog: clique <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/vocabulario.html" target="_blank">aqui</a>.)</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">BANDEIRA, Cláudia de Moraes; HUTZ, Claudio Simon. As implicações do <i>bullying</i> na autoestima de adolescentes. Psicol. Esc. Educ. (Impr.), Campinas, v. 14, n. 1, jun. 2010 . Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572010000100014&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em 12 jun. 2012.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">BÍBLIA. Português. A bíblia de Jerusalém. Tradução de Domingos Zamagna. São Paulo: Paulinas, 1985.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">LEWIS, C. S. As crônicas de Nárnia. São Paulo: Martins Fontes, 2011.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">LOPES NETO, Aramis A. <i>Bullying</i>: comportamento agressivo entre estudantes. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 81, n. 5, Nov. 2005 . Disponível em < http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572005000700006&lng= pt&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em 23 abr. 2012.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;">WIKIPEDIA. Smaug. <http: maug="" pt.wikipedia.org="" wiki=""> Acesso em 10 fev. 2015.</http:></span></span><br />
<span style="font-family: "verdana";"><span style="font-size: large; white-space: pre-wrap;"><http: maug="" pt.wikipedia.org="" wiki=""><br /></http:></span></span>
<http: maug="" pt.wikipedia.org="" style="white-space: pre-wrap;" wiki=""><span style="font-family: "verdana"; font-size: large;">WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque; PINHEIRO, Fernanda Martins França. Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 138, dez. 2009 . Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0100-15742009000300015&script=sci_arttext >. Acesso em 17 jul. 2012.</span></http:></div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-49028926234455905112014-10-08T22:09:00.000-03:002018-04-04T22:11:50.642-03:00Frozen: uma congelante estória de recuperação<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-jSrPBUj1MRg/VDXXj4ZNFrI/AAAAAAAADYQ/ssyaGkb5URQ/s1600/frozen.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://3.bp.blogspot.com/-jSrPBUj1MRg/VDXXj4ZNFrI/AAAAAAAADYQ/ssyaGkb5URQ/s1600/frozen.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Capa do filme "Frozen".</td></tr>
</tbody></table>
É interessante como certas animações, normalmente voltadas ao público infantil, conseguem tratar temas universais de maneiras muitas vezes mais eficazes, porque simbólicas, do que vários filmes dramáticos adultos. Frozen foi baseado no conto de fadas “A rainha da neve”, de Hans Christian Andersen. É a estória de como Elsa, que possui a habilidade de criar formas por meio do congelamento da umidade do ar, capacidade que é nova e estranha para a maioria, pode reprimi-la e, por isso, não desenvolvê-la. Expressa como a repressão de nossas potencialidades pode levar à opressão do próprio eu, ao sofrimento e ao isolamento das outras pessoas. A única saída que Elsa encontra para seu poder de congelamento é viver solitária, pois aí consegue não somente exercer plenamente sua habilidade, como pode fazê-lo sem medo de machucar alguém. Mantendo os poderes de Elsa escondidos, seus pais esconderam sua própria filha, já que são característica genuína dela. Ao mesmo tempo, Frozen conta a estória de como a extroversão e a introversão podem ser equilibradas, a timidez vencida, e até o início de uma psicose revertido, para uma boa relação do indivíduo com o mundo.<br />
A capacidade de tecer formas de gelo a partir do nada remete à imaginação, à criatividade e à intuição, habilidades que Elsa demonstra ter muito desenvolvidas. As irmãs Elsa e Anna são muito apegadas, e a primeira conduz a segunda pelas suas criações, o que a cativa. Entretanto, para um desenvolvimento saudável, os irmãos estão suscetíveis à diferenciação entre si, ao aprimoramento de faculdades diferentes e, assim, à apreciação também distinta pelos pais. Como Anna admira muito Elsa e sua capacidade imaginativa original, segui-la significaria sempre ser inferior, estar um degrau atrás, o que é um ferimento, um congelamento do seu próprio ser mental (Elsa a atinge com seu poder a cabeça da irmã). Então esta desenvolve a função sentimento e de <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-v4ncI1xzi5s/VDXYRXAWLII/AAAAAAAADYY/17ATLSCCZvE/s1600/elsa%2Bconstroi%2Bponte.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="143" src="https://3.bp.blogspot.com/-v4ncI1xzi5s/VDXYRXAWLII/AAAAAAAADYY/17ATLSCCZvE/s1600/elsa%2Bconstroi%2Bponte.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A capacidade criativa de Elsa.</td></tr>
</tbody></table>
forma totalmente extrovertida, o que será explicado melhor adiante. Quando a irmã a atinge novamente, desta vez no coração, órgão representativo de sua função mais desenvolvida, então Anna corre o perigo de virar uma estátua de gelo, um colapso de sua capacidade de entrega ao outro, de se doar e se identificar com outrem. Anna se fere com a irmã justamente devido a essa sua capacidade empática. Se Elsa sente culpa de ter ferido a irmã um dia, esta também sente que deve ter feito algo para a irmã separar-se inexplicavelmente dela.<br />
Percebe-se como Anna é notadamente extrovertida, desequilibradamente, ao ponto de chegar a atirar-se nos braços do primeiro homem que a seduz. Zacharias (2006, p. 58) afirma que o extrovertido se orienta de acordo com o ambiente externo, o que inclui pessoas, objetos e ocorrências. Assim, estes possuem predominância sobre os aspectos subjetivos, internos, da experiência. O interesse e a energia se voltam para o mundo externo, que se torna seu orientador e campo de ação. Ele se acomoda com facilidade ao meio externo e caminha junto a ele. Isso pode ser prejudicial se ficar limitado ao mundo externo, esquecendo-se de si e de seu próprio bem-estar. Pode ser que o extrovertido se desgaste tanto com as exigências externas, às quais valoriza, e assim chegue ao ponto da exaustão e da perda da saúde física. O perigo que corre, então, é o de ser absorvido pelos estímulos externos, perdendo-se neles. Como o sistema psíquico é um conjunto autorregulador, existe no extrovertido uma tendência à introversão inconsciente, e vice-versa. O inconsciente pode provocar disfunções nervosas e físicas para equilibrar a psique, ocasionando uma limitação involuntária à extroversão extrema (ou à introversão radical, no outro caso).<br />
<blockquote>
O extrovertido saudável é aquele em que a introversão também intervém. Uma pessoa é considerada extrovertida por ser essa sua disposição mais habitual e pelo fato de que sua função mais diferenciada age de maneira extrovertida, ficando a função auxiliar em uma disposição introvertida. Assim, para agir, esse indivíduo prefere a disposição extrovertida, mas mantém, em momentos pessoais, o contato com a introversão, contatando seus sentimentos e pensamentos não explicitados no dia-a-dia. (ZACHARIAS, 2006, p. 58-59)</blockquote>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-MSoVmi5LrrE/VDXbgWOq6tI/AAAAAAAADZM/ZJWq36rwPnU/s1600/atitudes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="192" src="https://2.bp.blogspot.com/-MSoVmi5LrrE/VDXbgWOq6tI/AAAAAAAADZM/ZJWq36rwPnU/s1600/atitudes.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Esquema simplificado das atitudes extrovertida e introvertida.</td></tr>
</tbody></table>
O extrovertido, continua o autor, tende a vivenciar o mundo antes de entendê-lo. Mergulha nos acontecimentos antes de avaliar as implicações de suas decisões. Por isso é impulsivo e não resiste aos convites para participar de atividades. Prefere trabalhos em equipe, fala melhor que escreve, é mais generalista que especialista e mantém um bom diálogo enquanto faz outras coisas. <br />
Ao contrário de Anna, Elsa parece ser muito introvertida, e seu poder congelante revela ter relação estreita com essa característica (leia sobre o gigante de gelo posteriormente). Os introvertidos orientam-se por fatores subjetivos. Na verdade, os fatos exteriores não são rejeitados, mas sua atenção está centrada na impressão interna que esses fatos causam. A atenção é focada interiormente, nas impressões, nas emoções, nos pensamentos e nos sentimentos, isto é, nos processos internos que foram disparados pelo que se encontra lá fora. O introvertido prefere compreender o mundo antes de experimentá-lo, daí hesitar diante das oportunidades. Por isso é difícil aceitar imediatamente qualquer convite a alguma atividade. Prefere escrever a falar, e trabalhar com o mínimo de pessoas e distração. Os ambientes com muitos estímulos são evitados e tende a ficar alheio ao que ocorre à sua volta. Tem dificuldade em manter um diálogo enquanto faz outras coisas, preferindo fazer uma coisa de cada vez. Tende a se aprofundar muito em um assunto apenas do que ser superficial em variados temas (ZACHARIAS, 2006, p. 59-60). <br />
Como a extroversão parece ser a norma na cultura ocidental, a ponto de considerar a introversão como uma atitude egoísta ou fortemente egocêntrica (JUNG, 1991e, §696), ao expressar-se criativa e inadvertidamente, Elsa é considerada pelas autoridades presentes uma bruxa, e estranha para a população em geral. Mas Elsa não é somente introvertida. Sua autoestima foi depreciada pelos pais em benefício de Anna, considerada mais frágil por possuir maior capacidade de expressão, inclusive de sua ingenuidade, ao contrário da irmã, que, por pouco exteriorizar sua personalidade e ser mais velha, parece ser julgada mais forte por eles. Por isso se torna também extremamente tímida e insegura, o que se nota no modo como precisa usar luvas para tocar os objetos e as pessoas, pois estas a sentem como “fria”, “congelante”. A timidez é uma grande fragilidade perante a rejeição dos outros e, por isso, os tímidos evitam expor-se, principalmente a estranhos ou ao grande público. Já o introvertido pode expor-se se isso for necessário, caso contrário prefere não aparecer por desconsiderar o ambiente externo, e não por medo de rejeição, como ocorre com o tímido (ZACHARIAS, 2006, p. 60).<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-Ij0ma7cmDTM/VDXYV9RMwlI/AAAAAAAADYs/_b-PdsXE9wM/s1600/elsa%2Bno%2Bcastelo.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="201" src="https://1.bp.blogspot.com/-Ij0ma7cmDTM/VDXYV9RMwlI/AAAAAAAADYs/_b-PdsXE9wM/s1600/elsa%2Bno%2Bcastelo.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Elsa em seu castelo.</td></tr>
</tbody></table>
Elsa surta, foge e torna todo o reino gélido, reflexo de seu estado emocional. Ela constrói um castelo no ar e vai viver nele, sintoma característico da psicose. Nesse castelo, em outro mundo, ela pode viver tranquila, pode ser quem é, em total liberdade. Por fora, todos sentem sua frieza e como não extravasa mais seus sentimentos. Tudo isso é também resultado principalmente da maneira como foi criada, sem amor, sem valorização de sua essência, de sua genuinidade. Seu ego se estruturou mais fragilmente, pois não foi reforçado pela afeição. É então que ela canta uma canção, cujas partes reproduzidas a seguir são extraídas da versão cinematográfica dublada em português e da versão traduzida do site Vagalume, quando esta for considerada a tradução mais precisa. <br />
<blockquote>
O vento está uivando como este turbilhão tempestuoso dentro de mim / Não consegui mantê-lo lá, o céu sabe que eu tentei / Não os deixe entrar, não os deixe ver / Seja a boa menina que você sempre deve ser / Oculte, não sinta, não deixe que eles saibam (VAGALUME, 2014).</blockquote>
O introvertido tenta manter ao máximo seus conflitos internos dentro de si, sem expressá-los. Como desvaloriza o meio ambiente externo, não tem por que fazê-lo. Ainda mais o tímido, que teme poder ser rechaçado pelos outros. Entretanto, quando a introversão é extrema, como no caso de Elsa, a pressão para extravasar o próprio ser é imperiosa e por isso “explode”. Infelizmente, seus pais transmitiram que ela não devia se manifestar e ser livre, em benefício da irmã e para que ninguém a achasse estranha. “Oculte, não sinta” - ela tem que fazer de conta que leva uma vida normal, que não se sente rejeitada, envergonhada e desvalorizada. A situação não poderia continuar assim.<br />
<blockquote>
De longe tudo muda / Parece ser bem menor / Os medos que me controlavam / Não vejo ao meu redor / É hora de experimentar / Os meus limites vou testar / A liberdade veio enfim / Pra mim / Livre estou, livre estou (FROZEN, 2014).</blockquote>
A liberdade tão ansiada por Elsa e o surto que a torna aparentemente psicótica (esquizofrênica) são condições que coincidem com uma história verídica que fez sucesso no filme que inspirou, muito conhecido: “Uma mente brilhante”, de Ron Howard, estrelado por Russell Crowe. O livro do mesmo nome, de Sylvia Nasar, no qual o filme foi baseado, traz muito mais conteúdos sobre a vida de John Nash, gênio da matemática que se tornou esquizofrênico. Em uma carta à sua primeira esposa, Nash escreveu: “Percebe, você deve simpatizar mais com as verdadeiras necessidades de libertação, libertação da escravidão, libertação da castração, libertação da prisão, libertação do isolamento...” (NASAR, 2014, p. 464). A autora cita outro autor que discorre da recuperação de Nash: “O fato de ficar mais livre para se expressar, sem medo de que alguém o mandasse ficar calado ou o entupisse de remédios, deve tê-lo ajudado a sair de seu isolamento linguístico hermético, para onde fizera uma retirada desastrosa” (Ibid., p. 474). Infelizmente, Nash não conheceu o trabalho de Nise da Silveira, brasileira que dedicou sua vida recuperando psicóticos com pinturas em tela, onde eles podiam se expressar, exteriorizando seus loucos conteúdos em conexão com a realidade do quadro.<br />
<blockquote>
Você nunca vai me ver chorar / Aqui estou e aqui ficarei / Deixe a tempestade se alastrar / Meu poder agita através do ar até o chão / Minha alma está espiralizando em flocos congelados por toda parte / E um pensamento cristaliza como uma explosão de gelo / […] / A garota perfeita se foi / Aqui estou à luz do dia / Deixe a tempestade se alastrar (VAGALUME, 2014).</blockquote>
Para uma introversão intensificada pela timidez, as próprias criações imaginativas solitárias da alma são suficientes. Enquanto não se expressava, não se mostrava como era, parecia a garota perfeita e não a estranha bruxa que todo mundo supôs ser. É preferível viver sozinha a permanecer com medo de ferir, mas sempre se machucando.<br />
Em certo ponto do filme Elsa cria, sem saber, o boneco de gelo Olaf, símbolo do Si-mesmo, o qual diverte com sua capacidade de ser desmontado e reintegrado. Falando do caráter de futuro do símbolo da criança, da qual Olaf apresenta muitos aspectos, Jung (2000, §278) diz que a meta do processo de individuação é a síntese, isto é, a criação do Si-mesmo. Este é a inteireza que transcende a consciência e o ego do indivíduo. Segundo o autor, os símbolos do Si-mesmo ocorrem frequentemente no início do processo da individuação e podem ser observados nos sonhos iniciais da primeira infância (Olaf aparece no início do exílio de Elsa e quando as irmãs eram crianças). Isso indica que o <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-LaAMEnUcfeQ/VDXYWgWaK1I/AAAAAAAADY4/2ZDdEfym1Mo/s1600/olaf.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="207" src="https://3.bp.blogspot.com/-LaAMEnUcfeQ/VDXYWgWaK1I/AAAAAAAADY4/2ZDdEfym1Mo/s1600/olaf.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Olaf representa o Si-mesmo de Elsa e possui a<br />
atitude extrovertida, sombria para ela.</td></tr>
</tbody></table>
Si-mesmo é uma potencialidade, uma possibilidade de vivência, que já existe desde cedo, mas que depende de uma montagem, de materialização, de uma síntese. Observa-se esse modelo inicial do Si-mesmo na introdução do filme, quando as crianças montam Olaf, que é um simples boneco de neve comum, inanimado. Porém, mais tarde, Anna o encontra quando está para se deparar com Elsa. Devido ao momento em que surge, e totalmente animado, ele parece significar o início das tentativas de Elsa de integração de seus diversos aspectos. O trabalho de integração psíquico, o processo de individuação, consiste em uma série de separações e unificações. “A união interior deve ser interpretada como um 'fortalecimento' frente a influências externas desintegradoras” (JUNG, 2000, §612). Anna, por sua vez, parece representar a potencialidade de extroversão que a irmã precisa para se equilibrar e conviver socialmente. Olaf fica do lado de Anna, que representa o lado sombrio de Elsa que precisa ser mais integrado à vida da irmã.<br />
Mas Elsa, para se proteger de ameaças à sua vida, representadas por interesses de poder nos personagens Hans e Duque de Weselton, cria um gigante de gelo, que coloca em perigo a vida da própria irmã e que se opõe à inteireza da psique (Olaf). Em algumas versões da mitologia nórdica, onde há gigantes de gelo e de fogo, estes surgiram antes dos deuses. Aqui o fogo remete à emocionalidade. O gelo representa o clímax de um estado emocional que se transforma em rigidez. <br />
<blockquote>
Provavelmente vocês já viram alguém em um estado de fúria apaixonada. Se isso se intensifica, de repente a pessoa não sente mais nada, a emoção baixa; a pessoa torna-se completamente fria como o gelo e rígida, em consequência da raiva; em lugar da reação emocional quente a pessoa fica petrificada de raiva, ou num estado de choque, qualquer que tenha sido a emoção original. Ela fica literalmente com as mãos frias, tiritando, pois todos os vasos sanguíneos se contraem e, ao invés de ficar com a cabeça quente, sentindo a emoção que abrasa, a pessoa fica fria. O gelo é um passo adiante, quando a emocionalidade cai no outro extremo. Assim, isso está de acordo com o fato de que os gigantes na mitologia são os soberanos dos domínios do gelo e do fogo, desde que ambos são estados não humanos e completamente fora do equilíbrio. (VON FRANZ, 1985, p. 267-268)</blockquote>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-qbqPnsY_R3Q/VDXYWB3f95I/AAAAAAAADYw/XzGsSQcfz-w/s1600/monstro.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="180" src="https://1.bp.blogspot.com/-qbqPnsY_R3Q/VDXYWB3f95I/AAAAAAAADYw/XzGsSQcfz-w/s1600/monstro.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O monstro de gelo simboliza o terror de Elsa<br />
na interação com outras pessoas.</td></tr>
</tbody></table>
O monstro de gelo é uma personificação do medo e do terror de Elsa que se volta agressivamente contra todos que se opõem à liberdade recém-conquistada. Elsa se torna uma vilã, como ocorreu com Malévola (2014), cuja estória também foi interpretada e está disponível <a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/06/malevola-amargura-do-feminino.html" target="_blank">aqui</a>. Totalmente <i>frozen</i> (congelada), só conseguirá trazer a irmã petrificada de volta e descongelar o reino quando descobrir a capacidade de amar a si mesma (o que ocorre no exílio) e, consequentemente, aos outros, por meio da irmã. No final do filme ocorre um equilíbrio nas atitudes de introversão e extroversão extrema das irmãs: uma passa a ficar à vontade para usar sua capacidade criativa junto à população; a outra não se entrega a Kristoff de pronto, como fez com Hans, o qual se revelou um patife. <br />
Cabe aqui mais uma observação sobre Alef. Como personificação do novo jeito de ser de Elsa, ele almeja conhecer o verão e o calor, que são elementos opostos à sua essência gelada. Apenas quando sua criadora se harmoniza, ele é capaz de manter-se íntegro mesmo vivendo em meio ao calor, por meio de uma nuvenzinha gélida própria, criada por Elsa. É como se esta entendesse a necessidade de sua conexão com seu Si-mesmo, seu núcleo de integração e sustentação de seu ser psíquico. Nesse sentido, a nuvenzinha que faz cair neve constante sobre o boneco animado parece figurar um eixo de ligação do seu eu com o Si-mesmo. Olaf é um ser feito de neve, que é, no entanto, caloroso, engraçado e extrovertido também. Ele comporta qualidades totalmente opostas, e por isso simboliza a totalidade da protagonista que a leva à completa realização: aceitação do seu ser por si mesma e pelos outros, e amor por todos estes.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-GdXpMRxTfpo/VDXdkrp_bkI/AAAAAAAADZY/_Fvlew3Ypq4/s1600/uma-mente-brilhante.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://2.bp.blogspot.com/-GdXpMRxTfpo/VDXdkrp_bkI/AAAAAAAADZY/_Fvlew3Ypq4/s1600/uma-mente-brilhante.jpg" width="138" /></a></div>
Semelhante ao gênio esquizofrênico, Nash, Elsa ficara isolada por imposição, devido à sua grande capacidade criativa. Do mesmo modo ela quis se libertar da “castração” um dia imposta por seus pais e depois prolongada por ela mesma. Só quando conseguiu ficar livre para se expressar sem medo de rejeição, quando finalmente pôde sentir e manifestar o amor que nutria pela irmã com a sua perda, é que se conectou novamente à realidade. <br />
<div style="text-align: right;">
</div>
No entanto, isso não teria sido possível sem o amor incondicional da irmã, que insiste em trazê-la de volta ao lar, à realidade. Ao perceber Anna totalmente congelada, produto de seu descuido, Elsa é obrigada a sair de seu casulo congelante, enfrentar a realidade e extravasar seu amor. Mas aí tudo se transforma, pois percebe que todo o inverno em que vivia constituía uma vigorosa projeção do que se encontrava em seu interior. Talvez até o congelamento da sua irmã fosse uma projeção que ela teve que descartar por sentir-se genuinamente aceita e amada. Então Elsa se torna capaz de usar sua capacidade criativa totalmente em sintonia com todos ao redor. Ninguém mais a teme, pois ela não mais teme a si mesma. Ninguém a repele ou a encarcera, já que ela conseguiu libertar o seu ser com o autoconhecimento e, acima de tudo, com o amor próprio e o da irmã.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-4sOIEJiIu4c/VDXYViVkMjI/AAAAAAAADYo/rnuARSu03mw/s1600/Elsa%2Babra%C3%A7a%2BAnna%2Bcongelada.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="281" src="https://1.bp.blogspot.com/-4sOIEJiIu4c/VDXYViVkMjI/AAAAAAAADYo/rnuARSu03mw/s1600/Elsa%2Babra%C3%A7a%2BAnna%2Bcongelada.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ao ser capaz de expressar seu amor pela irmã, <br />
Elsa consegue se recuperar.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2013/01/a-sombra-do-homem-aranha.html" target="_blank">A sombra do Homem-Aranha</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2011/11/dorian-gray-e-sombra-na-atualidade.html" target="_blank">Dorian Gray e a sombra na atualidade</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/11/analise-da-figura-whisper-de-lizzy-john.html" target="_blank">Análise da figura 'Whisper', de Lizzy-John</a>" e "Alice no inconsciente coletivo (<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" target="_blank">1ª parte</a> e <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-2-parte.html" target="_blank">2ª parte</a>, "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2018/03/anne-frank-dinamica-psiquica-de-uma.html" target="_blank">Anne Frank: a dinâmica psíquica de uma adolescente</a>").</div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
REFERÊNCIAS</div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As citações neste texto possuem referências que podem ser encontradas <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/referencias.html" target="_blank">aqui</a> (ou vá à página Referências, neste site).</div>
Link: http://www.vagalume.com.br/frozen-trilha-sonora/let-it-go-idina-menzel-traducao.html#ixzz3EdjDaZVE</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-21895460008123788682014-08-29T18:25:00.006-03:002018-02-03T20:07:49.418-02:00Tipos psicológicos: teoria e vivência (oficina)<div style="text-align: center;">
<br />
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="355" marginheight="0" marginwidth="0" scrolling="no" src="//www.slideshare.net/slideshow/embed_code/38502311" style="border-width: 1px; border: 1px solid #CCC; margin-bottom: 5px; max-width: 100%;" width="425"> </iframe> </div>
<div style="margin-bottom: 5px; text-align: center;">
<b> <a href="https://pt.slideshare.net/charlesalres/tipos-psicologicos-teoria-e-vivencia-38502311" target="_blank" title="Tipos psicologicos teoria e vivencia">Tipos psicologicos teoria e vivencia</a> </b>de <b><a href="https://www.slideshare.net/charlesalres" target="_blank">Charles A. Resende</a></b><br />
<br />
Slides da oficina "Tipos psicológicos: teoria e vivência", ministrada por Charles A. Resende, com relato de fatos da vida relacionados aos tipos psicológicos (baseados na vivência do autor com clientes, amigos e parentes) e momentos de vivência. Os slides e a oficina podem ser expandidos e editados de acordo com a demanda da empresa ou da instituição. Contato: (12) 99734 9729 ou<br />
e-mail charlesalres@gmail.com <br />
<br />
A monografia no slide se refere ao seguinte trabalho:<br />
"<a href="https://drive.google.com/file/d/0B3qqK9kBfsQhNTE1NWNjMmYtZWJiZS00MWRmLWEzNmEtNzc0MzMyYjY4YzUy/view?usp=sharing" target="_blank">A intuição e a sensação em dependentes de drogas na perspectiva da Psicologia Analítica</a>"<br />
<br />
(Leia mais a respeito: "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/03/a-verdadeira-atitude-cientifica.html" target="_blank">A verdadeira atitude científica</a>",<b> </b>"<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2015/08/a-previsao-de-fatos-com-base-em.html" target="_blank">A previsão de fatos, contextos e ideias irracionais</a>")</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-14154318101518097392014-07-13T15:06:00.000-03:002019-10-28T11:12:14.706-03:00Gita - uma análise do "Eu Sou"<span id="goog_1143006046"></span><span id="goog_1143006047"></span><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-OATNcSleHwY/U8A_bFHsz9I/AAAAAAAADMU/ij82psuChc4/s1600/Raul-seixas.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-OATNcSleHwY/U8A_bFHsz9I/AAAAAAAADMU/ij82psuChc4/s1600/Raul-seixas.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Raul Seixas</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
“Gita” foi composta por Paulo Coelho, um grande leitor do Bhagavad-Gita, e Raul Seixas em 1974, e se tornou um grande sucesso na época (WIKIPEDIA, 2014). Neste texto se fará referência apenas ao cantor pela facilidade da referência.<br />
Esta apreciação da música contempla uma interpretação psicológica de uma tradição espiritual. Esse ponto de vista é interessante na medida em que oferece a oportunidade de se compreender, de um modo mais vivencial, porque psicológico, o que foi oferecido espiritualmente. Originalmente, as tradições espirituais proporcionavam essa vivência, porque o aspecto psicológico era projetado no mundo externo: os deuses eram percebidos fora do homem. Isso não ocorre mais, como é explicado no comentário à 4ª estrofe. Pode-se dizer que a psicologia analítica engloba a tradição espiritual, desde que “transportou” a espiritualidade para o âmbito psíquico, oferecendo a oportunidade de renovação que as religiões em geral carecem. A psicologia de modo algum se tornou uma nova espécie de religião, mas passou a suprir uma carência que antes só as religiões podiam suprir, e uma carência que pode ser encarada como psicológica, pois a espiritualidade faz parte da psique. Infelizmente, as religiões cristãs, e as igrejas evangélicas em especial, resolveram excluir a psicologia dos seus assuntos, temendo a perda da fé. Não que psicologia e religião devessem mesclar suas áreas de estudo e atuação, mas também não deveriam ser consideradas excludentes entre si, pois o homem não é nem apenas religioso, ou ateu, ou cientista, mas abarca estas e muitas outras, senão todas, as possibilidades.<br />
O título da canção refere-se ao Bhagavad-Gita (em sânscrito: “Canção de </div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-z5Q_aRp64eY/U8A_xPr-nLI/AAAAAAAADMc/FUK89MjUzX0/s1600/bhagavad-gita-front%255B1%255D.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://2.bp.blogspot.com/-z5Q_aRp64eY/U8A_xPr-nLI/AAAAAAAADMc/FUK89MjUzX0/s1600/bhagavad-gita-front%255B1%255D.jpg" width="131" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A escritura hindu</td></tr>
</tbody></table>
Deus”), texto que faz parte do épico Mahabharata, uma parte dos Vedas, extensas escrituras do hinduísmo. <br />
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
O texto, escrito em sânscrito, relata o diálogo de Krishna (uma das encarnações de Vixnu) com Arjuna (seu discípulo guerreiro) em pleno campo de batalha. Arjuna representa o papel de uma alma confusa sobre seu dever, e recebe iluminação diretamente do Senhor Krishna, que o instrui na ciência da autorrealização. (WIKIPEDIA, 2014)1</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
As estrofes da música foram numeradas para facilitar as referências ao longo do texto e também para explicitar o simbolismo dos números. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<i>1ª - "Eu que já andei / Pelos quatro cantos do mundo / Procurando / Foi justamente num sonho / Que Ele me falou"</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
A canção é dividida em treze estrofes, sendo que a primeira é a fala de Raul e as doze seguintes são declarações de Deus acerca da sua pessoa. O doze é o número de uma realização, de um ciclo concluído (um ano). No Tarô, o Enforcado (XII) assinala o fim de um ciclo, seguido pela Morte (XIII), que tem o sentido de renascimento (CHEVALIER e GHERBRANT, 1990, p. 349). A divisão do céu em 12 setores ou signos, símbolos de tipos de caráter astrológico, reflete os diferentes aspectos de Deus, de quem o homem é a imagem.<br />
Esse verso introdutório mostra que o autor andou pelos quatro cantos do mundo. Os quatro “cantos” conhecidos são os pontos cardeais, os quais, psicologicamente, referem às quatro funções de orientação da consciência: a sensação, a intuição, o sentimento e o pensamento. Através dessas funções o ser humano é capaz de lidar com a realidade, de orientar-se no mundo de acordo com a situação apresentada. Se esta requer a percepção através dos sentidos, a sensação será utilizada; se os valores ou as relações humanas, então é o sentimento; se a atividade é intelectual, então é o pensamento; e se se procura alguma solução que requer conexão de vários dados das outras funções, com o oferecimento de variadas possibilidades, então a intuição é usada. Em relação a certo objeto, a sensação dirá ao indivíduo que existe algo à sua frente; o pensamento interpretará e dirá o que é o objeto, em que consiste, e fornecerá outras ideias a seu respeito; o sentimento mostrará se ele convém ou não, se o indivíduo quer ou não o objeto; e a intuição, por intermédio de percepções subliminais, inconscientes, fornecerá as possibilidades do objeto, além de sua origem e futuro. Entretanto, o indivíduo tende a empregar em todas as situações apenas uma certa função, independente de ser ou não a mais adequada, e isso configura um tipo psicológico específico. Então surgem os tipos pensamento, sentimento, etc., os quais tendem a usar muito mais a função que possui maior valor (JUNG, 1991e).<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-xVGzL0jffkg/U8BC12o3PaI/AAAAAAAADMs/gDFybbR0KO0/s1600/ESQUEMA+DAS+FUN%25C3%2587%25C3%2595ES+PS%25C3%258DQUICAS.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="192" src="https://2.bp.blogspot.com/-xVGzL0jffkg/U8BC12o3PaI/AAAAAAAADMs/gDFybbR0KO0/s1600/ESQUEMA+DAS+FUN%25C3%2587%25C3%2595ES+PS%25C3%258DQUICAS.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Neste caso, o pensamento é a função de maior valor.</td></tr>
</tbody></table>
Raul procurou pelos quatro pontos cardeais, isto é, pela terra inteira, por todo lugar, mas não encontrou o que queria. Foi justamente num sonho, isto é, em um evento que não depende de vontade para acontecer, e que não ocorre fora, mas dentro do indivíduo, que “Ele” falou com o autor. O sonho, atualmente, excetuando-se o emprego psicológico, é tratado como produto efêmero e insignificante da alma humana e nunca foi tão desprezado. “Antigamente, era muito valorizado como um prenunciador do destino, admoestando e consolando, como um emissário dos deuses. Hoje, é utilizado como porta-voz do inconsciente; sua função é revelar os segredos que a consciência desconhece, e realmente o faz com incrível perfeição” (JUNG, 1987b, §21). <br />
Parece que Raul procurava justamente encontrar-se com Ele, que passa a se descrever ao longo dos demais versos. <br />
A introdução da canção lembra o tema do livro “O Alquimista”, de Paulo Coelho, cujo personagem, Santiago, tem sonhos repetidos em que encontra um tesouro perto das pirâmides do Egito. Passa por várias peripécias e acaba descobrindo que o verdadeiro tesouro encontra-se onde está seu coração. Ora, “coração” é o centro do corpo humano, órgão responsável por bombear a vida - como se entende o sangue na perspectiva de diferentes povos - às diversas partes do corpo. Daniel (no 2º capítulo do respectivo livro, na Bíblia), diz ao rei Nabucodonosor: “30 E a mim me foi revelado este mistério, não por ter eu mais sabedoria que qualquer outro vivente, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei, e para que entendesses os pensamentos do teu coração”. O rei não sabia quais os pensamentos de seu coração, isto é, do seu inconsciente. Do mesmo modo, Raul também encontra em um sonho algo muito importante, e isso consiste em uma revelação de um ser, o qual chama simplesmente de “Ele”. É como se Ele fosse a própria personificação do inconsciente - pode-se chamá-lo de Deus ou de algo essencial do próprio Raul, que satisfaz completamente ao cantor, e corresponde à busca pelo mundo. Tudo indica que ele não sabia o que procurava, nem como identificá-lo, pois Ele passa a se descrever de maneira misteriosa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<i>2ª - Às vezes você me pergunta / Por que é que eu sou tão calado / Não falo de amor quase nada / Nem fico sorrindo ao teu lado...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Essa estrofe denuncia que Raul já tem um certo relacionamento com Ele, e que o estranha por ser “tão calado”, por não falar muito de amor e não ficar sorrindo ao seu lado, como se não devesse ser assim. Parece que o cantor possui um modelo de como Ele deveria ser e agir, um ideal de deus: deveria demonstrar mais amor e alegria, um extrovertido ideal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>3ª - Você pensa em mim toda hora / Me come, me cospe, me deixa / Talvez você não entenda / Mas hoje eu vou lhe mostrar...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto, Ele diz que Raul pensa nEle toda hora, que o come, cospe e deixa. Bem, se o cantor já soubesse que pensava nEle toda hora, não haveria nenhuma novidade nessa afirmação. Mas Ele está revelando seu ser, que é desconhecido de Raul. Logo, é como se qualquer coisa que o autor pensasse se referisse infalivelmente a Ele, que também é comido, cuspido e deixado de lado, isto é, tido como necessário, desprezado e também neutro. Isso ocorreu com Cristo, avaliado como supremo bem e “comido” como pão, cuspido e desprezado por todos.<br />
Pode ser que o autor da canção não entenda, mas Ele irá mostrar-se como é.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-oZnVFLWtb6Q/U8KmDKEu9QI/AAAAAAAADM4/06wWmXpUt4g/s1600/deus+dentro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="480" src="https://3.bp.blogspot.com/-oZnVFLWtb6Q/U8KmDKEu9QI/AAAAAAAADM4/06wWmXpUt4g/s1600/deus+dentro.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O princípio de Deus enquanto o "Eu Sou"</td></tr>
</tbody></table>
<blockquote class="tr_bq">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i>4ª - Eu sou a luz das estrelas / Eu sou a cor do luar / Eu sou as coisas da vida / Eu sou o medo de amar...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
A partir daqui, Ele se revela como tendo várias faces e passa a falar de si de forma muitas vezes ambígua. No Bhagavad-Gita Krishna exorta a Arjuna: </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
43 – Uma vez que conheceste o Eu Supremo, supera os sentidos, a mente e as emoções, pelo poder do EU SOU. Derrota os teus inimigos, que, em formas várias, a ti se apresentam. (Cap. 3) [...] 29 – Ele [o devoto] sabe que eu sou a Essência em todas as Existências; eu, o Imanifesto em todos os Manifestos; eu, a suprema e imutável Realidade em todos os mundos em incessante mutação; eu, refúgio e proteção de todas as criaturas. Quem isso sabe encontrou a paz. (Cap. 5) [...] 31 – Eu sou a imanente Realidade em todos os seres; quem me cultua como o Uno e o Absoluto em tudo permanece em mim, independentemente das vicissitudes da sua vida aqui na Terra. (Cap. 6) 6 - [...] eu sou o princípio dos mundos e sou o seu fim [...] 8 – Os mundos todos estão enfiados em mim, assim como as pérolas unidas por um fio. Eu sou o sabor da água que bebes; eu sou o fulgor da Lua e do Sol; [...] eu sou a harmonia dos espaços; eu sou a força procriadora dos homens. (Cap. 7) (ROHDEN, 1984)2. </blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesta última citação pode-se abarcar todas as autoafirmações de Deus na canção como um todo. O Deus bíblico também se identifica de maneira semelhante: </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
Ex. 3, 13 Então disse Moisés a Deus: Eis que quando eu for aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vós; e eles me perguntarem: Qual é o seu nome? Que lhes direi? 14 Respondeu Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos olhos de Israel: EU SOU me enviou a vós. […]<br />
Ap. 1, 8 Eu sou o Alfa e o ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e que há de vir, o Todo Poderoso.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Psicologicamente, essa menção a Deus como “Eu sou” ou “Eu sou o que sou” o revela como a fonte do ego, da identidade pessoal do indivíduo. É este “Eu sou” que seria, como arquétipo, interiormente, a fonte do eu ao qual as pessoas em geral se referem quando dizem: “Eu sou (ou não sou) assim”, “Eu (não) gosto disso” ou “Eu (não) faço isso”. Este é o eu subjetivo, ou ego. Já o primeiro, a figura de Deus, enquanto uma totalidade que abrange qualidades até opostas, seria o que se chama de Si-mesmo, a identidade objetiva, isto é, que é inata, que nasce com todo sujeito, que não depende da consciência ou subjetividade do indivíduo para existir, e que pertence a toda a humanidade. A relação entre o ego e o Si-mesmo é de difícil compreensão e corresponde, de maneira bem aproximada, à relação entre o homem e seu Criador, tal como é retratado nos mitos. O mito é a expressão simbólica da relação entre o ego e o Si-mesmo (EDINGER, 1992, p. 22-23).<br />
É interessante notar que a afirmação de que Ele é a luz das estrelas é a primeira de todas as autoafirmações de Deus. A ciência, o conjunto dos conhecimentos acumulados do homem, teve início com a observação das estrelas, nas quais o homem identificou os “deuses”, psicologicamente as partes principais do inconsciente, isto é, suas dominantes psíquicas, os arquétipos. Com a astrologia, uma experiência primordial, foram descobertas as estranhas qualidades psicológicas do zodíaco, uma projeção do caráter humano, com a qual se formou uma teoria completa (JUNG, 1990c, §346).<br />
Segundo os mitos, estrelas e deuses têm caráter de destino, têm a propriedade de influenciar as condições históricas externas. Estas são meros pretextos para os sistemas político-sociais delirantes, que são o verdadeiro perigo que ameaça a existência. Na verdade, esses sistemas são resoluções precipitadas pelo inconsciente coletivo. Em épocas anteriores, acreditava-se que os deuses faziam esse papel. Mas o enfraquecimento dos símbolos fez com que se descobrisse os deuses como fatores psíquicos, os arquétipos. “Desde que as estrelas caíram do céu e nossos símbolos mais altos empalideceram, uma vida secreta governa o inconsciente. É por isso que temos hoje uma psicologia, e falamos do inconsciente.” (JUNG, 2000, §50)<br />
A declaração de que Ele é o medo de amar é estranha, pois, em princípio, não parece muito associada ao Deus cristão. Porém, há uma declaração de Krishna que ajuda a entender esse trecho:</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
54 – Somente por um amor sem reserva, ó Arjuna, pode alguém ver-me assim como eu sou na verdade, e essa visão do meu ser lhe dá imortalidade. 55 – Aquele que em tudo que faz visa a mim somente e inteiramente se entrega a mim, livre de apego e hostilidade para com ser algum da natureza – só esse se une totalmente a mim. (ROHDEN, 1984, Cap. 11)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-fmMHrJui0m8/U8KoBpp2RlI/AAAAAAAADNM/rBhRVFUosbk/s1600/amor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="512" src="https://2.bp.blogspot.com/-fmMHrJui0m8/U8KoBpp2RlI/AAAAAAAADNM/rBhRVFUosbk/s1600/amor.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O amor divino possui correspondência no amor conjugal, no amor ao próximo, no amor ao Amor</td></tr>
</tbody></table>
<br />
O capítulo 11, de onde os versículos citados anteriormente foram tirados, é o capítulo mais fantástico e estranho para Rohden, tradutor da versão do Bhagavad-Gita utilizada neste artigo. Nesse capítulo Krishna descreve Deus em seus aspectos positivos e negativos, mostrando que Ele está além do bem e do mal, e pode se revelar em todas as qualidades opostas: suaves e terríficas, amáveis e temíveis, como luz do mundo, mas também como fogo devorador. Deus se revela a Jó também em qualidades opostas, como escrito em seu livro a partir do capítulo 38. No versículo citado, Krishna diz que apenas um amor sem reserva pode abranger os aspectos negativos e positivos de qualquer ser, e que só esse une o devoto a Deus. Mas a canção de Raul fala que Deus é, inclusive, o medo de amar, isto é, o amor com reserva. Ele afirma que até o medo de amar é Deus, pois é também uma das possibilidades da existência, que é criação divina. <br />
Além disso, o medo de amar está mais para o devoto que para Deus, principalmente depois que aquele vivencia o lado terrífico divino, pois é muito difícil se compreender que alguém pode ser ao mesmo tempo temível e amável. O ser humano em geral se identifica ou com uma ou com outra qualidade, e, quando se reconhece como bom, não admite conter também o mau, e pode fazer coisas terríveis para as outras pessoas sem tomar consciência disso. Deus como medo de amar indica a possibilidade dEle se identificar com o ser humano, uma vez que pode se tornar um, como fez em Krishna e em Cristo. Psicologicamente, isso representa a possibilidade do ego materializar as qualidades do Si-mesmo, de admitir ser portador de variadas qualidades compensatórias ou opostas, uma vez que até as rotuladas normalmente de “negativas” são vistas como positivas se empregadas em situações adequadas.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-gWqit2hNCY8/U8KmwfcUGBI/AAAAAAAADNE/u7nm2ueuemY/s1600/SOMBRA+ACUSANDO.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://1.bp.blogspot.com/-gWqit2hNCY8/U8KmwfcUGBI/AAAAAAAADNE/u7nm2ueuemY/s1600/SOMBRA+ACUSANDO.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nossas qualidades sombrias contém o<br />
germe do Eu Sou</td></tr>
</tbody></table>
No segundo verso, Ele afirma ser a cor do luar – não o próprio luar, nem a lua. O luar é a claridade do reflexo da luz do sol pela lua. A cor do luar é prateada, uma espécie de penumbra, não totalmente clara ou branca, mas também não deixa de ser luz. Porém, tanto as estrelas quanto a lua são astros da noite, e aqui o autor leva a crer que Deus se revela primeiramente na noite, quando não há uma afirmação positiva nem de uma coisa, nem de outra; em que Ele afirma ser o receio de amar e as coisas comuns da vida. Primeiro Ele é o que está em cima (estrelas e luar); depois Ele se identifica com o que está embaixo (aqueles que têm medo de amar e as coisas da vida). O Si-mesmo é o acima e o abaixo, o superior e o inferior, o positivo e o negativo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>5ª - Eu sou o medo do fraco / A força da imaginação / O blefe do jogador / Eu sou, eu fui, eu vou.. / Gita! Gita! Gita! / Gita! Gita!</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
A canção enfatiza principalmente o aspecto escuro, ou o que se costuma chamar “defeituoso”, de Deus. Seria isso, na psicologia do cantor, uma tentativa de aproximação de um ego não muito forte, não muito estruturado, do Si-mesmo, o arquétipo da estruturação e fortalecimento da identidade? Pode ser também que Raul simplesmente tentasse uma aproximação para com o Deus cuja imagem passada a ele fosse a de um ser autoritário e prepotente, que se mantinha apartado, na posição de juiz do ser humano. <br />
No entanto, Ele poderia ter dito que era o fraco, mas declara ser o medo dele, isto é, um sentimento. No verso seguinte, sustenta que é a força da imaginação. Existe aqui um trocadilho com o 1º verso, o que denuncia que o Si-mesmo refere à essência do fraco, que é seu medo, e a opõe à força da imaginação, que é o principal instrumento de outra função psíquica: a intuição. Ora, um jogador utiliza o blefe para se safar de uma situação desfavorável, quando considera suas cartas fracas, o que faz dele um fraco. Então ele usa seu medo para acionar sua imaginação, sua força, que criará o blefe. Um bom jogador sabe utilizar sua fraqueza e sua força, pois toma consciência de seu sentimento de medo (condição real de fraqueza no jogo), e utiliza sua intuição para sobrepujá-la. Certas pessoas preferem não admitir que têm medo e negam seus sentimentos genuínos, não tomando consciência deles. Por isso podem não resolver várias situações da vida, pois desprezam logo o órgão psíquico que informa ao indivíduo o que é agradável ou não, o que sente como ameaça, o perigo, e deixa de agir de maneira apropriada à situação correspondente ao sentimento que reprime: no caso da ameaça e do perigo, o medo. Portanto, o medo do fraco, pode bem ser a força do forte, se o ego perceber o medo que é o Si-mesmo e aceitá-lo, sem reprimi-lo.<br />
“Eu sou, eu fui, eu vou”. Aqui há uma transição entre os verbos ser e ir: <i>eu sou</i> – ser; <i>eu fui</i> – ser/ir; e <i>eu vou</i> – ir. O indivíduo pleno, centrado, em sintonia com o Si-mesmo, age de acordo com o que é, pois é congruente com seu ser. Assim é a essência do ser humano, o Si-mesmo, seu centro sagrado; assim deve ser seu “servo”, o ego. Aquele que vive realmente a vida e suas contradições e aceita seus medos, sem fugir deles, transita do ser para a revelação ou expressão desse ser, que é a ação, sua meta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>6ª - Eu sou o seu sacrifício / A placa de contramão / O sangue no olhar do vampiro / E as juras de maldição...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele não anuncia ser o que sacrifica, nem qualquer sacrifício, mas o <i>seu sacrifício</i>. No Bhagavad-Gita há uma passagem esclarecedora de Krishna.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
15 – Muitos dos que me reconhecem como Uno, o Indivisível, imanente em todas as coisas e transcendente a todas, oferecem-me o sacrifício do conhecimento. 16 – Eu mesmo sou esse <b>sacrifício</b> e a prece, a oferenda e a bênção da mesma; eu sou a oblação e o perfume e o fogo sobre o altar. (ROHDEN, 1984, Cap. 9)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Krishna, Deus, o Si-mesmo, é uno, não dividido, imanente e transcendente a todas as coisas. Aqueles que O reconhecem como é, oferecem a Ele o sacrifício do conhecimento. Mas conhecimento de que? Talvez de que o ego está fazendo um sacrifício seu, com ações e objetos seus, para seu Deus. Mas este não é de ninguém, pelo contrário... Se Deus é o próprio sacrifício, de que adianta sacrificar alguma coisa? Ora, o sacrifício terá valor se se sacrificar o conhecimento, como o que o eu sabe ser seu, pois nisso reconhecerá que nada é na plenitude do ser, do Si-mesmo.<br />
A placa de contramão proíbe o avanço em um certo sentido, constituindo um limite. Ela diz: “por aqui não”. A explicação está no própria escritura hindu, conforme o comentário de Rohden.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
A falsa identificação de “eternidade” com duração sem fim se baseia no equívoco de que o Eterno seja a soma total dos tempos, e que o Infinito seja a soma total dos espaços – quando, na realidade, Eterno é a negação de qualquer parcela de tempo, e Infinito é a negação de toda e qualquer parcela de finito. (ROHDEN, 1984, Cap. 8)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Logo, quando o Si-mesmo declara ser a placa de contramão, está, na verdade, negando o espaço finito, pois, em seu ponto de vista, Ele é infinito.<br />
Como expresso anteriormente, o Si-mesmo é a origem do ego. Desde o princípio o bebê se identifica e é um só com Ele. Por outro lado, o ego infantil se estrutura com a resistência do mundo exterior às suas demandas (seus movimentos, suas necessidades, etc.). Com isso, o bebê aprende a notar que tudo o que se encontra até o limite do seu corpo é distinto do que está além dele, pois o desejo de se movimentar se origina de dentro. Mas a percepção possui referência dentro e fora do indivíduo, isto é, existe algo que percebe (interno) e o que é percebido (externo). Quando a percepção se dirige ao mundo interno, ocorre uma identificação com os próprios aspectos, percebidos pelas outras pessoas e pelo próprio indivíduo, que são unificados no ego (EDINGER, 1992). Portanto, a definição do ego advém da identidade inicial com o Si-mesmo e dos limites impostos ao indivíduo, os quais como que “encarnam” o Si-mesmo (Deus) no ser humano. Pode-se dizer que o ego seria como um fragmento do verdadeiro “Eu Sou”, uma parte da Identidade Maior, que Raul descreve no Gita. O “Eu Sou” possibilita ao homem dizer “eu sou”, de uma maneira delimitada à consciência. Logo, os limites, o finito e o tempo, são concepções egoicas, que, inclusive, estruturam o ego, e não são condizentes com Ele, daí a negação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
O olhar é carregado das paixões da alma e dotado de um mágico poder de terrível eficácia. O olhar mata, fascina, fulmina, seduz... O olhar é o símbolo e o instrumento de uma revelação, é um reator e um revelador recíproco de quem olha e de quem é olhado. “O olhar de outrem é um espelho que reflete duas almas”. O sangue é considerado universalmente o veículo da vida. Na tradição caldeia o sangue divino deu vida aos seres. No antigo Camboja o derramamento de sangue nos torneios e sacrifícios proporcionava a fertilidade, a abundância e presságio de chuvas. O sangue de Cristo com água no Graal é, por excelência, a bebida da imortalidade. Possui o mesmo simbolismo no juramento de sangue chinês da antiguidade e das sociedades secretas. O vampiro simboliza aquele que responsabiliza e acusa o outro pelos próprios fracassos, enquanto atormenta e devora a si mesmo. Retrata aquele que é psicologicamente corroído e devorado, e que se torna um tormento para si e para os outros. É um problema de adaptação social e interno que morrerá com o vampiro quando for solucionado. Quando o homem exerce totalmente sua responsabilidade e aceita sua sorte de mortal, o vampiro desaparece. (CHEVALIER e GHERBRANT, 1990, p. 653, 800, 930).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-NRIbI1B5ApM/U8KpAawHiHI/AAAAAAAADNU/EFA5jQIcgBQ/s1600/vampiro.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://4.bp.blogspot.com/-NRIbI1B5ApM/U8KpAawHiHI/AAAAAAAADNU/EFA5jQIcgBQ/s1600/vampiro.jpeg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"O sangue no olhar do vampiro"</td></tr>
</tbody></table>
O sangue no olhar do vampiro figurado nos filmes costuma indicar sua sede por sangue e a iminência do seu ataque. Seu olhar é hipnótico e domina suas vítimas. O sangue no próprio olhar vampiresco reflete a sede do sangue alheio. O sangue quer sangue porque ainda não sabe o que ele mesmo é, pois está inconsciente de sua verdadeira identidade. Projeta no outro o que está oculto para si, daí se sentir atraído. Mais uma vez o Si-mesmo afirma ser o que está faltando, o que é carente de reconhecimento, mas que está no escuro. É a potência da totalidade no homem.<br />
As juras de maldição constituem o ato de amaldiçoar que se dirige a uma pessoa. É expressão de ódio, de desejo que o sucesso não alcance a pessoa ou algum aspecto de sua vida, ao contrário da bênção. Esta é a reafirmação, por alguma autoridade ou pessoa de importância afetiva, da atitude ou do comportamento de alguém. Tradicionalmente, ambas possuem caráter de destino, principalmente quando a vontade divina está imbuída. O livro bíblico de Jonas oferece um ótimo exemplo de como agir em desacordo com a vontade divina pode atrair maldições. Uma tempestade sobreveio ao barco onde se encontrava, a qual só foi aplacada depois que a tripulação o jogou no mar. Do mesmo modo uma maldição se abatia sobre o povo de Israel toda vez que este se afastava do culto a Deus. <br />
Psicologicamente, separar-se do Si-mesmo é uma maldição. Corresponde a ser amaldiçoado com uma neurose ou outro transtorno mental, em que podem ser expressos no indivíduo variados sintomas: ansiedade, insônia, insegurança, baixa autoestima, angústia, fobias, psicossomáticos, e muitos outros. Na situação psicológica do sujeito partes vitais suas são mantidas desligadas do ego, e estas são animadas de vida, pois são partes vivas da psique de quem as reprimiu, esqueceu ou deixou de conhecer, e atuam independente de sua vontade.<br />
Nesta estrofe, os dois primeiros versos tratam do Si-mesmo enquanto infinito, imanente e transcendente a todas as coisas, que não pode ser limitado ou restringido na vida, e que deve ser reconhecido. Os dois seguintes abordam os efeitos que podem se exprimir na vida de alguém que O despreza ou O mantém à parte, que pode ser a atração incontrolável pela vitalidade em outra pessoa ou qualquer “maldição” igualmente perturbadora. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>7ª - Eu sou a vela que acende / Eu sou a luz que se apaga / Eu sou a beira do abismo / Eu sou o tudo e o nada...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Aqui o Si-mesmo joga com suas identidades: ora é a vela, ora a luz; ora o tudo, ora o nada. Mas Ele também é a beira do abismo, que não é o abismo propriamente dito, mas sua fronteira, isto é, nem a terra por inteiro, devido à proximidade do abismo, nem este, mas pode-se concluir que Ele é os dois, devido ao 4º verso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>8ª - Por que você me pergunta? / Perguntas não vão lhe mostrar / Que eu sou feito da terra / Do fogo, da água e do ar...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
O Si-mesmo questiona por que Raul pergunta a Ele. Pode estar se referindo à procura pelos quatro cantos do mundo no início da canção e/ou à questão de por que Ele é tão calado, e não é sorridente e falante de amor (2ª estrofe). Como faz da 3ª estrofe em diante, o Si-mesmo não responde, mas discorre sobre sua natureza e, nas estrofes seguintes, como o cantor pode encontrá-lo em várias manifestações da vida. Ora, por que Ele não responde a Raul? Por que as perguntas são mal formuladas, pois comparam Deus a uma imagem ideal concebida pelo cantor, e não se dirigem à verdadeira essência dEle, que, então, procura mostrar. Os quatro elementos fazem referência, como já aludido no comentário à primeira estrofe, às quatro funções da consciência (sensação, pensamento, sentimento e intuição), e a quaternidade constitui o fundamento arquetípico da psique humana. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
O quatro também é o número das portas que o adepto deve transpor, na tradição dos sufis. A cada porta corresponde um dos quatro elementos citados. A quaternidade tem um imenso simbolismo e é encontrada em praticamente todas as culturas humanas, comportando, quase sempre, o mesmo sentido de completude, de totalidade, que é atribuição do Si-mesmo (CHEVALIER e GHERBRANT, 1990, p. 761-762).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-rQGaKH9ytb4/U8KqVx8gCAI/AAAAAAAADNg/NQZaEWY09fo/s1600/gita-135.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="290" src="https://2.bp.blogspot.com/-rQGaKH9ytb4/U8KqVx8gCAI/AAAAAAAADNg/NQZaEWY09fo/s1600/gita-135.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As múltiplas manifestações de Deus</td></tr>
</tbody></table>
Existem quatro pontos cardeais, quatro ventos, quatro pilares do Universo, quatro fases da lua, quatro estações, quatro elementos, quatro humores, quatro rios do Paraíso, quatro letras do nome de Deus (YHVH) e no do primeiro homem (Adão), quatro braços da cruz, quatro Evangelistas, etc. (Ibid., 759)<br />
O quatro é a representação, mais ou menos direta, da manifestação de Deus na sua criação. E os símbolos produzidos nos sonhos do homem moderno apontam para algo semelhante: o Deus interior, o que, psicologicamente, corresponde ao arquétipo do Si-mesmo (JUNG, 1978). </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<i>9ª - Você me tem todo dia / Mas não sabe se é bom ou ruim / Mas saiba que eu estou em você / Mas você não está em mim...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
De novo Ele repete, como fez na 3ª estrofe, que está mais próximo do que Raul pensa. Esse tema também ocorre na letra “Rastros na areia”, de José Spera que, na versão de Manoelito Nunes e Mizael, fez sucesso com os cantores Duduca e Dalvan. Nessa canção, Cristo também se mostra em um sonho, e faz passar cenas esquecidas da vida do autor. Nos momentos felizes, haviam dois pares de rastros na areia. Nos tristes, apenas um par. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
Então ao Senhor reclamei / Somente o meu rastro ficou / Quando eu mais precisava / Quando eu sofri e chorava / O Senhor me abandonou<br />
Naquele instante sagrado / Que ele abraçou-me dizendo assim / Usei a coroa de espinhos / Morri numa cruz e duvidas de mim / Filho, esses rastros são meus / Ouça o que eu vou lhe dizer / Nas suas horas de angústia / Eu carregava você (VAGALUME, 2014)<i><br />
</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto, apesar de Raul ficar a par de que possui o Si-mesmo diariamente, não sabe se isso é bom ou ruim, uma vez que a vontade divina segue propósitos que o ser humano não está de todo a par, como expresso na máxima “Deus escreve certo por linhas tortas”. <br />
Existe outro aspecto nessa dúvida do cantor acerca de Deus. O lado divino terrível já foi demonstrado no Bhagavad-Gita anteriormente, ao se discutir o medo de amar. Mas como Raul é um cantor não-oriental, vale a pena se demonstrar psicologicamente esse sentido divino na Bíblia também, o que envolve o simbolismo do quatro, já expresso, e outras questões. <br />
A Trindade cristã é incompleta, pois é a quaternidade que contém todos os elementos psíquicos. Ao lado da Trindade falta, pelo menos de forma explícita, a “criação” divina, isto é, a matéria. Teologicamente pode-se discutir se a matéria é real ou irreal, com o intuito de demonstrar o motivo de ela não constar junto à Trindade. Mas contra isso existe o fato da encarnação de Deus e da obra de redenção, de um lado, e a autonomia e a eternidade do Diabo, que não pode ser destruído. Desta situação resulta a quaternidade, oposta à Trindade firmada no Quarto Concílio de Latrão, na Idade Média. A questão aqui é a autonomia, a independência da criatura, figurada no Anjo rebelde. Este é a quarta figura antagônica ao lado do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que representam o processo trinitário. Do mesmo modo sucede no <i>Timeu</i>, de Platão, que evoca, ao lado do Criador, a autonomia da criatura, segunda componente do par contraditório. No presente caso o Diabo se acrescenta à tríade para formar a totalidade absoluta. Se se entender a Trindade como um processo que se desenvolve em três etapas, pode-se considerá-la, psicologicamente, como fases de amadurecimento inconsciente do indivíduo (JUNG, 1994, §287 e 290).<br />
Nesta perspectiva, as três Pessoas divinas são personificações das três fases de um acontecimento psíquico regular e instintivo, que tem uma tendência a expressar-se sempre sob a forma de mitologemas e através de costumes rituais, como p. ex. nas iniciações da puberdade e da vida masculina, nas ocasiões de nascimento, de casamento, de doença e morte. Os mitos e os ritos, como nos mostra p. ex. a medicina do antigo Egito, têm significado psicoterapêutico - até mesmo em nossos dias. (JUNG, 1994, §287)<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-faCSXcBcJLc/U8KrYYA3VAI/AAAAAAAADNo/sRHI6xFt34U/s1600/alquimia.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="283" src="https://1.bp.blogspot.com/-faCSXcBcJLc/U8KrYYA3VAI/AAAAAAAADNo/sRHI6xFt34U/s1600/alquimia.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A dualidade, a trindade, a quaternidade e a<br />
unicidade de tudo em um símbolo alquímico</td></tr>
</tbody></table>
Assim, esse processo psicológico se prolonga até chegar à totalidade, com o quarto elemento. Com a intervenção do Espírito Santo na vida, os homens foram inseridos no processo divino, no princípio de individuação (o processo de tornar-se um indivíduo completo, maduro) e de autonomia em relação a Deus. Esse princípio de individuação pode ser entendido como personificado em Lúcifer, como vontade que se opõe a Deus. Sem Lúcifer não teria havido criação e nem história da salvação. A sombra e a vontade oponente são imprescindíveis para a salvação. “O ser que não tem vontade própria ou, eventualmente, uma vontade contrária à do seu Criador e qualidades diversas das dele, como as de Lúcifer, não possui existência autônoma, não estando em condições de tomar decisões de natureza ética.” É como um relógio ao qual o Criador deve dar corda para funcionar. Por isso, Lúcifer foi quem melhor entendeu e realizou a vontade de Deus, rebelando-se e tornando-se o princípio de oposição à vontade divina. Por assim querer, Deus dotou o homem (Gênesis 3) da capacidade de querer o inverso do que Ele manda, caso contrário teria criado uma máquina, a Encarnação e a Redenção não poderiam ser concebidas, e a Trindade não teria se revelado, pois haveria apenas o Uno (JUNG, 1994, §287 e 290). <br />
Esse processo de amadurecimento, de tornar-se completo, tal qual requer o arquétipo do Si-mesmo, está no homem, é parte inerente de seu acervo psicológico. Mas o homem não está no Si-mesmo, pois seriam um só elemento, e não haveria o processo dialético do homem tornar-se quem é, inteiro, completo. Não haveria um processo de crescimento, de “salvação”, termo de cunho religioso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>10ª - Das telhas eu sou o telhado / A pesca do pescador / A letra "A" tem meu nome / Dos sonhos eu sou o amor...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Das telhas, isto é, do indivíduo, ele é o telhado, o todo, o conjunto, o coletivo. Cada indivíduo exprime uma parte do Si-mesmo, um aspecto do todo enquanto configuração singular, pois cada um é diferente do outro. <br />
O Si-mesmo também afirma ser a pesca, da qual o pescador precisa para alimentar-se. O Bhagavad-Gita diz: “18 – De todos o mais querido, porém, é aquele que me ama acima de tudo, aquele cuja vida é amor – a este tal amo-o sobremodo e alimento-o com meu amor” (ROHDEN, 1984, Cap. 12). Quem ama o Si-mesmo, ama a todos os seus aspectos, todas as suas fases, qualidades e defeitos, igualmente. Quem assim o faz, acaba distribuindo amor também às pessoas que encontra, pois estas podem ser consideradas como personificações de tudo o que se acha interiormente. A vida passa a ser amor e, reciprocamente, o Si-mesmo alimenta essa alma, e constitui mesmo a “pesca do pescador”. O amor, nesse caso, passa a ser uma espécie de “autorretribuição” ou retro-alimentação que satisfaz o indivíduo, um verdadeiro sonho.<br />
Existe uma inversão quando o Si-mesmo diz que a letra “A” tem seu nome, pois o “correto” é a declaração oposta. O “A” como primeira letra do alfabeto, ou “alfa” (α) no grego, pode simbolizar o início de tudo, ou até mesmo a origem, como na declaração divina “Eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim”, no 1º Capítulo do Apocalipse. <br />
Esta estrofe parece sintetizar o fato de que o princípio maior e principal é o amor, pois o Si-mesmo afirma ser o telhado. Logo, não faz acepção de indivíduos, pois é todos, e dessa forma alimenta a cada um, em seu amor irrestrito. </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
44 Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; 45 desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. (Mateus, 5)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Convém, neste ponto, ilustrar como o Si-mesmo pode se revelar em um sonho real (se é que o sonho da música analisada não tenha sido real) e, a partir desse encontro, influenciar o estado de humor do sonhador e mostrar seu amor.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
OS DOIS EUS - SONHO DE 1º DE FEVEREIRO DE 1992<br />
Encontro alguém que é exatamente igual a mim e assim diz ser. Ele pede que eu comprove tocando-o no braço. Ao tocá-lo sinto-me como que tocado profundamente em meu íntimo. Lembro da sensação ainda agora. É como se eu estivesse apalpando minha própria pele nele! Sinto então uma afeição imensa por ele, mas a imagem do seu rosto me foge, embora eu saiba que é a minha. Então me pergunto como nós dois poderíamos conviver, pois as pessoas estranhariam dois homens idênticos. Ele me diz que as pessoas nunca o veriam como ele é, mas com outros rostos. E assim, ao sairmos para a rua, eu o vejo mudar sua imagem: um homem de barba preta, um velho de barba e cabelos brancos, uma mulher, etc. Agora que o lembro, sinto uma saudade imensa dele. Na ocasião pensei nas possibilidades: poder compartilhar tudo o que quisesse falar ou fazer, ser aceito como sou. É como se com ele pudesse realizar tudo o que desejo. E ao tocá-lo, como pôde me marcar tanto?<br />
NOTA: O estado de união interna, de unicidade, que adveio daquele toque permaneceu por uma semana.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-ttgNmig0q2M/U8KtTMoAEPI/AAAAAAAADN0/m-G-pD0F4ME/s1600/individua%C3%A7%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="266" src="https://2.bp.blogspot.com/-ttgNmig0q2M/U8KtTMoAEPI/AAAAAAAADN0/m-G-pD0F4ME/s1600/individua%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Sem comentários</td></tr>
</tbody></table>
Aqui o Si-mesmo parece afirmar ao sonhador que Ele não é apenas sua pessoa, mas também as diversas faces que apresentará, inclusive, às outras pessoas. Percebe-se que essa espécie de Deus interior do sonhador, além de mudar de face, também possui o poder de mudar os sentimentos, de deixar saudades, apesar de, aparentemente, ter sido encontrado apenas uma vez, e de prorrogar esse estado para além do sonho, por dias. Por sua vez, o sonhador se sentiu totalmente aceito nas suas qualidades e defeitos, pois o Si-mesmo se apresentou com sua própria face, com seu próprio corpo. É como se Ele dissesse: “Eu sou você, mas também sou todas as outras pessoas, sou multidões dentro de você, apesar de ninguém me perceber assim”. <br />
Ora, percebe-se o perigo de um Deus assim, principalmente para as religiões instituídas, já que Ele não é encontrado nos templos, mas pode ser vivenciado internamente, na psicologia do indivíduo. A psicologia analítica aponta para essa possibilidade, mas, enquanto ciência, não se revela como religião, mas possibilita a disponibilidade de ferramentas conceituais que abrem caminho para a realização espiritual, assim como as ciências exatas abrem caminho principalmente para a realização material.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>11ª - Eu sou a dona de casa / Nos pegue pagues do mundo / Eu sou a mão do carrasco / Sou raso, largo, profundo... / Gita! Gita! Gita! / Gita! Gita!</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
É a dona de casa que organiza os assuntos domésticos, administra e mantém sua casa. De modo semelhante, o Si-mesmo o faz no âmbito da personalidade. Ele é o centro e, a partir deste, organiza e gerencia todos os assuntos da psique, no âmbito da consciência e do inconsciente.<br />
Ao mesmo tempo, Ele é a mão do carrasco – o executor do castigo ou da morte. No 1º verso Ele não é apenas uma parte da dona de casa, mas no 3º Ele afirma ser somente a mão do carrasco. Neste caso a ênfase recai apenas na ação do carrasco e não na pessoa dele. Portanto, é como se o Si-mesmo dissesse que Ele mesmo efetiva as execuções, faz sofrer e faz morrer. Isso já foi abordado anteriormente. Por isso Ele é raso, largo, profundo... </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>12ª - Eu sou a mosca da sopa / E o dente do tubarão / Eu sou os olhos do cego / E a cegueira da visão...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Esta estrofe reafirma sobretudo o aspecto tenebroso da divindade e dos fundamentos do ego. Uma das coisas mais anti-higiênicas durante a alimentação é uma mosca na sopa, principalmente porque é a mosca que reproduz e dá origem às conhecidas larvas em comidas sem conservação e proteção. Comer uma sopa que têm uma mosca caída dá asco à maioria das pessoas. Além disso, imagina-se que a mosca esteja morta, e que caiu na sopa por descuido, apesar de que, instintivamente, estivesse à procura de alimento. O que para um foi uma tentativa de se saciar, para outro, constitui motivo de nojo. A mosca na sopa é um pequeno elemento que não suja o prato todo, mas que normalmente evoca um sentimento negativo em relação à comida “contaminada”. Ao contrário da “cereja no bolo”, expressão que denota a finalização de um processo ou trabalho, a “mosca na sopa” traz um sentido de coisa que foi estragada, de “maçã podre” que contamina o resto. Todos conhecem os incidentes que estragam “tudo” e ocorrem justamente quando “tudo dá certo”. É a virada da roda, quando se alcança o topo da montanha e se tem que descer. Por isso o Si-mesmo é o início e o fim, a satisfação e a necessidade, o bem e o mal.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-y7dICrDrN_A/U8LCP-1GeJI/AAAAAAAADOE/opwlACs_Ho8/s1600/li%C3%A7%C3%B5es.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://2.bp.blogspot.com/-y7dICrDrN_A/U8LCP-1GeJI/AAAAAAAADOE/opwlACs_Ho8/s1600/li%C3%A7%C3%B5es.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Um dos grandes presentes que<br />
pode dar a alguém é a liberdade<br />
de aprender suas lições no seu<br />
próprio passo", logo, "A ceguei-<br />
ra de hoje pode ser a visão de<br />
amanhã".</td></tr>
</tbody></table>
O dente do tubarão têm praticamente o mesmo simbolismo que a mão do carrasco, uma vez que se sustenta a função do órgão ou da parte, e não o elemento inteiro. Aqui, o dente dilacera, corta e provoca a ingestão da carne pelo tubarão, provocado pelo instinto de alimentação. Essa atividade é semelhante à operação da função pensamento, que analisa o objeto para estudo e se chegar a uma conclusão. De um lado, o que repele (a mosca na sopa), o sentimento, de outro, o que incorpora, que analisa, que digere, o pensamento. Yin e yang.<br />
Os olhos do cego são os outros sentidos, principalmente o tato e a audição, que pertencem à sensação. Esta função tende a se apegar aos detalhes, aos componentes do todo, e depende quase inteiramente do mundo exterior. Neste caso, os olhos não têm utilidade e se encontram nas órbitas apenas como acessório sem finalidade, exceto, talvez, estética, que o cego não consegue nem ao menos avaliar. Aqui o Si-mesmo aponta para dentro e não para fora. No trocadilho, a “cegueira da visão” expressa a intuição, que necessita que se fuja das sensações dos sentidos para ser captada. Para funcionar, a intuição precisa olhar de longe ou de modo vago para captar um pressentimento a partir do inconsciente, “semicerrar os olhos e não olhar os fatos muito de perto. Se se olhar com muita precisão para as coisas, o foco serão os fatos e o pressentimento não surgirá” (VON FRANZ, 1990, p. 47). A “cegueira da visão”, ou intuição, expressa bem a supervisão do Si-mesmo, que enxerga tudo porque está em tudo, constitui o “todo”.<br />
Essa cegueira pode ser interpretada também como não material, mas psicológica ou espiritual, que se refere à ignorância de quem não quer ver ou é “cego” para a verdade. Ora, os Vedas, onde consta o Bhagavad-Gita, é um imenso sistema de escrituras e significa, literalmente, “visão”, “conhecimento” (ROHDEN, 1984, Cap. 11). Essa “cegueira da visão” é condenada tanto no Gita, quanto na Bíblia. O primeiro diz que “48 – Nem pela leitura dos Vedas, nem por meio de sacrifícios, nem por estudos, nem por boas obras, nem por austeridades pode um mortal conhecer-me assim como tu acabas de ver-me.” (Idem). Também diz que </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
42-44 – Homens sem sabedoria deliciam-se em análise da simples letra dos Vedas, declarando que nada há para além do texto. Os que estão cheios de desejos egoístas consideram o céu como meta final, louvando excessivamente complicados rituais e cerimônias multiformes, com o fim de conseguirem poder e prazer em encarnações futuras. Todos os que visam ao poder e ao prazer têm da Verdade uma visão imperfeita, desorientados como estão no seu critério. Não acertaram com a senda da sabedoria. (Ibid., Cap. 2)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Na Bíblia, Cristo alerta que</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
21 Nem todo aquele que me diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus. 22 Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos e em teu nome que expulsamos demônios e em teu nome que fizemos muitos milagres?' 23 Então eu lhes declararei: 'Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade'. (MATEUS, 7)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-Kg3A9HmmQOo/U8LENRlRcRI/AAAAAAAADOU/dN45e2O06iw/s1600/krishna+e+arjuna.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="300" src="https://2.bp.blogspot.com/-Kg3A9HmmQOo/U8LENRlRcRI/AAAAAAAADOU/dN45e2O06iw/s1600/krishna+e+arjuna.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Krishna expõe a Arjuna sua natureza para que possa cumprir sua tarefa.</td></tr>
</tbody></table>
Qual o sentido psicológico das duas citações acima? O homem tende a agir por extremos, visando o poder e o prazer, pois isso é muito fácil. Difícil é agir tendo em vista variados aspectos, inclusive opostos, o ser inteiro, consciente e inconsciente. A ostentação, o orgulho, a pose, constituem apenas máscaras sociais que visam reprimir a inferioridade e os valores que o indivíduo despreza, mas que também fazem parte do seu ser. Muita confusão é feita com base no que não se quer ver, na cegueira que abrange muitas vezes justamente os religiosos que repetem as “santas” doutrinas. Estes mantém o inconsciente à parte e o projetam nos outros, considerando-se imaculados, mas mantendo a ignorância de si mesmos.<br />
A “cegueira da visão” é o inconsciente, o depósito onde o homem deixa tudo o que despreza em si, que rotula como inferior e que teme, por não ser considerado “normal”. Desprezar o inconsciente, deixar de se conscientizar de seu conteúdo, é que é “pecado”. Pois é nesse inconsciente que se encontra o fundamento do conceito de Deus, que tem uma função psicológica importante, como já alegado, e é de natureza irracional. A ideia de um ser todo-poderoso e divino existe em toda parte, e quando não é consciente, é inconsciente (JUNG, 1987b, §110).</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<i>13ª - Euuuuuu! / Mas eu sou o amargo da língua / A mãe, o pai e o avô / O filho que ainda não veio / O início, o fim e o meio / O início, o fim e o meio / Euuuuu sou o início / O fim e o meio / Euuuuu sou o início / O fim e o meio...</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
O amargo da língua... Por que não o doce? Porque o “amargo” é normalmente rejeitado e se encontra no inconsciente (por isso é na maioria das vezes desconhecido), pronto para completar o aceito, o conhecido.<br />
Ele é a mãe, o pai e o avô, pois transcende o gênero sexual e também as gerações. É o filho que ainda não nasceu, isto é, o que ainda está em potência, que não se manifestou. O Si-mesmo é o alfa e o ômega, o início e o fim, e Raul acrescenta “o meio”, o processo que ocorre desde o princípio até o seu término. O “meio” é como a corrente elétrica que passa entre os dois polos opostos ou complementares, com os quais o indivíduo tende a se identificar, para o bem ou para o mal. Deus é essa energia que se encontra entre os polos e os une. Pode-se chamar essa “energia” de vida, e também de amor, uma vez que envolve a ambos. É apenas lamentável que o homem insista em se manter um mero fragmento. Por isso o Zaratustra de Nietzsche declara:</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
- Meus amigos, ando entre os homens como entre fragmentos e membros de homens.<br />
O mais horrível para os meus olhos é vê-los destroçados e divididos como em campo de batalha e de morticínio.<br />
E se os meus olhos fogem do presente para o passado, em toda a parte encontram sempre o mesmo: fragmentos, membros e casos espantosos... mas homens, não! (NIETZSCHE, 2010, p. 190)</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-dkWeFhbt_MM/U8LE1RGu51I/AAAAAAAADOc/6z7LmAHLIKs/s1600/homem+fragmentado.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="217" src="https://1.bp.blogspot.com/-dkWeFhbt_MM/U8LE1RGu51I/AAAAAAAADOc/6z7LmAHLIKs/s1600/homem+fragmentado.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"vi homens que carecem de tudo, conquanto tenham<br />
qualquer coisa em excesso; homens que são unica-<br />
mente um grande olho, ou uma grande boca, ou<br />
um grande ventre ou qualquer outra coisa grande.<br />
- A esses chamo eu aleijados às avessas" - Nietzsche,<br />
"Assim Falava Zaratustra", p. 189.</td></tr>
</tbody></table>
Sim, o homem é fragmentado, e o que se encontra muito atualmente são membros de homens, pois cada um se especializa, se aprofunda, se diverte e sente prazer em restritos órgãos ou funções psíquicas. Essa situação o divide e provoca um verdadeiro campo de batalha psicológico, pois a consciência alcançou um ponto de luminosidade extremo e agudo, e o inconsciente não é aceito: o homem não é apenas dividido, mas quer manter-se assim. Tornou-se uma anomalia, um caso espantoso, mas não um homem! É imperioso que a humanidade seja recuperada. Ele deixaria o escapismo, o individualismo, e se subordinaria ao Eu Sou.<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
<br />
<br />
(Leia mais a respeito: "<a href="https://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2019/10/coringa-somos-todos-insanos-em.html" target="_blank">Coringa - somos todos insanos em potencial</a>", "<a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2019/07/viva-la-vida-e-as-oscilacoes-da.html" target="_blank">Análise de Viva La Vida, de ColdPlay</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-e-natureza-do-eu.html" target="_blank">A origem e a natureza do Eu</a>" - "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/03/a-origem-do-eu.html" target="_blank">A origem do Eu</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/a-solidao-e-o-trabalho-com-o.html" target="_blank">A solidão e o trabalho com o inconsciente</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/01/o-pensamento-positivo-e-autoajuda.html" rel="nofollow" target="_blank">O pensamento positivo e a auto-ajuda</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou</a>'", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" target="_blank">Alice no inconsciente coletivo</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" target="_blank">Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/03/o-genesis-e-o-desenvolvimento.html" target="_blank">O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem (Parte 2)</a>, <span style="text-indent: 37.7953px;">"<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/04/os-tres-niveis-de-consciencia.html" target="_blank">Os três níveis de consciência</a>"</span><span style="font-family: "arial"; font-size: 14.6667px; line-height: 26.9867px;">,</span><span style="font-size: small; line-height: normal;"> "</span><a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2016/08/o-belo-o-feio-deus-e-o-preconceito.html" style="line-height: normal;" target="_blank">O belo, o feio, Deus e o preconceito</a><span style="font-size: small; line-height: normal;">"</span>)</div>
</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-18295981893968633802014-06-13T10:24:00.000-03:002016-04-21T08:03:30.360-03:00A Bela Adormecida - a iniciação ao feminino<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-hfP7hdcG8h0/U5pMgsozpmI/AAAAAAAADJM/6CQIkE_Pzk4/s1600/cartaz.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://4.bp.blogspot.com/-hfP7hdcG8h0/U5pMgsozpmI/AAAAAAAADJM/6CQIkE_Pzk4/s1600/cartaz.jpg" width="133" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A versão do conto por Disney.</td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
A BELA ADORMECIDA - A INICIAÇÃO AO FEMININO<br />
Esta apreciação do conto consta de um resumo deste a partir da versão original dos Irmãos Grimm<b style="color: yellow;"><span style="font-size: x-small;"><i>(1)</i></span></b>, acompanhado da respectiva amplificação e análise. Em versões mais antigas dessa estória, a princesa possui o nome de Talia, que em grego significa “o florescimento”. Os Irmãos Grimm já a chamam de Bela Adormecida. No idioma original, o título em alemão é composto de palavras que significam espinho e florzinha. Algumas versões desse mesmo conto traduzem o nome da princesa para “Rosa (ou Flor) do Espinheiro”, já que o reino em que dorme é cercado por extenso espinheiro<b style="color: yellow;"><span style="font-size: x-small;"><i>(2)</i></span></b>. Nesta análise, será adotado o nome de “Aurora”, usado pela longa-metragem de animação de Walt Disney, mesmo porque ele condiz com os nomes já aludidos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<span style="font-size: small;">Há muito tempo atrás, um casal real não conseguia um filho. Quando a rainha tomava seu banho, um sapo saiu da água e disse que ela teria uma menina antes de um ano. A criança nasceu muito formosa e o rei preparou uma grande festa.</span></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto o casal não têm filhos, são considerados estéreis, isto é, não produzem fruto; não podem produzir descendência e prolongar o processo vital. Isso indica uma estagnação, que algo não está bem ou está faltando na vida. Em geral, isso é retratado no dia a dia quando nada parece fazer sentido e o tédio domina a vida. A depressão também pode se instalar. Normalmente o indivíduo já procurou o médico, que não acha uma causa material para os sintomas, ou já seguiu vários conselhos, sem sucesso. A vida simplesmente não “engata”, não flui, e nada segue em frente.<br />
O banho é um símbolo bastante recorrente na alquimia, usado para representar uma purificação, uma transformação ou uma união de elementos opostos (JUNG, 1990c, §484). No caso, uma atitude consciente deve requerer uma compensação para seu equilíbrio no lado inconsciente da personalidade, o que é representado pela água do banho e também pelo sapo.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-8yXXSeoqHe0/U5rwX-5_uTI/AAAAAAAADJs/BGG8500HX5A/s1600/sapo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://2.bp.blogspot.com/-8yXXSeoqHe0/U5rwX-5_uTI/AAAAAAAADJs/BGG8500HX5A/s1600/sapo.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O sapo como amuleto.</td></tr>
</tbody></table>
A rã e o sapo são símbolos equivalentes, pois em várias versões de certos contos, aparece a rã ou o sapo. Na mitologia o sapo é o elemento masculino, enquanto a rã, o feminino. Na China, a rã de três pernas vive na lua e produz o elixir da vida. Na nossa civilização ela foi sempre associada à Mãe Terra, especialmente como auxiliar nos partos. Nos países católicos, quando uma parte do corpo é curada por um santo, uma imagem de cera dessa parte é doada à Igreja, o que não ocorre quando a doença é no útero ou há problema com o parto. A imagem ofertada será uma rã de cera, que representará o útero. Em muitas igrejas e capelas da Bavária a estátua da Virgem é rodeada de rãs desse tipo, o que indica sua conexão com a mãe, o que está faltando na família real. Rãs e sapos são muito usados em bruxarias ou magia, como amuletos ou em poções afrodisíacas. No folclore “o sapo é visto como um animal feiticeiro, e sua pele e pernas pulverizadas são usadas como um dos ingredientes básicos de praticamente todas as poções mágicas”. Em resumo, tanto a rã quanto o sapo são deuses da terra, com poderes sobre a vida ou a morte (VON FRANZ, 1990).</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
Convidou também, das 13 fadas de seu reino, 12 para as quais dispunha de pratos de ouro, para abençoar a criança. Ao final da festa, as fadas presentearam-na com dotes mágicos: virtude, formosura, riqueza e tudo o que há de desejável. Quando 11 já tinham falado, a 13ª entrou de repente. Para se vingar, por não ter sido convidada, amaldiçoou a princesa: ao completar 15 anos, ela deveria espetar-se em um fuso e cair morta. Então saiu do salão, e a 12ª fada, que não podia anular a maldição, abrandou-a, dizendo que a princesa não morreria, mas cairia em sono profundo por cem anos. Preventivamente, o rei ordenou que todos os fusos do reino fossem queimados.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><img border="0" height="125" src="https://1.bp.blogspot.com/-FehQ7Hcppis/U5pLk9-YxxI/AAAAAAAADI0/NQ-U1WVfz9Y/s1600/video-malevola-disney-ilustracao02.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" width="320" /></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Malévola corresponde à 13ª fada, não convidada.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
Essa condição do casal real indica que não não se realizou uma união plena, apesar do nascimento da filha. Existe ainda a não aceitação de certo aspecto, o que acabará decaindo o reino inteiro na condição de estagnação por um longo período de tempo. Psicologicamente, isso indica, no indivíduo, uma espécie de regressão devido a dificuldades em se lidar com determinados aspectos do crescimento. Pode-se perceber essa condição no adolescente que resiste em aceitar as responsabilidades de adulto, embora goste da independência que essa situação implica. Prefere-se, então, permanecer no "tempo de criança", onde nada muda.<br />
O número 13 é considerado de mau agouro desde a antiguidade. Filipe da Macedônia acrescentou sua estátua às dos Doze Deuses superiores em uma procissão, e foi assassinado logo em seguida. Na última ceia de Cristo o total dos presentes era treze. Para a cabala existem treze espíritos do mal. O 13º capítulo do Apocalipse refere-se ao Anticristo e à Besta. O 13 determina uma evolução em direção à morte, à consumação de um esforço periodicamente interrompido. Ele foge à ordem e aos ritmos normais do universo. Sua iniciativa é má porque não está harmonizada com a lei universal. Serve à evolução do indivíduo, mas agita a ordem do macrocosmo e perturba seu descanso, como unidade perturbando o equilíbrio das variadas relações do mundo (12 + 1). A morte, 13º arcano superior do Tarô, não significa o fim, mas o recomeço após a conclusão de um ciclo (de novo 12 + 1). De forma geral, corresponderia a um recomeço no sentido de um refazer, mais do que um renascer de algo (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 902-903). <br />
No conto, o sentido da praga da 13ª fada representaria, de certo modo, o retorno da ausência da filha do início do conto, a volta da esterilidade inicial. E isso porque não se convidou o inesperado, não se contou com o que ninguém queria que ocorresse: o desagradável, o fim da felicidade, a ausência do fruto, do filho. Deseja-se apenas a expressão das qualidades. Não se pode nem fazer menção da relação do indivíduo com algum defeito, mesmo que se acabe sabendo lidar com ele. Esse tipo de atitude impera há muito tempo na psicologia dos indivíduos em geral, pois prefere-se a repressão ao mal, pois sua presença mesmo em pensamentos é pecado, do que admitir sua presença, mesmo que sua expressão seja disciplinada.<br />
Inicialmente, a personalidade do indivíduo se abre inteiramente para o novo, mas depois não quer abrir mão da evolução madura ou adulta desse lado criança (os 15 anos), advindo daí a maldição a partir do inconsciente: a imposição da morte, da imobilidade da vida, até se completar um ciclo completo (100 anos) para que houvesse um novo despertar.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-_6pZIekHdNQ/U5rxj4pBqQI/AAAAAAAADJ0/qSwQ75HVUdM/s1600/parcas.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="139" src="https://3.bp.blogspot.com/-_6pZIekHdNQ/U5rxj4pBqQI/AAAAAAAADJ0/qSwQ75HVUdM/s1600/parcas.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As três parcas.</td></tr>
</tbody></table>
Na mitologia grega, três fusos são girados pelas Parcas: o Passado, por Láquesis; o Presente, por Cloto; e o Futuro, por Átropos. A vida de todo ser vivo é regulada pelo fio que a primeira fia, a segunda enrola e a terceira corta. Esse é o caráter irredutível do destino, que tem duplo aspecto: a necessidade de movimento do nascimento à morte, e a necessidade desta última (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 455). </div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
A menina realizou todos os dons concedidos pelas fadas. No ano em que completava 15 anos, encontrando-se só, resolveu examinar todos os cantos do castelo, e chegou a uma velha torre. Subiu a estreita escada em espiral e abriu uma pequena porta de chave enferrujada. Lá encontrava-se uma velha com um fuso, fiando seu linho. Curiosa, a menina a cumprimentou e pegou o fuso, querendo fiar. Ao tocá-lo, espetou-se no dedo e caiu na cama, em profundo sono. </blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
O filme “Malévola”, que conta a estória da Bela Adormecida do ponto de vista da fada má, trata da iniciação feminina frustrada da protagonista, como demonstrado no ensaio “<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/06/malevola-amargura-do-feminino.html" target="_blank">Malévola – a amargura do feminino</a>”. <i>Débutant</i>, em francês, quer dizer iniciante, e corresponde à tradicional festa de comemoração de quinze anos de uma jovem. Em países europeus, essa festa, uma espécie de rito de iniciação, caracterizava o momento em que a adolescente era, pela primeira vez, ao completar 15 anos, apresentada como mulher à sociedade, e onde possíveis pretendentes também compareciam. <br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-CescM-3N6Wc/U5rhSrVEByI/AAAAAAAADJc/Iq646MRlTAo/s1600/torre-de-babel.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="165" src="https://3.bp.blogspot.com/-CescM-3N6Wc/U5rhSrVEByI/AAAAAAAADJc/Iq646MRlTAo/s1600/torre-de-babel.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Torre de Babel quer dizer "Porta de Deus".</td></tr>
</tbody></table>
Um mito da antiga Mesopotâmia ditava que, em outros tempos, houvera um rompimento entre os Pais do Mundo – o céu e a Terra. As torres foram criadas como templos de adoração, com o intento de elevar a mente e o coração do homem, assim como proporcionar meios aos deuses de descerem à Terra. Efetivavam, portanto, a restauração da intercomunicação dos Pais do Mundo. Simbolicamente, eram concebidas como veículos de ligação entre o espírito e a matéria. Forneciam uma escada, pela qual os deuses poderiam descer e o homem subir, o que dramatiza a correspondência entre as ordens celeste e terrena. É como se o cosmo fosse penetrado de uma vida só, havendo uma harmonia entre os modos superior e inferior do Ser e do Vir-a-Ser: “O que está em cima está embaixo” (NICHOLS, 1995, p. 279-280). Além disso, a torre, ao retratar uma ascensão, traduz a energia solar geradora transmitida à terra. “Foi em uma torre de bronze onde se encontrava aprisionada que Dânae recebeu a chuva de ouro fecundante de Zeus” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 889). No contexto do conto, a subida à torre parece indicar a necessidade de ligação entre o corpo e o espírito, e a fecundação do primeiro pelo segundo. A menina aspira cumprir o seu destino, indo ao encontro do espírito, daquilo que está em falta em seu íntimo, da sua sombra, do que foi desprezado por seus pais (a 13ª fada), e que deve completar sua personalidade. A morte, a transformação, não pode faltar, pois ela não pode continuar a mesma, já que a menina deve morrer, e renascer a mulher. Na adolescência o corpo se transforma, e uma mutação correspondente deve haver no espírito, na personalidade, na psique.<br />
A imagem da velha tecendo no fuso aponta, por um lado, para as Parcas e o destino; por outro, figura a sorte de todo ser vivo: a senilidade, a decrepitude, a qual termina com a morte. Espetar o dedo no fuso é aceitar o fado de toda mulher, é estabelecer contato com o inconsciente pelo sono para equilibrar a atitude consciente. Ora, Aurora pode receber quantas virtudes puder, mas todas elas findarão um dia, e isso não pode ser esquecido.<br />
<blockquote class="tr_bq">
Este sono estendeu-se a todo o castelo e seus habitantes, bem como aos animais. Até o fogo ficou imóvel; o assado parou de crepitar e o cozinheiro, que queria puxar seu ajudante pelos cabelos para puni-lo, soltou-o e dormiu. Também o vento e as árvores ficaram imóveis. Em volta do castelo cresceu uma cerca de espinhos que cobriu-o inteiramente.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-OW8CkAgrDyA/U5pLmc_6egI/AAAAAAAADJA/I2Z-bhbg70g/s1600/%25D0%25A1%25D0%25BF%25D1%258F%25D1%2589%25D0%25B0%25D1%258F_%25D1%2586%25D0%25B0%25D1%2580%25D0%25B5%25D0%25B2%25D0%25BD%25D0%25B0.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="186" src="https://2.bp.blogspot.com/-OW8CkAgrDyA/U5pLmc_6egI/AAAAAAAADJA/I2Z-bhbg70g/s1600/%25D0%25A1%25D0%25BF%25D1%258F%25D1%2589%25D0%25B0%25D1%258F_%25D1%2586%25D0%25B0%25D1%2580%25D0%25B5%25D0%25B2%25D0%25BD%25D0%25B0.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Com Aurora, todo o reino também adormeceu.</td></tr>
</tbody></table>
Mas o sono de Aurora não é um sono comum, pois tudo paralisa, tudo dorme com ela. É como se o tempo fosse suspenso. Não é como um coma, onde o paciente perde os eventos correntes. Aurora não perde nenhum evento em seu reino, pois tudo paralisa. Se há paralisia imposta pelo inconsciente, provavelmente isso constitui um símbolo para uma paralisação idêntica, mas consciente, como a vontade de permanecer sempre criança e não querer crescer, de não se desligar da família, de não casar, de não mudar. “Tudo poderia permanecer assim para sempre!”, poderia aspirar Aurora, como ocorre com o tempo quando se é criança, pois aí ele não transcorre como para o adulto. A criança vive um eterno presente, que escoa lentamente. Apenas com a rotina dos adultos é que o tempo começa a passar depressa. Mas para a criança tudo é novidade, tudo tem que ser assimilado aos poucos, pois ela não conhece quase nada comparada a um adulto.<br />
O adormecimento de Aurora revela a passagem por um rito de iniciação. “Iniciar é, de certo modo, fazer morrer, provocar a morte […] é também introduzir. O iniciado […] passa de um mundo para outro, e sofre, com esse fato, uma transformação, muda de nível, torna-se diferente. […] A iniciação opera uma metamorfose. […] O neófito […] penetra na noite, mas uma noite que lhe diz respeito; embora comparável à do seio materno, é, de maneira mais ampla, a noite cósmica” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 506). O fato de, junto com Aurora, todo o reino também adormecer, indica que a mudança que a debutante passa também reflete em todo o reino. Toda mudança psicológica em um indivíduo reflete em uma transformação no seu sistema de relações, principalmente da família e das ligações afetivas mais próximas. Aliás, devido à mudança, o próprio indivíduo passa a ter uma perspectiva diferente das outras pessoas, que agora parecem modificadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
De todo o país chegavam príncipes, atraídos pela lenda da Bela Adormecida, que se enroscavam na cerca viva, com espinhos entrelaçados como mãos, vindo a morrer. Até que, após 100 anos chegou um príncipe ao reino, que ouviu de um velho a estória sobre uma linda princesa guardada em um castelo atrás de uma espessa cerca de espinhos, que dormia há cem anos com seus pais e toda a corte. Determinou-se a libertá-la, apesar do velho tentar dissuadi-lo.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse conto, Aurora despertará não por causa do beijo do príncipe, mas porque é chegada a hora, os cem anos decorridos. E isso tem um motivo. A contemplação de uma pessoa calejada, cruel e impiedosa durante o sono ou no instante em que acorda, revela um espírito de inocência, sem mácula. No sono, todos são devolvidos a um estado de doçura, no qual se refazem, recriados de dentro para fora, novos em folha, como inocentes. Esse estado de sábia inocência é alcançado quando se descarta o cinismo e as atitudes defensivas, e se renova quando se dorme, embora muitos o deixem de lado junto à colcha ao acordar. Voltar à inocência não exige tanto esforço quanto mover um monte de tijolos de um lugar para o outro, mas que se fique parado o tempo suficiente para que o espírito o encontre. “Diz-se que tudo que procuramos também está à nossa procura; que, se ficarmos bem quietos, o que procuramos nos encontrará. Ele está esperando por nós há muito tempo. Depois que ele aparecer, não devemos fugir. Descansemos. Vejamos o que acontece em seguida.” (ESTÉS, 1999, p. 113-114). </div>
<div style="text-align: justify;">
Aurora desperta quando tem que despertar. Quando chega o momento, surge o verdadeiro príncipe que irá libertá-la do sono prolongado para uma nova vida, a vida de mulher. E, apesar de ser o momento certo do despertar, percebe-se que o príncipe não é qualquer um, pois os espinhos desabrocham em flor à sua passagem, e se tornam novamente espinhos. O príncipe simboliza a promessa de um poder supremo, a superioridade entre seus iguais, exprime as virtudes régias no estado da adolescência, ainda não dominadas nem exercidas (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 744).<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-GSLuFIXVvBw/U5pMKc7Cy_I/AAAAAAAADJI/vaXjZ88q4X4/s1600/coroa+de+flor+de+laranjeira.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="199" src="https://2.bp.blogspot.com/-GSLuFIXVvBw/U5pMKc7Cy_I/AAAAAAAADJI/vaXjZ88q4X4/s1600/coroa+de+flor+de+laranjeira.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A coroa de flores de laranjeira.</td></tr>
</tbody></table>
A expressão “terra de espinhos”, na tradição semítica e cristã, designa a terra selvagem, não cultivada e não lavrada, virgem. Já a coroa de espinhos – substituída nos casamentos pela coroa de flores de laranjeira – significa a virgindade da mulher, bem como a do solo (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 397). Essa expressão e seu significado é a que melhor descreve a condição dos espinhos que cercam o reino da Bela Adormecida. A cerca de espinhos forma como que uma “coroa de espinhos” ao redor dos domínios da princesa, indicando sua condição de mulher, de iniciante nos mistérios femininos, mais uma vez.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
Ao se aproximar da cerca de espinhos, estes se transformaram em grandes flores bonitas que, à sua passagem, tornaram-se novamente espinhos. Percebeu que todos ainda dormiam: os cavalos, os cães, os pombos, até as moscas. Viu o cozinheiro que levantava a mão para agarrar o menino e a criada sentada diante da galinha preta que ia depenar. Finalmente chegou à torre e chegou ao quartinho onde Bela Adormecida dormia.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
A transformação dos espinhos em flores à passagem do príncipe evoca a coroa de flores de laranjeira usada nos casamentos. Indica que o príncipe é bem-vindo, que chega no momento certo e no lugar certo. Tudo está imóvel e inanimado à sua chegada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
Ao contemplar sua beleza, ele beijou-a, ela acordou e o olhou amavelmente. Desceram e viram toda a corte e os animais despertar. O fogo levantou-se, chamejou e cozinhou a comida, o assado voltou a crepitar, o cozinheiro deu um forte tabefe no menino, que gritou, e a criada terminou de depenar a galinha. As bodas do príncipe com a princesa foram festejadas com toda a pompa, e eles viveram felizes até o fim.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-MDlhHYKFbIE/U5pLkt6Q6MI/AAAAAAAADIs/-bC-2XrrQAQ/s1600/A+BELA+E+O+PR%25C3%258DNCIPE.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="160" src="https://2.bp.blogspot.com/-MDlhHYKFbIE/U5pLkt6Q6MI/AAAAAAAADIs/-bC-2XrrQAQ/s1600/A+BELA+E+O+PR%25C3%258DNCIPE.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O beijo do príncipe.</td></tr>
</tbody></table>
O beijo expressa a união, o encontro do masculino e do feminino, com o qual ocorre a volta à vida do reino. A transformação apenas se efetiva com a chegada do príncipe. A morte ou o sono finaliza no período de cem anos, mas é o príncipe que está lá para sinalizar e demarcar esse período. Não se pode dizer que Aurora despertaria ao findar do período, mesmo sem a presença do príncipe. Nem que este conseguiria aproximar-se dela antes ou depois dos cem anos. O conto expressa que há um conjunto de fatores que, em conjunção, resultam na revitalização do reino e da princesa. O momento é uma totalidade de condições única, que só pode ocorrer devido a uma conjunção de fatores. Assim ocorre em nossas vidas, na prática, como dita a sabedoria popular: “O que é seu está guardado”.<br />
Neste ponto, é importante terminar esta análise com a leitura do poema “Eros e psique”, de Fernando Pessoa, o qual possui vários elementos do conto estudado que resultam em uma brilhante síntese de sentido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>EROS E PSIQUE</i></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i>...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades </i></div>
<div style="text-align: right;">
<i>que vos foram dadas no Grau de Neófito, e </i></div>
<div style="text-align: right;">
<i>aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto </i></div>
<div style="text-align: right;">
<i>Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.<br /> (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio </i></div>
<div style="text-align: right;">
<i>na Ordem Templária De Portugal) </i></div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i><br /></i><i> Conta a lenda que dormia</i><br />
<i> Uma Princesa encantada</i><br />
<i> A quem só despertaria</i><br />
<i> Um Infante, que viria</i><br />
<i> De além do muro da estrada.</i><br />
<br />
<i> Ele tinha que, tentado,</i><br />
<i> Vencer o mal e o bem,</i><br />
<i> Antes que, já libertado,</i><br />
<i> Deixasse o caminho errado</i><br />
<i> Por o que à Princesa vem.</i><br />
<br />
<i> A Princesa Adormecida,</i><br />
<i> Se espera, dormindo espera,</i><br />
<i> Sonha em morte a sua vida,</i><br />
<i> E orna-lhe a fronte esquecida,</i><br />
<i> Verde, uma grinalda de hera.</i><br />
<i> Longe o Infante, esforçado,</i><br />
<i> Sem saber que intuito tem,</i><br />
<i> Rompe o caminho fadado,</i><br />
<i> Ele dela é ignorado,</i><br />
<i> Ela para ele é ninguém.</i><br />
<br />
<i> Mas cada um cumpre o Destino</i><br />
<i> Ela dormindo encantada,</i><br />
<i> Ele buscando-a sem tino</i><br />
<i> Pelo processo divino</i><br />
<i> Que faz existir a estrada.</i><br />
<br />
<i> E, se bem que seja obscuro</i><br />
<i> Tudo pela estrada fora,</i><br />
<i> E falso, ele vem seguro,</i><br />
<i> E vencendo estrada e muro,</i><br />
<i> Chega onde em sono ela mora,</i><br />
<br />
<i> E, inda tonto do que houvera,</i><br />
<i> À cabeça, em maresia,</i><br />
<i> Ergue a mão, e encontra hera,</i><br />
<i> E vê que ele mesmo era</i><br />
<i> A Princesa que dormia.</i><br />
<br />
<i> Fernando Pessoa</i><br />
<br />
<div style="text-align: center;">
(Leia mais a respeito: "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/06/malevola-amargura-do-feminino.html" target="_blank">Malévola - a amargura do feminino</a>") <i><br /></i></div>
<br />
REFERÊNCIAS (as demais encontram-se na página "Referências", do <i>blog</i>)<br />
<i> </i><br />
<div align="justify" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: red;"><span style="font-size: x-small;"><i>(1) </i></span></span><span style="font-size: x-small;"><span lang="pt-BR">Disponível
em:
<</span></span><a class="western" href="http://br.hellokids.com/c_26878/leia/contos-para-criancas/contos-classicos/contos-de-fadas-dos-irmaos-grimm/a-bela-adormecida"><span style="font-size: x-small;"><span lang="pt-BR">http://br.hellokids.com/c_26878/leia/contos-para-criancas/contos-classicos/contos-de-fadas-dos-irmaos-grimm/a-bela-adormecida</span></span></a><span style="font-size: x-small;"><span lang="pt-BR">>.
Acesso em 10 jun. 14, 10:00h.</span></span></div>
<div align="justify" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div align="justify" style="line-height: 100%; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-size: x-small;"><span lang="pt-BR"><span style="color: red;"><i>(2)</i></span> Disponível em: <<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Bela_Adormecida_%28conto%29">http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Bela_Adormecida_%28conto%29</a>>. Acesso em 11 jun. 14, 12:00h.</span></span></div>
</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-36377782022903196452014-05-01T19:59:00.001-03:002014-05-01T21:50:09.238-03:00Diferenciação psicossexual: das cavernas à atualidade<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-8X48Y7ChkwQ/U2K_RP4ejiI/AAAAAAAADDA/19h4Bs01bnU/s1600/HORSCHACH__TEORIA_E_SIMBOLISMO_1394379109P.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-8X48Y7ChkwQ/U2K_RP4ejiI/AAAAAAAADDA/19h4Bs01bnU/s1600/HORSCHACH__TEORIA_E_SIMBOLISMO_1394379109P.jpg" height="200" width="143" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 1 - Fonte deste artigo</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Este texto irá se basear quase exclusivamente no livro “Rorschach: teoria e simbolismo – uma abordagem junguiana”, de Robert S. McCully, uma obra já não mais editada. O livro aborda vários aspectos psicológicos além do teste Rorschach, entre eles, a psicologia do homem paleolítico e a diferenciação psicossexual interna na psique masculina e feminina. Ele procura associar a percepção de figuras no teste com os produtos artísticos do homem paleolítico como forma de basear histórica e psicologicamente a delineação de fontes arquetípicas no Rorschach que foram constatadas pelo autor. E o autor o faz de maneira tão instigante, que resolvi fazer uma síntese de todo o livro com relação a esses assuntos sem abordar o teste Rorschach, pois o tema é muito rico e explica vários pontos ainda encobertos na psicologia analítica. É instigante, repito, abordar um assunto tão comum na psicanálise, mas raro na psicologia analítica. Espero que o leitor se entusiasme tanto quanto eu por esse “achado”. As referências de páginas isoladas entre parênteses se referirão a essa obra em particular. As que tiverem ano são referencias do autor da obra citada a outros autores.</div>
<div style="text-align: justify;">
O autor (p. 80-81), inicialmente, questiona a atitude científica, a qual rejeita, sob o rótulo de “emocional”, certos fatores utilizáveis para se trabalhar com algumas hipóteses. Alguns desses fatores estão incluídos nas técnicas projetivas, que reduzem alguns aspectos do estado consciente para se conseguir reações em cadeia. Os materiais conseguidos constituem a objetivação de ocorrências subjetivas. Existe uma tendência de se restringir, por meio de métodos inadequados, tópicos amplos na pesquisa psicológica, graças à precária compreensão dos processos subjetivos. Entretanto, o autor critica esse comportamento como totalmente anticientífico, pois desconsidera certas formas de experiência devido à dificuldade em se compreender suas origens.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Os artistas das cavernas tinham um objetivo religioso que os colocou em contato com características técnicas que o homem contemporâneo perdeu de vista devido à ênfase materialista do formato artístico ocidental. O padrão artístico cultural e psicológico da arte pré-histórica é mais simples que o nosso, mas certas pinturas eram tão boas quanto o que se pode fazer de melhor atualmente. Eles dispunham de algumas vantagens hoje perdidas, pois logo após o início do segundo milênio da era cristã perdeu-se o contato com as fontes ligadas ao simbolismo natural na arte. O autor cita a artista do folclore negro norte-americano, Minnie Evans, como exemplo na pintura de símbolos que se originavam direto do inconsciente. Incapaz de ler ou escrever, ela pintava as imagens que via, apenas copiando-as, sem pensar nelas. Por isso não havia nenhuma interferência consciente sobre suas produções (p. 134-135). Portanto, os conteúdos das pinturas das cavernas parecem retratar mais precisamente o que o homem primitivo portava em sua consciência, advindo de processos inconscientes.</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-L3Iw3QrSa6U/U2LAQgitkSI/AAAAAAAADDM/G4AorUkE41E/s1600/minnie+evans.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-L3Iw3QrSa6U/U2LAQgitkSI/AAAAAAAADDM/G4AorUkE41E/s1600/minnie+evans.jpg" height="325" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 2 - Uma das pinturas de Minnie Evans. Pode-se observar a estrutura quaternária: <br />
3 figuras humanizadas e a inferior, uma mandala de um quatérnio, expressaria a função <br />
inferior, símbolo e latência da totalidade.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
O uso de ferramentas e artefatos complicados no Paleolítico e no início do Neolítico indica que o homem iniciou a lidar com símbolos abstratos por essa época, onde deu os principais passos para o desenvolvimento da consciência. As paredes das cavernas antigas são expressões do homem primitivo acerca da sua própria psicologia. É o mesmo princípio que atua sobre o homem moderno ao projetar formas visuais em manchas de tinta, por exemplo. McCully (p. 79) utiliza os artefatos paleolíticos como material projetivo para incrementar uma embriologia da consciência. Portanto, a arte das cavernas fornece uma grande riqueza de dados para interpretação. Citando Annette Laming (1959, p. 208), McCully (p. 91-92) observou que “em alguns casos a superfície real da rocha 'deve, muitas vezes, ter sugerido a silhueta de um animal, ao artista paleolítico'”, ainda mais sob a luz bruxuleante de tochas, que intensificam as ilusões das formações das paredes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Desde o paleolítico a relação que o homem e a mulher tinham com os animais era diferente. Desde essa época o homem se dedicava à tarefa de fortalecer a percepção de si mesmos como seres diferentes dos animais em seu ambiente, ao passo que as mulheres não se ocupavam disso. Isso desencadeou formas diferentes de se perceber a vida. “A mulher paleolítica manteve-se ligada aos instintos, porque eles lhe conferiam um prestígio especial, visto que era um mistério para os homens a forma como ela apreendia certos dados que transmitia.” A mulher estava mais próxima das leis naturais em relação à consciência focal, e suas qualidades instintivas a atribuíam o poder de uma deusa (p. 89-90).</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-_mwHoa6cN48/U2LESzDy_uI/AAAAAAAADDQ/dilRPXpsRyE/s1600/deusa+de+laussel.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-_mwHoa6cN48/U2LESzDy_uI/AAAAAAAADDQ/dilRPXpsRyE/s1600/deusa+de+laussel.jpeg" height="320" width="226" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 3 - A deusa de Laussel (França, 22.000 a. C.) <br />
segurando um chifre de bisão. A posição deste<br />
fá-lo parecer uma lua crescente, enquanto reci-<br />
piente para o sangue, que simbolizava grande <br />
fertilidade. A mão esquerda pousa sobre o ab-<br />
dômen, zona fecunda, de grande importância no<br />
ritual de fertilidade. A função das mãos direita e<br />
esquerda é diferenciada nesta marcante escultura<br />
neolítica. (Leroi-Gourhan)(p. 115)</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Vários pesquisadores revelaram a presença de um padrão e justaposição na arte das cavernas e um achado estatístico significativo dos princípios masculino e feminino. A ligação entre a mulher e o bisão é frequente e certa mitologia se formou entre eles. “Os artistas paleolíticos fizeram experiências visuais que mostravam vários estágios de transição entre a mulher inclinada e a estilização desta forma nas linhas de um bisão, e em seguida, para a figura completa de um bisão. Isto só pode significar uma conexão psicológica.” (p. 126, 93)</div>
<div style="text-align: justify;">
Por outro lado, muitas figuras masculinas aparecem associadas a tragédias e a derrotas, como se os homens paleolíticos se vissem como servis diante da deusa matriarcal. Sua arte parece ser uma forma de objetivar sua diferenciação e a descoberta das raízes de seu poder masculino. Talvez tenham tido necessidade de exagerar os aspectos matriarcais da vida em seus artefatos para apreender uma maneira de se separar deles. Sua força física não parecia ser suficiente para propiciar sua independência psicológica. Por isso, surgiu um deus que garantisse a continuidade da vida, o provimento de fertilidade e a sobrevivência, assim como crenças sobre a vida após a morte à parte dos recursos femininos (p. 93-95, 125). Talvez a expressão das qualidades que o impressionavam na mulher ajudou-o a abstrair esses aspectos e, então, a identificá-los como parte da mulher, o que colaborou para que se definisse pela oposição ao que ele não é.</div>
<div style="text-align: justify;">
Provavelmente alguns aspectos do processo de iniciação psicológica à masculinidade, para que o sujeito do sexo masculino <i>funcione</i> como homem, sejam resultado e uma revisão das tarefas, não uma herança (p.127), a que o homem primitivo se submeteu. Contemporaneamente, quando um sujeito do sexo masculino alcança a independência da autoridade feminina, torna-se livre para um relacionamento diferente com as mulheres e com o aspecto feminino da vida, sem receios. Segundo McCully, </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
a explicação psicológica por trás da masculinidade fraca ou efeminada de um menino é de que se trata de um filho frente ao poder matriarcal. Um homem efeminado o é porque nunca se libertou do poder matriarcal. Os homens que demonstram um grande temor de serem relacionados com quaisquer qualidades femininas talvez o façam por boas razões, pois, embora possam ter alcançado exteriormente uma boa adaptação masculina, o poder matriarcal é tão terrível que eles fogem de tudo que o favoreça. Usualmente, nestes casos, a diferenciação em relação a este poder é apenas parcial; nunca estamos realmente livres de algo, a menos que dele possamos aproximar-nos sem temor. (p. 166)</blockquote>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-fSR6Jwn_8jw/U2LIMgXaP5I/AAAAAAAADDk/2MTIacWO3Gg/s1600/inicia%C3%A7%C3%A3o+masculina.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-fSR6Jwn_8jw/U2LIMgXaP5I/AAAAAAAADDk/2MTIacWO3Gg/s1600/inicia%C3%A7%C3%A3o+masculina.jpg" height="213" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 4 - Ritual tucandeira no Amazonas. O ritual de iniciação <br />
masculina consiste em vestir uma luva cheia de formigas <br />
tucandeiras e resistir por ao menos 15 minutos.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto, a iniciação não corresponde à identificação. Esta se refere à <i>persona</i>, isto é, à máscara que a pessoa escolheu mostrar ao mundo. A iniciação é um processo distinto que pode levar à modificação da <i>persona</i>, mas que não leva a uma indistinção com ela (p. 128).</div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo o autor, a maioria dos pacientes psiquiátricos não se diferenciaram de sua feminilidade recessiva, sendo colhidos em algum tipo de desajustamento. Quando a consciência se relaciona bem com as oposições internas, a relação com homens e mulheres é enriquecida. A existência do homem se deve à graça e à nutrição da energia e do cuidado matriarcais. Porém, quando não ocorre a diferenciação psicológica, torna-se um zangão a serviço da mãe (p. 127, 166). </div>
<div style="text-align: justify;">
Alguém pode funcionar física e sexualmente como homem, mas mesmo assim estar inconsciente de sua indiferenciação do poder do feminino. A mulher pode governar um homem de forma muito semelhante à da deusa da fertilidade. Esse tipo de homem tem que se diferenciar do poder erótico, a fim de descobrir-se. Esta é uma tarefa psicológica bastante comum atualmente e que o liga aos ancestrais remotos (p. 133). No artigo “<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2013/11/as-bases-psicologicas-da-atracao-sexual.html" target="_blank">As bases psicológicas da atração sexual</a>”, deste site, há um trecho ainda mais esclarecedor:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Logo, o mergulho na esfera dos instintos não conduz à sua percepção consciente, nem à sua assimilação, porque a consciência luta em pânico contra a ameaça de ser tragada pelo primitivismo e pela inconsciência da esfera dos instintos. Este medo é tema constante do mito do herói e de inúmeros tabus. Quanto mais o sujeito se aproxima do mundo dos instintos, mais violenta é a tendência a se libertar dele e a arrancar a luz da consciência das trevas dos abismos sufocadores. Porém, como possibilidade de representação do instinto através de imagens, “o arquétipo é um alvo espiritual para o qual tende toda a natureza do homem; é o mar em direção ao qual todos os rios percorrem seus acidentados caminhos; é o prêmio que o herói conquista em sua luta com o dragão” (JUNG, 1991a, §415). Isso ocorre porque o desenvolvimento da consciência, e a concomitante representação simbólica dos instintos, se opõe à força destes. E o homem moderno e suas produções, resultado do aprimoramento extremo da consciência, os repele com força ainda maior.</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Pode-se encontrar uma mulher que apresente um relacionamento negativo com o poder matriarcal, e que empregue modos masculinos de desafiá-lo. Mas as implicações para ela são diferentes das que apresenta em relação ao homem. Uma mulher pode se descobrir isolada de suas raízes femininas e, sem aproximar-se do uso dos modos masculinos do homem, persistir indiferenciada do poder matriarcal. Porém, o homem precisa tomar o caminho oposto ao do domínio feminino para se diferenciar e descobrir quem é (p. 133).</div>
<div style="text-align: justify;">
McCully (p. 95-96) afirmou que Leroi Gourhan admitiu sua perplexidade com a ausência de cenas sexuais, assim como de qualquer tipo de expressão sexual ou erótica na arte das cavernas. Foram encontradas esculturas de órgãos sexuais masculinos e femininos isolados (separados do corpo), de forma justaposta e não encaixadas, o que demonstra não haver proposta erótica. Eram símbolos mágico-religiosos e se relacionavam aos princípios básicos para a criação da vida. Essas esculturas de órgãos ligavam-se à preocupação do homem quanto à sua incapacidade para procriar sozinho, o que não ocorria com a mulher. A reprodução tinha um efeito supremo sobre a consciência do homem. Os órgãos separados do corpo assumem um significado diferente, pois a energia arquetípica associa-se mais prontamente a partes isoladas. Quando o símbolo se forma, seu sentido é transferido do plano sensual (erótico) para um plano abstrato. As informações de tarefas ainda incompletas no indivíduo ficam mais claras no nível abstrato. Como todos os homens as vivenciam, são chamadas de “arquetípicas” (p. 132).</div>
<div style="text-align: justify;">
Os mistérios masculinos coincidiram com a busca de sua própria relação com os poderes animais. A captura de animais requeria uma habilidade masculina, mas essa ação pode ter sido empregada, psicologicamente, para exprimir a aquisição de controle sobre o lado animal da vida e da natureza. Ao tornar os animais sagrados, os homens paleolíticos atribuíam qualidades próprias. A arte das cavernas foi a expressão de elementos de psicologia humana que precisavam de objetivação, para desenvolver um certo tipo de diferenciação. Elementos em seu repertório que precisavam ser percebidos, e que pertenciam a certos animais. Na medida em que aprendiam a disciplinar seus instintos, eles eram iniciados em novo estágio. Os trabalhos de Hércules contam a estória da aquisição do domínio sobre vários animais mitológicos (vide os animais compostos encontrados nas cavernas), o que expressa a conquista do domínio dos instintos destrutivos. E cada homem, mesmo hoje em dia, tem a obrigação de fazer isso em algum momento (p. 127).</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-XhIRlY4vDos/U2LL6qKaRPI/AAAAAAAADDs/qXDtYMWZ9lU/s1600/hercules12+trabalhos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-XhIRlY4vDos/U2LL6qKaRPI/AAAAAAAADDs/qXDtYMWZ9lU/s1600/hercules12+trabalhos.jpg" height="400" width="346" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 5 - Os 12 trabalhos de Hércules.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Ainda hoje, as figuras de animais servem como depositárias de projeções, o que foi comprovado na experiência de Miale e Holsopple (1954, p. 177). Em sua técnica de completação de sentenças, descobriram que, quando estas se iniciavam com palavras que nomeavam animais ou crianças, seu poder de evocar complexos (conteúdos pessoais significativos) era maior do que quando iniciavam por palavras que designavam objetos ou adultos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O pesquisador Alexander Marshack (1969) analisou microscopicamente os sinais da arte das cavernas. Sua análise mostra que os animais entalhados não se destinavam apenas a ser mortos, mas para durar, serem reutilizados e renovados. Existiria uma mitologia associada aos desenhos e sinais. Concluiu que a arte das cavernas baseava-se no uso de símbolos complexos e que a simplificação do simbolismo é questão de contemporaneidade em estilo, e não função do tempo ou do desenvolvimento histórico. Logo, “a consciência, tal como a conhecemos, veio a realizar-se dentro de uma parelho que já era complexo, constituindo-se em seu material arquetípico” (p. 107).</div>
<div style="text-align: justify;">
Os homens paleolíticos se esforçavam arduamente para compreender e extrair significados. Seus guias foram os fatos naturais regulares, os animais e as plantas. Sua curiosidade consistente por si mesmo era sua motivação básica. Por isso se debruçava sobre o sentido da diferença entre ele e sua companheira e deusa. </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Talvez os homens primitivos organizassem suas forças na escuridão das cavernas. Podemos imaginá-los amontoados na escuridão, enquanto a deusa fazia encantamentos pelo sucesso na caçada a que ela os teria enviado; à medida em que o rito prosseguia, e porque como machos eles estavam excluídos, os homens arrastavam-se sobre a barriga na escuridão e, à luz de alguma chama improvisada, rabiscavam imagens em busca secreta por significados. A força física necessária sugere que era tarefa para um homem, pois, para alcançar algumas das câmaras que contêm os exemplares da arte das cavernas de maior força simbólica, tem-se que rastejar por distâncias consideráveis e através de passagens muito estreitas e apertadas. Sabe-se que alguns dos locais não sofreram mudanças desde a época em que o desenho foi feito. Os artistas rastejavam até recessos perigosos e remotos e pintavam ou modelavam formas artísticas em posição incômoda, no meio de espirais de fumaça e dos vapores das tochas de pinheiro. Criaram imagens que funcionavam como veículos para expressar as condições que os guiaram àquelas lonjuras. O material era arquetípico em sua essência. (p. 100)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Foram encontrados nas paredes de Lascaux apenas veados. Em Calavanas, apenas corças. Ora, a matriarca tinha poderes de deusa da fertilidade e simbolizava a certeza da sobrevivência. Já os homens precisavam encontrar uma compreensão consciente, e diferenciada do sexo oposto, das suas próprias funções. Assim, corças e veados foram desenhados separados e conjuntamente para fins de classificação psicológica (p. 102).</div>
<div style="text-align: justify;">
A caverna de Pech Merle (França) contém um mural com uma série de animais compostos imaginários. Ao mesmo tempo, a distribuição de bisões, bodes monteses e seres humanos não corresponde à sua distribuição no meio ambiente. Ao que tudo indica, essas figuras eram animais e pessoas psicológicos, vistas com um olho psíquico. A objetivação de sua imaginação por meio da arte mostra como o homem primitivo lidava com aquilo que o preocupava (p. 102).</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-Yz9GPpYlRaI/U2K8wACbVFI/AAAAAAAADCw/rL6LSq4tMlM/s1600/feiticeira+les-trois-freres.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-Yz9GPpYlRaI/U2K8wACbVFI/AAAAAAAADCw/rL6LSq4tMlM/s1600/feiticeira+les-trois-freres.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 6 - Feiticeiro da caverna <br />
de Les Trois Frères.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
A Figura 6, que ilustra o “feiticeiro” de Les Trois Frères (10.000 a 12.000 a.C), na França, é um produto fantástico de imaginação. Aparece no ponto mais alto e profundo de uma câmara com centenas de figuras primitivas. As pernas e coxas são humanas, a cauda é de cavalo ou burro, as patas, o tronco superior e a cabeça são de urso, os olhos, de coruja, e os chifres, de rena. O autor sugeriu que o “feiticeiro” era um deus masculino, servindo como forma de propiciar ao homem paleolítico um sentido psicológico de independência da lei matriarcal que dominava sua vida. Seu pênis e testículos pendem ao contrário e voltados para a própria figura, como se retratasse uma autocopulação. A imagem reflete uma preocupação única na psicologia do homem primitivo. A criatura imaginária não precisa da fêmea da espécie para poder criar e fertilizar. É uma inovação masculina que se contrapõe ao poder de deusa da fertilidade. Sua natureza composta inclui qualidades que o homem precisava para disciplinar seus diversos instintos, num trabalho psicológico de ampliação e autodefinição para formação da estrutura da psicologia masculina. Os olhos de coruja simbolizavam a capacidade de enxergar no escuro e descobrir a luz da consciência por meio do conhecimento dos próprios aspectos e poderes (p. 103 e 154s).</div>
<div style="text-align: justify;">
As mulheres detinham o poder psicológico, e começaram sendo psicologicamente mais fortes do que os homens, apesar deste ter um maior poder físico. O poder da tensão ocasionada por essa diferença ajudou a determinar a natureza de sua consciência, e tornou essa divergência arquetípica. Os homens começaram a se ver como algo mais do que protetores ou provedores de alimentos. Ao mesmo tempo, esse processo de autoconhecimento influenciou a consciência das mulheres, que ainda não haviam iniciado a tarefa de descobrir um potencial independente das suas outras funções nos cultos de fertilidade. Apesar disso, a mulher possuía o poder psicológico de uma deusa, como mostra a Figura 7 (p. 101). O movimento de liberação feminina ganhou forças um tempo atrás e sua psicologia deveria ser examinada. Quando um movimento é necessário isso indica que a mulher não se diferenciou completamente do homem. A individuação e a diferenciação feminina não devem ocorrer a partir dos valores masculinos. Estas devem ser definidas em termos femininos (p. 169-170). A psique feminina se torna individualizada ao descobrir seus próprios valores distintos dos valores da mãe, os quais podem ser até os mesmos, mas alcançados de maneira individual. O logos tende a unir os homens e ampliou sua consciência de forma compreensiva para eles. O modo como as mulheres se relacionam com os homens está inserida em uma tradição específica, mas as mulheres se unem umas às outras pela facilidade para insights intuitivos e pelo silencioso sentimento de superioridade que sentem em relação aos homens. “A consciência na mulher é geralmente mais abrangente do que no homem, mas menos definida” (p. 176-177).</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-xLhExc_p7Xs/U2K9bgdYoDI/AAAAAAAADC4/RlbPyCIJrgc/s1600/DEUSA+M%C3%83E+TERRA+CRETENSE-EGEIA+-+Pal%C3%A1cio+Cnossos+-+2.000+a.C..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-xLhExc_p7Xs/U2K9bgdYoDI/AAAAAAAADC4/RlbPyCIJrgc/s1600/DEUSA+M%C3%83E+TERRA+CRETENSE-EGEIA+-+Pal%C3%A1cio+Cnossos+-+2.000+a.C..jpg" height="275" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 7 - Manifestação da deusa mãe-terra da cultura cretense-egeia - palácio de Cnossos, 2000 a.C. Segura em ambas as mãos machados de cabeça dupla, utilizados apenas pelas mulheres para executar castrações. Estas eram inicialmente executadas em humanos, mais tarde foram usadas em animais como portadores de certas qualidades humanas.</td></tr>
</tbody></table>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
As mulheres orientais eram livres para desenvolver as artes da influência e do companheirismo em relação aos homens de uma forma que não é possível às mulheres ocidentais. No ocidente, uma mulher poderia obter um considerável desenvolvimento psicológico no interior das ordens religiosas, mas não fora delas. As mulheres orientais, como os homens, desenvolveram-se dentro de um rígido sistema ritual que unificou sua cultura até época recente. O amor adolescente e as experiências pré-matrimoniais nunca preocuparam o Oriente tanto quanto preocupam o Ocidente. O amor depois do casamento é o tema principal na poesia chinesa e japonesa. Isto ocorre porque a psicologia masculina e a feminina se desenvolveram, no Leste, em torno de forças diferentes. (p. 177-178)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
A imagem psicológica da mulher ocidental incluía qualidades associadas à Virgem Maria. A mulher ideal era a mulher pura. “A maior parte da energia psicológica da Idade Média foi gasta, pelos homens, para proteger essa pureza. A cavalaria era uma atitude arquetípica carregada de energia coletiva” (p. 178). Segundo a tradição ocidental, nessa época a psique feminina foi ampliada na modificação do relacionamento dos homens com ela. As donzelas viviam continuamente embaraçadas, ao suportar tudo em silêncio, devido às provocações de um dragão furioso. Eram, na verdade, dragões e donzelas psicológicos, vivenciados por meio dos homens. Os dragões indicavam instintos primitivos, cruéis, que tomavam os homens ao assaltarem sexualmente uma mulher e as manter sob seu poder. As transformações na atitude dos homens em relação ao seu aspecto feminino refletiram em mudanças para com as mulheres.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por muito tempo, a avaliação de um homem sobre si mesmo baseava-se em quanto ele pensava saber. Já a energia psíquica da mulher dirige-se no sentido da ampliação de sua própria consciência. “A educação, a emancipação e os Beatles cuidaram que assim fosse”, observa o autor. Atualmente, os homens estão começando a se exibir mais fisicamente para atrair as mulheres, enquanto que estas tendem a se preocupar menos com a atração que exercem por sua aparência e a se ocupar mais com a ampliação do intelecto.</div>
<div style="text-align: justify;">
Como já observado, existem poucos elementos da arte das cavernas que sugiram uma preocupação suficiente com o prazer erótico para representá-lo. Quase toda genitália feminina se relacionava a rituais de fecundidade. A masculina, quando raramente apareceu, se ligava aparentemente a um ritual não erótico. O papel do falo certamente era conhecido pela observação dos animais que os rodeavam. Mas parece que “o mistério do ato de concepção despertou mais a imaginação do homem paleolítico do que a reação sensual. O inverso é verdadeiro para nós; desde que nosso conhecimento destruiu toda a magia e quase todo o mistério, pouco podemos fazer, além de hipervalorizar o aspecto sensual da expressão sexual. Pode ser que tenhamos nos libertado em uma prisão (p. 103). </div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-mS04Z3K3fLg/U2LMfiM5eHI/AAAAAAAADD0/KDIN_Z-VdoQ/s1600/arte+cavernas2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-mS04Z3K3fLg/U2LMfiM5eHI/AAAAAAAADD0/KDIN_Z-VdoQ/s1600/arte+cavernas2.jpg" height="225" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 8 - Impressão da mão esquerda em parede na caverna de Altamira. <br />
Esta é conhecida como a Capela Sistina da Pré-História, e está <br />
localizada na cidade espanhola de Santillana del Mar, em Cantábria.<br />
Fonte: <span style="font-size: xx-small;">http://ppturma3iha.blogspot.com.br/2012/09/pre-historia-e-publicidade.html</span></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Os pesquisadores divergem quanto à interpretação das mãos desenhadas nas paredes de algumas cavernas do Paleolítico. A variedade de significados atribuídos forma um conjunto de dados projetivos interessantes. Uma caverna apresenta desenhos da mão esquerda na parede esquerda, e da mão direita, na parede direita. Ora, o órgão representado isolado do corpo assume significado diferente de quando se acha ligado ao corpo, pois ativa fontes psíquicas diferentes. Os órgãos isolados ativam mais os arquétipos, enquanto os órgãos ligados ao corpo ativam principalmente os complexos pessoais. O isolamento de um órgão possibilita uma compreensão mais abstrata do que concreta. A sugestão de que as marcas das mãos seriam assinaturas dos artistas não é pertinente, pois não havia uma consciência de ego diferenciada nos artistas das cavernas, o que é comprovado por dados. </div>
<div style="text-align: justify;">
Como mesmo as pessoas ambidestras geralmente possuem uma mão dominante, isso pode ter definido para o homem primitivo o significado básico de direita e esquerda. Os lados diferentes das paredes tinham significado psicológico diferente. Por outro lado, a função das mãos se liga mais à psicologia masculina, pois, para o homem as mãos possuem significado arquetípico de poder e controle, o que não ocorre para as mulheres. O autor sugeriu que esses desenhos associavam-se à diferenciação de algum aspecto do poder masculino frente ao feminino, a preocupação com a diferença psicológica entre o poder associado à força e à fraqueza. As mãos concretizam o poder masculino, o que é reconhecido pelas mulheres que classificam os homens conforme sua habilidade manual (p. 104). </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Da mesma forma que a pintura de animais fêmeos em uma parede e de machos em outra, as mãos podem ter sido utilizadas pelos artistas para uma melhor compreensão do significado dos opostos, ou seja, direita e esquerda, masculino e feminino, força e fraqueza, controle e falta de controle. Os homens do Paleolítico podem ter pensado: “Uma mão é menos poderosa do que a outra, por que isto? Não vemos uma analogia nisto com os animais. Será que o poder inerente em minhas mãos me diferencia da mulher? Será que a fraqueza da minha mão esquerda é uma qualidade minha que estabelece uma ligação entre algo meu e a mulher? Ambas as mãos dela são fracas, se comparadas com a força da minha. Será possível tornar minha mão esquerda tão poderosa quanto a direita? Irão os deuses dotar-me de força igual? (p. 106)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Estas perguntas hipotéticas podem ter sido possíveis preocupações psicológicas dos homens primitivos. </div>
<div style="text-align: justify;">
A reprodução de impressões das mãos em negativo ou positivo tendeu a decair em torno de 18.000 a.C. Sua expansão coincidiu com o período de maior produção de figuras femininas da fertilidade. A mão esquerda predominou em alguns casos onde havia sua associação com certos símbolos de fertilidade, tais como éguas grávidas (p. 200).</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-wMFBbhshFsw/U2LQfDXAujI/AAAAAAAADD8/w9Ih1YHk1lo/s1600/uniao_dos_opostos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-wMFBbhshFsw/U2LQfDXAujI/AAAAAAAADD8/w9Ih1YHk1lo/s1600/uniao_dos_opostos.jpg" height="320" width="287" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Fig 9 - Fonte: "Psicologia e alquimia", de C.G.Jung.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Psicologicamente, à diferenciação dos opostos pode advir sua união, que expressa um determinado estágio no desenvolvimento psicológico. A metade não manifesta, que tinha sido isolada para que ocorresse uma cisão adequada, é novamente unida ao ser. Este é o significado simbólico do hermafrodita nesse estágio. Seu objetivo pode ser o de definir a autocontenção. Ele pode ter sido empregado para definir o poder masculino, independentemente do poder matriarcal (vide a figura do feiticeiro). Mas na união dos opostos ele se torna um continente não-feminino, para além de Eros. Não é dominante, nem recessivo: é ambos. As ilusões ou as percepções distorcidas diminuem nessa vivência simbólica do hermafrodita. O homem não se percebe compulsivamente apenas como homem. O mesmo é válido para a mulher. As percepções e o pensamento tornam-se claros e não são obscurecidos ou limitados pelo temor ao oposto, seja interno ou externo (p. 202). </div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns indivíduos tornaram-se pacientes porque foram apanhados entre o poder arquetípico dos opostos, de tal forma que o restante do mundo desapareceu. O significado dessa batalha pode ser tão poderoso que corre o risco de destruir a si próprio e/ou aos outros. Pode ocorrer que pessoas não preparadas apreendam subitamente as qualidades do oposto cindido, cujo impacto pode provocar um surto paranoide. Nesse caso, a percepção do oposto é afastada por meio de uma projeção violenta.</div>
<div style="text-align: justify;">
McCully (p. 107) conclui que sua análise de símbolos da arte das cavernas se libertou de alguns dos moldes convencionais empregados na interpretação psicológica, exemplificando uma maneira pela qual os dados subjetivos podem ser manejados. Além disso, alude à existência de várias outras formas de lidar com esse tipo de dados. “Nossa posição tem sido de que algumas delas têm um alcance limitado e deixam pendentes importantes aspectos da psicologia”.</div>
<div style="text-align: justify;">
É interessante o acréscimo do autor de uma perspectiva que abrange a interpretação da arte das cavernas como fontes projetivas de significado. Ele acaba por enriquecer a psicologia analítica, acrescentando dados perceptivos do processo de separação e união de opostos que o próprio Jung já havia feito, mas levando em consideração a obra dos alquimistas. Sua apreciação confirma, acrescenta e diferencia ainda mais o processo de desenvolvimento da consciência humana. A contribuição de McCully une as escolas junguianas clássica e desenvolvimentista de forma totalmente inovadora.</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-45863088101385800002014-03-17T09:00:00.001-03:002015-08-18T20:07:32.340-03:00Morte, sonho e sincronicidade<div style="text-align: justify;">
<i> O relato dos acontecimentos neste texto objetivou a elaboração de toda a trama inusitada de acontecimentos que ocorreram há algum tempo na vida de Rodrigo, um amigo da família. Ele solicitou, e por isso o texto que o relata é publicado neste </i>blog<i>, na medida do possível seguindo a sequência dos fatos. O seu valor é o de uma ilustração marcante e vivencial de como a vida e seu drama são tecidos a partir da experiência interior e exterior, em conjunto, e não artificialmente separados. A trama de acontecimentos, assim como os sonhos que a permearam, ilustra como o nascimento, a morte e as mudanças em geral, e a ativação do respectivo arquétipo em nossas vidas, estão imbuídos de manifestações que apontam para um sentido que, intrinsecamente, é vivenciado internamente, mas parece também se exteriorizar. Por vezes, em nossa vida, um sentimento de assombro, devido a uma sequência insólita de eventos, aponta para a existência de um significado que parece tecer ou ligar cada um dos fatos vividos. </i></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-w9STOObzVSo/UybgVvBFt0I/AAAAAAAADAA/80Gncseqb64/s1600/sincronicidade3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="208" src="http://2.bp.blogspot.com/-w9STOObzVSo/UybgVvBFt0I/AAAAAAAADAA/80Gncseqb64/s1600/sincronicidade3.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Assim como um pingo d'água amplia uma imagem,<br />
a mente receptiva percebe relações difíceis de perceber.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<i> Existem muitos filmes que retratam essas “coincidências” da vida, que a psicologia chama de sincronicidades, e os espectadores em geral as classifica como fenômenos inexistentes, experienciáveis apenas nas telas de TV e de cinema. Entretanto, a sétima arte nada mais faz que retratar uma realidade, a qual a ciência positivista preferiu relegar à ficção. É muito mais fácil se constatar essas ligações de sentido em um filme do que na vida “real”, pois aquele teve o benefício da narração, e os fatos cotidianos dificilmente têm a mesma sorte. Por isso este texto vem ajudar a suprir a grande carência de fenômenos que escapam à investigação científica, e alertar que eles existem sim, e estão à espera de modelos teóricos que os expliquem, tais como a explanação de Jung sobre a sincronicidade.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Os nomes de pessoas e de cidades foram trocados para preservação da identidade dos envolvidos. Minha contribuição se restringe às referências, a esta introdução e às reflexões finais. A ordem dos acontecimentos segue mais ou menos a sequência dos parágrafos, exceto quando claramente expresso.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Passo a palavra a Rodrigo.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Meu pai de 85 anos morava há sete anos conosco e apresentava evidentes sintomas de senilidade. Trabalhei muito na terapia, principalmente durante esse período, minha relação com ele, isto é, sua ausência física e emocional na maior parte da minha vida. Isso implicou na minha própria ausência, em vários aspectos, embora não física, na vida inicial dos meus filhos, pois não possuía um modelo de pai presente. Em um <i>insight</i> descobri que tinha inveja do meu filho: não podia dar a ele o que não tive. Isso implicou em grande mudança na minha relação com eles. Um dia apareceu em sonhos uma mulher dizendo que eu havia tido dois filhos com ela (mais tarde lembrei de um relacionamento sexual com certa mulher, na ocasião em que fiz um curso em outra cidade, aos 19 anos). No sonho interagi principalmente com um deles que, no momento, e paradoxalmente, tinha quarenta e poucos anos (eu possuía 44). Depois, na imaginação ativa, conversei com esse filho, que me confessou o quanto tinha sido difícil para ele passar quase a vida toda até aquele momento sem um pai ao seu lado, vendo os colegas com um pai presente. Imediatamente percebi que ele personificava os sentimentos de vazio que sentia por não ter tido um pai presente, participante da minha vida. Era como se não tivesse possuído mesmo um pai. A conversa e o relacionamento com esse filho onírico na imaginação ativa foi muito intensa e significativa, revelando aspectos que nunca estiveram tão claros para mim.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um tempo depois, minha esposa, Maria Tereza, passou a cuidar do filho de uma amiga nas tardes em que esta trabalhava. A interação com essa criança de um ano permitiu que nos lembrássemos do tempo em que nosso próprio casal de filhos havia passado por essa idade. Secretamente, desejei ter outro filho, e acho que minha esposa também, embora não o quiséssemos, sabedores da consequente responsabilidade e de sua necessidade de concluir a faculdade. Ao mesmo tempo, esse filho seria a possibilidade da realização plena do novo pai que me tornara através dos <i>insights</i> que tivera.</div>
<div style="text-align: justify;">
O ano de 2012 foi repleto de acontecimentos inesperados em um curto espaço de tempo. O tema principal desses fatos foi a mudança: seja na rotina, no modo de vida que levávamos, e também no trabalho. O estopim de todas essas mudanças ocorreu no final de 2011: o anúncio da chegada do meu terceiro filho. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em julho de 2011 minha esposa consultou um médico para a extração de uma endometriose. Após os exames, o senhor de setenta e poucos anos disse que a prioridade seria a extração de seu útero, uma vez que ele se encontrava três vezes maior que a média e apresentava vários pólipos em seu tecido. Uma vez que a ocorrência de tumores cancerígenos estava se tornando comum na população e ela dificilmente engravidaria devido aos três problemas expostos, ele indicou, como forma preventiva, a extração de seu útero. Mensalmente o consultamos. Nas tardes de agosto ela começou a cuidar da criança referida acima. Em novembro, ela apresentou alguns sintomas que associou ao hipotireoidismo (vertigem, azia, menstruação atrasada, etc.), como aprendera recentemente na faculdade. Porém, o ultrassom do médico revelou outra coisa: “Tem um feto aqui!”. Para grande surpresa de todos nós, um feto de sete semanas encontrava-se em seu útero. Foi um impacto muito grande, pois estávamos projetando ela terminar a faculdade e começar a trabalhar, o que coincidiria com minha aposentadoria. O terceiro ano de faculdade não seria fácil... </div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-yMlIkDcVnW8/UybfIFKFGyI/AAAAAAAAC_0/ClNUqBZ6_O4/s1600/sincronicidade2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="178" src="http://3.bp.blogspot.com/-yMlIkDcVnW8/UybfIFKFGyI/AAAAAAAAC_0/ClNUqBZ6_O4/s1600/sincronicidade2.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Será que o jogo de dados, como ocorre <br />
com o <i>I Ching</i>, não refletiria <br />
o momento do jogador?</td></tr>
</tbody></table>
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À saída do consultório, Maria Tereza começou a chorar novamente, muito emocionada. Indagada, respondeu: “Não estou chorando mais por causa da gravidez. É porque sei que esse nascimento implica uma morte. Ele vai nascer e alguém da nossa família vai morrer. Pensei no seu pai.” Acostumado que estou às implicações que o sentido dos acontecimentos têm em nossa existência, associei o nascimento do bebê às implicações de renascimento interior na nossa vida e na de nossos filhos. Toda transformação envolve nascimento, renascimento, e também morte, no plano interior e, reciproca e simbolicamente, no exterior. Será que, com meu filho, nascia também um novo pai, e agora meu velho pai, que representava aquela relação passada e estagnada de pai e filho, podia ir embora? Entretanto, por que ela pressentiu apenas a morte do meu pai? Será que sua consciência reprimiu outras informações que teriam implicações muito mais sérias para si, impedindo que tomasse conhecimento da tragédia que se seguiria? Ou ela previra, acertadamente, o significado desse filho para mim e as implicações simbólicas para meu pai? Afinal, o que ocorreu cerca de dez meses depois, estatisticamente, é muito improvável de ocorrer. Porém, o fato de ela mencionar meu pai me fez pensar.</div>
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Há algum tempo antes vinha questionando o bloqueio que tenho de colocar em prática meus projetos, principalmente aqueles que teriam grandes implicações e repercussões na minha vida como um todo. Também me questionava por ser muito pouco ativo e mais passivo, por ter uma tendência mais de aceitar o que a vida e as pessoas próximas oferecem, do que buscar ativamente o que me interessa. Associo automaticamente essa “passividade” a uma das principais heranças psicológicas do meu pai. Sim, porque ele, a vida toda, sempre tendia muito mais a aceitar do que a rejeitar o que era oferecido. Para falar a verdade, não me lembro de ele rejeitar, criticar ou avaliar negativamente quase nada do que era oferecido. Apesar de já ter feito muita coisa na vida, nunca coloquei um projeto em prática, algo que dependesse inteiramente da minha criação, divulgação, edição, articulação e interferência. Isso era totalmente novo. Por isso, essa mudança refletiu a “morte” de meu pai interno e, em vários aspectos, da minha identidade com ele e com o que ele representa.</div>
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Então, surgiu a possibilidade de mudarmos para uma casa disponibilizada por meu trabalho, mas esta possuía apenas um banheiro e três quartos, o que restringia a permanência de meu pai em minha residência. Isso sem falar que a nova criança seria um fator difícil de conjugar com o cuidado de um idoso. A mudança de moradia equivalia à saída do aluguel e ao pagamento de uma taxa irrisória. Assim, em fevereiro, levei meu pai a Curitiba, cidade em que moram minha irmã e meu irmão, filho dele com a primeira esposa. Senti muito sua partida, embora sentisse também um grande alívio, pois não nos era fácil cuidar e lidar com suas expressões de discordância e insistências em certos comportamentos peculiares, além da situação em que nos encontrávamos. Um mês depois o levaram para morar em um asilo, pois minha irmã também não tinha condições de acomodá-lo em casa, nem meu irmão, que já cuidava da mãe com Alzheimer.</div>
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Na primeira gravidez da minha esposa, não pudemos identificar o sexo do bebê pelo ultrassom. Ao final da gestação, eu estava em dúvida, caso fosse uma menina, se a batizaria de Hera ou Hebe, os quais eram muito parecidos. Então sonhei que elevava minha filha nos braços, e dizia que ela tinha a cara de Hera. Assim, o sonho revelou o sexo do bebê, e ainda pareceu indicar também como eu a nomearia ou deveria nomear. Com o segundo filho, minha esposa soube que o havia concebido naquele momento, o que revelou-me no mesmo instante. O terceiro filho também teve sua parcela de pressentimentos. Instantes após a sua concepção veio-me um pensamento “brincalhão” de que ela havia ficado grávida. Eu reprimi o pensamento, pensando nas dificuldades em se ter um filho, nas prevenções que tomávamos e na improbabilidade médica. Ao final desta gravidez falei à Maria Tereza: “Já pensou se o neném nascer moreno e não branco, como nossos filhos anteriores?”. Após nove meses nasceu nosso bebê, moreno como o pai. Por isso, e pelo sentido que esse menino teria para mim como novo pai, dei a ele o meu nome.</div>
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-m4Uii_rdOcY/UybausCVX-I/AAAAAAAAC_c/-DkBfV8zoeI/s1600/sincronicidade.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="128" src="http://1.bp.blogspot.com/-m4Uii_rdOcY/UybausCVX-I/AAAAAAAAC_c/-DkBfV8zoeI/s1600/sincronicidade.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Sincronicidade: "É como se <br />
interior e exterior estivessem<br />
intrinsecamente ligados."</td></tr>
</tbody></table>
Três dias depois do nascimento do meu filho tive uma promoção no trabalho, a maior e melhor de toda a minha carreira. Essa promoção já estava prevista, mas é interessante essa conjunção de fatos e seu impacto. Dois meses depois terminei também meu curso de pós-graduação que levei dois anos para concluir. Convém relembrar que no início desse mesmo ano mudei de casa e meu pai mudou-se para a cidade da minha irmã. Ao findar do ano, tive que mudar novamente de casa.</div>
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Com todas essas mudanças durante o ano de 2012 fiquei internamente inseguro e angustiado. É como se o solo onde pisava não fosse seguro e pudesse ceder a qualquer momento. Confesso que sou muito apegado à rotina e não gostar muito de mudanças, principalmente tantas e tão drásticas. Mas acabei me adaptando e sentindo-me bem melhor.</div>
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O final de janeiro de 2013 foi marcado por acontecimentos inéditos. A vinda de meu cunhado, José Antônio, e de sua esposa à minha casa no final da tarde, a chegada da minha cunhada e família, e a confraternização com uma deliciosa pizza. No dia seguinte Maria Tereza serviu a eles um ótimo almoço, muito elogiado por meu cunhado – o que não era de praxe. </div>
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Meu sogro, assim como Jonas, irmão da minha sogra, contaram que, no início de março de 2013, José Antônio havia brincado dizendo que haviam vários doentes na família. Porém, o primeiro que morreria seria ele (acho que meu cunhado não contava que sua hipertensão também era considerada uma doença, e crônica). Sua mãe o seguiria. Após esta, morreriam, na sequência, seu tio Jonas, seu tio Laio e sua tia Eudália, todos irmãos de sua mãe, D. Fia. Seu pai e o tio censuraram seu descuido com as palavras.</div>
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Minha cunhada, Elisabeth, sonhou e relatou, logo antes dos acontecimentos descritos a seguir, que levara cinco tiros no peito e acordou sobressaltada.</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Eu sonhei que estava em um lugar, não sei se era aqui no portão de casa, e levei cinco tiros. Só que, na hora, eu nem senti. Eu só senti na hora que eu vi o sangue escorrendo nos meus pés. Daí eu coloquei a mão no peito e vi que eu tinha levado cinco tiros.</blockquote>
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Em visita à minha casa, que fica em outra cidade, na primeira semana de março de 2013, minha sogra repetiu várias vezes, e fez minha esposa prometer, que ela e sua irmã dividiriam todos os itens que ela comprara com seu dinheiro após sua morte. Ela não queria que nenhuma outra mulher, supostamente levada por meu sogro para casa, usasse ou se apropriasse de seus objetos. Minha esposa a repreendeu, mas sua mãe não se tranquilizou até que ela prometesse. </div>
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No dia 12 de março, meu filho Norton disse à minha esposa, em resposta a uma repreensão e brincando, que o dia seguinte, dia do seu aniversário, seria marcado pelo resto de sua vida. Que algo muito ruim aconteceria nesse dia, que iria marcá-la para sempre. A mãe questionou a brincadeira do filho e logo este confessou que era só uma brincadeira. Mas é interessante notar, um tempo depois que essas coisas ocorreram, como são justamente as brincadeiras, ou mesmo fenômenos espontâneos como os sonhos, que se revelam portadores de conteúdos muito sérios e fatídicos.</div>
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Em 13 de março, meu cunhado se dirigiu ao hospital, pois apresentou sintomas de infarto. Foi medicado com estreptoquinase, o qual oferecia risco de hemorragia estomacal ou cerebral. Esta última ocorreu e ele entrou em coma irreversível. Era muito desagradável vê-lo inchado, entubado e respirando com a ajuda de aparelhos. Inchado porque tiveram que aliviar a pressão intracraniana com pulções para tirar o sangue em excesso. Então, sobreveio uma parada cardíaca e a decorrente morte no dia 16 de março (sábado). Meus sogros e seus filhos sofreram muito com essa morte inesperada. Ele entrara sorrindo e brincara com as enfermeiras... Minha sogra não quis voltar conosco para nossa cidade, pois alegou contas a pagar e preocupação com o marido. Seu irmão, Jonas, internou-se no dia 18 com falta de ar.</div>
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Eu estava desolado com toda aquela situação e com outros fatos desagradáveis que ocorreram em Dourados durante o processo de morte, velório e enterro do meu cunhado. Parecia que eu não estava em contato com a realidade. Foi então que, ao levar meu filho para uma atividade esportiva, não olhei no retrovisor antes de convergir à esquerda em local de ultrapassagem proibida. Um motoqueiro buzinou e esbarrou no meu para-lama: ele, sua moto e o para-choque do meu carro caíram a uns cinco metros à frente. Fiquei desorientado. No passado, aprendi a consultar um antigo oráculo chinês para ver se ele esclarecia meu processo de vida no momento – o <i>I Ching</i>. </div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-tVbGr0ecb0M/Uybd2Z1VI0I/AAAAAAAAC_k/Go2i2bL4HVY/s1600/i+ching.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="http://4.bp.blogspot.com/-tVbGr0ecb0M/Uybd2Z1VI0I/AAAAAAAAC_k/Go2i2bL4HVY/s1600/i+ching.jpg" width="185" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Os 64 hexagramas do <i>I Ching.</i></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Segundo Carl Jung (WILHELM, 1993), para os chineses isso era perfeitamente possível porque, em determinado instante, tudo tende a ocorrer de acordo o tema geral atual, que dá o tom e o sentido do que acontece. Assim, jogar a sorte com moedas não se dá aleatoriamente, mas de acordo com as possibilidades da totalidade do momento. Totalidade no sentido de que tudo o que compõe certo período de tempo, tudo o que faz parte dos acontecimentos, que pertence ao momento, contribui para a sua consecução. Como um holograma, a queda de uma moeda contém também tudo o que estiver ocorrendo ao redor, do mesmo modo que este comporta sua queda. Dessa forma, decidi consultar o <i>I Ching</i> para ver se ele esclarecia o sentido da minha vida naquele instante.</div>
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O hexagrama gerado foi o 36 - “Obscurecimento da luz”. Entre outras observações, estava escrito que </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
um homem não deve se deixar arrastar passivamente por circunstâncias desfavoráveis, nem permitir que sua firmeza interna seja abalada. Ele o conseguirá conservando sua clareza interior e permanecendo adaptável e tratável no plano externo. Com essa atitude é possível superar até a maior adversidade. (WILHELM, 1993, p. 120-121).</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
De fato, eu me deixei arrastar passivamente pelas circunstâncias e pelo sentimento de desolação devido ao luto da minha família e dos amigos. Eu precisava amparar minha esposa e filha, tentando conservar a serenidade, não deixando obscurecer a minha luz. Isso não seria nada fácil...</div>
<div style="text-align: justify;">
Em 21 de março (5ª feira) minha sogra, D. Fia, foi internada, diagnosticada com pneumonia. No dia seguinte, sofreu um leve derrame. No sábado, chegamos à cidade e fomos ao hospital. Minha esposa conseguiu falar com ela, apesar de ela não conseguir articular claramente as palavras. Por causa disso, não consegui entendê-la. No domingo ela já não conseguia pronunciar qualquer palavra e parecia exausta. Entendemos que ela não deveria permanecer naquele espaço – o pronto atendimento, onde adentram aqueles que precisam de estabilização antes de ser encaminhados à UTI ou à enfermaria. No dia seguinte, minha esposa se dirigiu ao hospital pela manhã, disposta a questionar a situação da mãe, em local próximo à porta que dá acesso à recepção, repleto de conversas, manipulação de instrumentos e aparelhos e vulnerável a germes oriundos da rua. Fechei a janela do quarto onde estava devido ao frio. Por volta de quarenta minutos após sua saída, minha atenção se voltou ao silêncio que me circundava. Não conseguia ouvir pio de pássaros (havia uma gaiola anexada à parede externa do quarto), nem latido de cães na rua... Nada! Isso não era nada comum. Uma forte emoção, uma apreensão de que algo sinistro havia ocorrido – a morte da minha sogra, me surpreendeu. Dez minutos depois minha esposa ligou chorando e anunciou que sua mãe havia morrido. Ela ainda conseguira abraçá-la e sentir o resto do calor de seu corpo. As emoções se inflamaram ainda mais em todos os membros da família. D. Fia era muito querida, inclusive pelos vizinhos e pelos “irmãos” da igreja.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-zxNH96xn6ug/UybjPTnMB1I/AAAAAAAADAU/Yu4r3iXNQsw/s1600/palavra-poder.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="133" src="http://3.bp.blogspot.com/-zxNH96xn6ug/UybjPTnMB1I/AAAAAAAADAU/Yu4r3iXNQsw/s1600/palavra-poder.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"quando buscou a 'palavra' na <br />
igreja, para seu consolo..."</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Elisabeth não entendia por que, quando buscou a “palavra” na igreja, para seu consolo, foi anunciado que Deus mandaria a morte, que estava rondando sua família, embora. No entanto, a morte levou sua mãe. Respondi que uma possível ronda da morte não parecia significar a ocorrência de apenas uma morte, mas teria um objetivo mais amplo, com a mira em outras pessoas também. Que talvez Deus interviesse após certo tempo decorrido dessa “ronda”. Contudo, parece que essa resposta não a satisfez. </div>
<div style="text-align: justify;">
Então Elisabeth sonhou, após o sepultamento de sua mãe, em 26 de março, que </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Chego no hospital pra ver o tio [Jonas]. Falo para ele que tudo estava bem, mas ele diz: “Sua mãe se foi, né, filha?”. Pergunto a ele quem havia contado. Ele responde: "Foi sua mãe. Ela veio aqui e eu pedi pra ela me levar com ela, porque o lugar que ela está é muito bonito." Então eu digo: "Nossa, tio! Não fala assim, porque eu já estou sofrendo tanto... Se o senhor for eu vou sofrer mais ainda.” Ele replica que quer que ela o leve porque o lugar em que ela está é muito bonito. Em outra cena eu olho e vejo a mãe quase aos pés da cama, segurando a mão dele. Quando vou olhar diretamente para ela, eu acordo. Tudo parecia muito real.</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Em 28 de março meu pai foi internado em um centro médico em Curitiba, para onde me dirigi no dia seguinte. Lá ele se encontrava entubado e não foi possível conversar com ele, pois estava inconsciente. No dia seguinte, desperto, sua pressão sistólica, à minha aproximação, subiu de 13 para 17. A médica recomendou e eu falei bastante com ele, que não podia responder devido aos tubos inseridos na boca e no nariz. No domingo fiz a última visita, me despedi comovido, sabendo que esse poderia ser o último momento em que o encontraria vivo, e fui embora no dia seguinte, em 1º de abril.</div>
<div style="text-align: justify;">
No segundo dia de abril cheguei em casa e viajei à cidade dos meus sogros no dia seguinte. Lá ouvi a notícia de que Jonas acabou morrendo de complicações nos pulmões. A essa altura, o sentimento de todos era de apreensão, afinal, uma sequência de mortes assim nunca foi vivenciada por qualquer um de nós, e é muito rara de ocorrer, mesmo na população em geral. Eu, particularmente, estava deixando de sentir a tristeza decorrente do luto, principalmente pela perda de D. Fia, de quem gostava muito, para sentir certa preocupação que se insinuava através dos acontecimentos. Eu preocupava-me com a sequência anunciada por meu cunhado, antes de falecer, com os sonhos premonitórios de minha cunhada, e com a descrição do hexagrama tirado do <i>I Ching</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Após mais um velório, saímos da cidade em 7 de abril, no domingo. Minha perspectiva era voltar a trabalhar no dia seguinte, após duas semanas ausente. Chegamos em casa às 15:30 h. Quinze minutos depois o telefone tocou e atendi meu sobrinho que mora em Curitiba, chorando. Já previ o pior e ele rapidamente confirmou: “O vô Eliodoro morreu”. Perdi o chão. Todos ficamos consternados. O que mais faltava acontecer? Mas não tive tempo para prestar atenção aos meus sentimentos. Tinha que tomar providências rapidamente no sentido de conseguir passagens, pois o ônibus sairia às 19:15 h. Mas antes tive que informar pessoalmente minha mãe e meu irmão. Foi tudo muito corrido, muito penoso. Só pude pensar com mais calma e atentar a meus sentimentos na longa viagem que fiz.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-oplg6fqjI5g/Uybhh8EnKnI/AAAAAAAADAI/JekqU1LVi2E/s1600/HamletSkullHCSealous.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="194" src="http://2.bp.blogspot.com/-oplg6fqjI5g/Uybhh8EnKnI/AAAAAAAADAI/JekqU1LVi2E/s1600/HamletSkullHCSealous.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Toda transformação envolve nasci-<br />
mento, renascimento, e também morte, <br />
no plano interior e, reciproca <br />
e simbolicamente, no exterior."</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Que bom que pude me despedir de meu pai! As lembranças, os sofrimentos, os momentos felizes, tudo o que ele fez, sentiu, pensou, falou e silenciou, principalmente, estavam ali, imóveis, representados pelo seu corpo, que aguardava se transformar em pó. Meu meio-irmão o velou também. Ele deixara seu filho cuidando de sua mãe em casa, pois há algum tempo ela adentrara no estágio terminal da Alzheimer. Após o enterro fui tomar um lanche com minha irmã. Mais tarde ficamos sabendo que o estado da mãe do meu irmão agravara. Sua protuberante barriga se devia a uma hemorragia interna que iniciara há semanas. Fomos à sua casa para saber que meu irmão perdera também a mãe, no mesmo dia do enterro do pai! Fiquei alarmado, impressionado e preocupado. Que sequência tenebrosa! Tudo bem que a mãe do meu irmão não tenha nenhuma ligação comigo. Entretanto, ela o tinha com meu pai. Eles se separaram, moraram e viveram em cidades diferentes, e agora se encontrariam na mesma sepultura: meu pai na prateleira inferior à que depositaram seu caixão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Três meses após toda essa tragédia em nossas vidas, fomos à igreja. A “palavra” tratou sobre a conversão de Paulo na estrada para Damasco. Na exaltação, o pregador disse que alguém ali recebera o dom da profecia. O clima da igreja, para mim e para outros, era de total comunhão espiritual. Ao final do culto, minha filha saiu chorando muito e precisamos aguardar que se acalmasse para que nos relatasse o ocorrido. “Eu pedia em todas as orações para que Deus abraçasse os dois [a avó e o tio] por mim e dissesse que estou com saudades.” Então, durante o culto, ela teve uma visão de um lugar todo branco onde se encontrava sua avó com um traje que usara em vida. Disse a ela que estava com muita saudade, ao que ela respondeu que também estava sentindo muita falta de todo mundo. Hera perguntou, então, onde se encontrava seu tio. A avó então olhou para sua esquerda, a neta a acompanhou e se deparou com seu tio caminhando em sua direção, de terno preto. A visão se dissipou, assim como grande parte da saudade da minha filha.</div>
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Depois de um tempo eu refleti com Maria Tereza sobre o significado que a morte de sua mãe poderia ter para sua vida. Ora, ela não foi amamentada no peito pela mãe, que afirmou que a filha rejeitou seu peito. O relacionamento mãe-filha também não foi dos melhores mais tarde. Estranhamente, minha mulher não conseguiu amamentar nossos dois primeiros filhos no peito, que “secou” quando tinham quase três meses de idade. Mas o nosso bebê, até esta data, quando conta com um ano e três meses de idade, ainda mama na mãe. É preciso deixar claro que ela passou por processo terapêutico tão transformador que até mesmo sua resistência em continuar os estudos secundários foi vencido e iniciou uma faculdade. Nesse processo ela também trabalhou muito sua relação com a mãe e com os filhos. Será que o nascimento do nosso bebê significaria, para ela, a nova mãe que se tornou, deixando de expressar aquela maneira mais limitada de ser mãe, o que se manifestou como a morte de minha sogra? Não sei, mas suspeito que a corrente do rio da vida flui nessa direção.</div>
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Eu não sei o que mais comentar acerca disso tudo. Sei apenas que tudo foi muito difícil e inusitado. Alguém pode dizer que tudo o que ocorreu foi mera coincidência, mas não é o que sente quem está imerso nos acontecimentos. Este sofre a emoção e os sentimentos desencadeados pelos fatos. O cérebro pode até afirmar que a chance de sua ocorrência é de uma em um milhão ou um trilhão, mas que, mesmo assim, ainda é totalmente provável. Mas o coração diz, com Shakespeare, que há mais coisas entre o céu e a terra do que concebe nossa vã filosofia... Por que não dar crédito também aos sentimentos? Acaso eles mentem? Levam-nos para longe da realidade? Ou eles apontam para outras perspectivas, que o intelecto pode também acompanhar? “Não sou máquina, sou homem!”, afirmo com Chaplin. Por isso tenho cérebro, mas também coração.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<i> O princípio da sincronicidade e seus vários fenômenos já foram abordados no texto “</i><a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2011/04/o-sentido-das-admiraveis-coincidencias_04.html" style="font-style: italic;" target="_blank">O sentido das admiráveis coincidências</a><i>”, deste </i>blog<i>. Percebe-se uma conexão de sentido permeando todos os fatos descritos. Esses fatos não são passíveis de reprodução em laboratório. Porém, sua constatação é suficiente para instigar uma investigação científica. A despeito de a predição despretensiosa de José Antônio ter se confirmado apenas em parte, o número dos que morreram, e o fato de ter ocorrido duas sequências de mortes, ambas relacionadas diretamente a Rodrigo e a Maria Tereza, impressiona. O sonho de Elisabeth, de que levara cinco tiros no peito, também é digno de espanto. </i></div>
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<i> Pode ser que o sonho tenha sido preciso, e que os cinco tiros significassem o sentimento de ansiedade, de preocupação, de medo e de angústia que permeou a todos os que estiveram diretamente envolvidos, que tiveram parentes mortos. “Foi como se eu levasse um tiro no peito”, é uma expressão popular usada para denotar tristeza, decepção ou ocorrência negativa inesperada. Esse é um significado possível, mas que não se harmoniza com a possível predição de José Antônio. Para que isso ocorresse, seria preciso se imaginar, por exemplo, que, com as três primeiras mortes, e com o desespero dos parentes, expresso em suas orações, a morte “prevista” dos outros dois irmãos tenha sido “desviada” para o casal de idosos. Talvez a “morte”, retratada em vários contos como uma pessoa, um anjo ou um demônio, tenha se compadecido ou recebido outra ordem, mas tendo ainda que levar mais duas vidas, optou pelo casal de velhos, ligados à família de Rodrigo e Maria Tereza. A literatura com estórias como essa é abundante e popular. Mas o fato de existirem aponta para reflexões que mitologizam, como ocorreu com a personificação da morte sugerida. Portanto, os contos, mitos, fábulas e lendas devem ter o mesmo valor que a narração de um fato real pois, além de retratarem fenômenos existentes, mas geralmente negados pela ciência, também referem a vivências interiores que fazem parte do humano.</i></div>
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<i> A brincadeira do filho de Maria Tereza um dia antes do fatídico dia do seu aniversário naquele ano também provoca questionamentos. De fato, o dia do aniversário de sua mãe ficou marcado para sempre como o dia do início dos eventos descritos. O filho queria apenas brincar com a mãe, mas revelou uma previsão precisa e trágica, constatada um tempo depois. Encarada isoladamente, essa previsão poderia perder grande parte do seu valor. Mas, conectada com os outros eventos similares, não deixa margem de dúvida ao seu enquadre como sincronicidade.</i></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-bVHlWmwZqnI/Uybe20UDa1I/AAAAAAAAC_s/oBO3CZRkjmo/s1600/sincronicidade4.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-bVHlWmwZqnI/Uybe20UDa1I/AAAAAAAAC_s/oBO3CZRkjmo/s1600/sincronicidade4.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"devemos ficar abertos a fatos ainda <br />
sem explicação, sem ceder à tentação <br />
de negá-los só porque não os <br />
conseguimos explicar."</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<i> O sonho de Elisabeth, que prevê a morte de Jonas, e o encontro visionário de Hera com sua avó e tio apontam para a existência de vida após a morte. Podem ser entendidos como a resposta psíquica a uma grande necessidade humana de negar a destruição definitiva da essência do ser humano, a qual os religiosos chamam de alma. Porém, sei por experiência que normalmente os sonhos não agem no sentido de negar a realidade, mas de escancará-la, de expressar a relação entre o sonhador e os eventos de sua vida. Assim, se o sonhador tivesse algum medo inconsciente da morte, o sonho o expressaria de alguma maneira. O trabalho com os sonhos, assim como vários livros que o explicam, com fartos exemplos, demonstram essa verdade. Esses mesmos livros indicam que sonhos com mortos normalmente são muito difíceis de interpretar e que acabam por significar exatamente a trama que expressam. Não é o caso aqui de se adotar certas crenças com base nesses fatos, mas é imperioso relatar a verdade sobre eles, os quais indicam que devemos ficar abertos a fatos ainda sem explicação, sem ceder à tentação de negá-los só porque não os conseguimos explicar.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Pode-se perceber que parte dos acontecimentos descritos têm seu sentido mais claro para Rodrigo, para sua própria vida. Não que os fatos estivessem egocentricamente ligados a ele, mas que uma teia de fatores convergiu para um esclarecimento do significado dos fatos para ele. Parece que, de alguma forma, o sentido desses acontecimentos para aqueles que se separaram de seus entes queridos estava ligado ao seu significado particular para aqueles que morreram. É como se, de forma muito estranha, esses acontecimentos ilustrassem que a vida tem a propriedade de servir ao indivíduo, assim como a um grupo de indivíduos e também à coletividade humana como um todo. É como se interior e exterior estivessem intrinsecamente ligados, e que a separação, no final das contas, é totalmente ilusória, pois a vida ocorre nesses dois planos, e, quem quiser abraçá-la totalmente, terá que aceitá-la interna e externamente.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-qdpiL6t19Pc/UyeY9EF38wI/AAAAAAAADAo/CPFq7GVbg6Y/s1600/morte+e+renascimento.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="176" src="http://3.bp.blogspot.com/-qdpiL6t19Pc/UyeY9EF38wI/AAAAAAAADAo/CPFq7GVbg6Y/s1600/morte+e+renascimento.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A iniciação envolve ritos de<br />
nascimento, morte e renascimento.</td></tr>
</tbody></table>
<i> Estranhas também são as mudanças positivas, embora algumas também difíceis, na vida de Rodrigo e Maria Tereza no ano de 2012. Pode-se dizer que 2012 foi um ano de mudanças em que o sentido de nascimento ou renascimento foi mais marcante, assim como 2013 o foi também, mas no sentido da morte. Não vou aqui analisar todos os fatos, para não estender ainda mais o texto. Mas o sentimento é o de que há um padrão por trás, um significado que escapa, mas que insiste em se expressar nos fatos. É como se o casal tivesse passado por uma verdadeira iniciação. Não uma cerimônia elaborada conscientemente, é claro, mas uma sequência de atos que marcou suas personalidades. Em que a vida os estaria iniciando? Talvez em outra etapa de sua individuação. E se assim for, percebe-se que a individuação só pode ser um processo muito complicado e intenso para compreendermos, que coincide com o próprio sentido da vida.</i><br />
<br />
<div style="text-align: center;">
(Leia mais a respeito: "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2014/12/extincao-ou-renovacao-de-valores.html" target="_blank">Extinção ou renovação de valores?</a>", "<a href="http://pontodevistapsicologico.blogspot.com.br/2015/08/a-previsao-de-fatos-com-base-em.html" target="_blank">A previsão de fatos, contextos e ideias irracionais</a>")<i> </i></div>
</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-83487095995214442942014-03-04T16:36:00.000-03:002019-10-28T11:11:40.758-03:00A origem e a natureza do Eu<div style="text-align: justify;">
A base do Eu é uma questão fascinante a todos os que estudam psicologia. Como o ser humano chega a desenvolver seu ego, aquele elemento essencial de sua psique, portador da vontade e por meio do qual ele dirige sua vida e gerencia sua personalidade consciente? Como o Eu surge a partir do aparente “nada” psíquico? Essas são questões que intrigam aqueles que estudam o aparelho psíquico, e podem contribuir muito para a psicoterapia, uma vez que muitas doenças derivam da debilidade do Eu. A compreensão da origem do Eu pode explicar também por que um ego é menos estruturado do que o outro, e como criar situações para fortalecê-lo. O objetivo deste texto é tentar esclarecer esse ponto, fazendo uma pequena revisão de obras da psicologia analítica.</div>
<div style="text-align: justify;">
A estrutura psíquica pode ser comparada a um grande conjunto de esferas de diferentes tamanhos. Estas esferas seriam o agrupamento de pensamentos, lembranças, imagens e diversas outras impressões atraídas mutuamente e para seu núcleo pelo grau de força das emoções correspondentes. Todas essas esferas se encontram em um meio escuro e indefinido, e o constituem ao mesmo tempo, de modo a deixar suas superfícies vagas e indefinidas. Esse estado das esferas chama-se “inconsciente”. O núcleo dessas esferas atrai seus elementos de acordo com o seu tema específico: a mãe, o pai, a criança, o herói, etc. Entretanto, todas as esferas, por sua vez, seriam atraídas para um núcleo maior e formariam uma esfera maior em seu conjunto. O tema desse centro abrange todos os outros temas, pois todos eles formam uma referência, enquanto centros menores, ao centro do conjunto de esferas, que tem maior poder de atração e regulação de toda a estrutura psíquica. É um “princípio estruturador ou organizador que unifica os vários conteúdos arquetípicos. Esse princípio é o arquétipo central ou arquétipo da unidade, ao qual Jung denominou Si-mesmo” (EDINGER, 1992, p. 21). Esse centro magno virtual constitui o maior e mais abrangente arquétipo (como são designados todos os centros esféricos). Como centro magno, esse arquétipo abarca também a superfície total, pois acaba sendo autorreferente. O entorno das esferas forma um entrelaçado de fatores chamado complexo.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-PiFC82RIThQ/UxYTZh5t7pI/AAAAAAAAC8A/CV-oKuUun9E/s1600/ESQUEMA+PSIQUICO.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="264" src="https://3.bp.blogspot.com/-PiFC82RIThQ/UxYTZh5t7pI/AAAAAAAAC8A/CV-oKuUun9E/s1600/ESQUEMA+PSIQUICO.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Esquema psíquico em forma aproximada ao do texto</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Ocorre que certos temas fazem referência à identidade e a características pessoais do sistema psíquico, e são atraídos principalmente pela força de gravidade do corpo físico individual. Pode-se dizer que esses conteúdos são como pequenas esferas que, como bolhas de sabão, com o tempo se juntam e formam uma bola maior, que mais tarde será chamada de “Eu”. Pode-se afirmar que, quanto mais próximas à esfera egoica, mais definidas se tornam as outras esferas, que se tornam suscetíveis de serem conhecidas pelo Eu e, a partir disso, serem também manipuladas por ele, se transformando e se redefinindo. O Eu ou ego é a sede da identidade <i>subjetiva</i>, e o Si-mesmo, da identidade <i>objetiva</i>. Este constitui a autoridade, psicologicamente, à imagem de Deus. A relação entre o Eu e o Si-mesmo é altamente problemática e correspondente, de maneira bem aproximada, à relação entre o homem e seu Criador, tal como é relatada nos mitos. Na verdade, o mito pode ser definido como expressão simbólica da relação entre o ego e o Si-mesmo (EDINGER, 1992, p. 22-23).</div>
<div style="text-align: justify;">
A superfície da grande esfera psíquica, nas áreas mais próximas à formação da esfera do “Eu”, acaba desenvolvendo uma certa consistência, ou tensão superficial, à medida que a criança se desenvolve, que consiste na troca de impressões, na adaptação e na proteção do sistema psíquico em relação ao meio externo. Essa estrutura se chama <i>persona</i>. Já o restante do conjunto de esferas, que formam o inconsciente, permanece em uma situação de indefinição em relação ao mundo externo, o que expressa o resquício de identidade arcaica do sujeito, via inconsciente, com o mundo externo, que todos portam, e que pode se tornar explícito em várias situações adversas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
O SURGIMENTO DO COMPLEXO DO EGO<br />
<br />
À medida que o bebê interage com o meio circundante, ele vai memorizando as diversas imagens obtidas do mundo exterior. Apesar do nome “imagem” se referir às impressões obtidas a partir dos olhos, aqui o termo é usado de forma mais ampla, no sentido de representação (JUNG, 1991a, §608). Muitas dessas imagens são percebidas de novo e de novo, formando uma rotina de impressões apreendidas pela memória. Muitas necessidades do bebê começam então a se vincular a essas imagens internalizadas que se referem às respectivas pessoas e objetos do mundo exterior. Internamente, aos poucos, elas vão se agrupando ao redor dos diversos temas, ou arquétipos, formando complexos, que serão maiores ou menores, ganhando mais ou menos energia, na medida em que vinculam emoções fracas ou intensas, impressões mais ou menos veementes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Existe um complexo, em particular, que é formado a partir das impressões relativas ao próprio indivíduo que percebe. Esse complexo reúne elementos relacionados à identidade do indivíduo, que integrarão a sua personalidade consciente, tais como nome, endereço, quem são os pais, grau de estudo, o próprio comportamento e habilidades, etc. Ele é chamado de “complexo do ego”.<br />
O Eu é um fator composto de variados elementos, representações provindas das funções sensoriais que transmitem estímulos de dentro e de fora, além de imagens de processos anteriores. Esses componentes necessitam de um fator dotado de forte poder de coesão, o que é encontrado na consciência. Por isso esta é essencial ao Eu. Porém, sem o Eu não se pode pensar em consciência. Essa contradição se explica ao se considerar o Eu como o reflexo de muitos e variados processos e suas interações, os quais compõem a consciência do Eu (JUNG, 1991a, §611). </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Assim que um conteúdo ingressa no campo da consciência, cai numa rede de associações. Se eu sei alguma coisa, então ela está associada ao complexo do Eu, e por meio deste está conectada a todos os outros conteúdos conscientes momentâneos da minha consciência. Portanto, se desejamos imaginar a consciência dentro de um esquema, podemos dizer que é um campo de percepção consciente em que o complexo do Eu age como centro regulador. (VON FRANZ, 1992b, p. 60-61)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Parece que a consciência do Eu é uma síntese de várias “consciências sensoriais”, na qual a autonomia de cada consciência individual fundiu-se na unidade do eu dominante. Essa diversidade forma uma unidade devido à sua relação com a consciência atuar como uma espécie de força gravitacional que atrai as várias partes em direção ao centro virtual. Daí ser nomeado de “complexo do Eu” (ou do ego). Esse complexo do Eu tem uma composição flutuante e, por isso, passível de mudanças, as quais podem se expressar na psicopatologia ou nos sonhos (JUNG, 1991a, §611).</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-gHFB3DU1mWo/UxYVGNwB8DI/AAAAAAAAC8Y/kyeCn2V--UQ/s1600/origem_do_ego.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="165" src="https://3.bp.blogspot.com/-gHFB3DU1mWo/UxYVGNwB8DI/AAAAAAAAC8Y/kyeCn2V--UQ/s1600/origem_do_ego.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Surgimento do ego</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
O complexo do ego parece advir da percepção inicial e simples dos sentidos da criança, a qual acaba se diferenciando e adquirindo sutilidades. Uma dessas consiste na discriminação entre meio interno e meio externo. Devido, sobretudo, à resistência do mundo exterior às demandas do bebê (seus movimentos, suas necessidades, etc.), este aprende a notar que tudo o que se encontra aquém do limite do seu corpo é distinto do que se encontra além, pois o desejo de se movimentar vem de si mesmo. Essas distinções ocorrem por conta das colisões e conflitos com o meio externo (convenções sociais e educação), assim como com os próprios impulsos, a própria natureza e moralidade. A criança aprende que não deve tocar ou pegar em algo, apesar de ter um tremendo desejo de fazê-lo. Instala-se o conflito interior. </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quer o chocolate e é proibido pegá-lo; assim, o desejo de pegá-lo colide com a força inibidora da consciência. Dá-se toda uma cadeia subsequente de colisões com o mundo interno, com desejos, impulsos, afetos, etc., que batem como ondas contra a terra firme do Eu e são sempre repelidos. Isso é tudo que podemos dizer, dentro de uma certa plausibilidade, a respeito da formação do Eu. Através dessas colisões, lentamente, um complexo que é mais forte que outro se constitui e forma aquilo que chamamos de Eu. (VON FRANZ, 2003, p. 162)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Por esse motivo a criança primeiro fala de si mesma na terceira pessoa, continua a autora, dizendo o próprio nome ao invés de dizer “eu”. De início, essa criança só se vê refletida no que as pessoas falam a seu respeito. Só depois é que a sensação do “mim”, do “eu” e do “sou eu” começa vagarosamente a se construir, e ela finalmente se identifica com tudo aquilo que constitui sua própria pessoa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-e6eMgnXYKQs/UxYV5e48GhI/AAAAAAAAC8o/CfGdPTZUq5I/s1600/origem_do_ego2.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="175" src="https://3.bp.blogspot.com/-e6eMgnXYKQs/UxYV5e48GhI/AAAAAAAAC8o/CfGdPTZUq5I/s1600/origem_do_ego2.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A identificação com o objeto contribui<br />
para o não surgimento do ego</td></tr>
</tbody></table>
A percepção em si é auto e extra-referente: existe alguém que percebe e algo que é percebido. Por extensão, aquele que percebe é interno, em oposição ao externo. Na medida em que essa percepção também se dirige ao mundo interno, ela se identifica com seus aspectos internos que têm a ver, principalmente, com a identidade do indivíduo (o complexo do ego), pois estes fazem parte do sistema psíquico que percebe. Qualquer fator psíquico só assume, por princípio, “a qualidade de consciência quando entra em relação com o eu. Se não há essa relação, o fator permanece inconsciente. […] A consciência, portanto, pode ser muito bem entendida como um estado de associação com o eu” (JUNG, 1991a, §610).</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O inconsciente, tal como o conhecemos e como nos aparece hoje, tornou-se perceptível somente através da diferenciação do consciente. Nos primitivos o interior, de maneira muito mais acentuada, é também o exterior e vice-versa. Este “estar mergulhado numa corrente de acontecimentos, na qual interior e exterior mal se distinguem” é, contudo, também para nós um estado normal psiquicamente duradouro, por vezes interrompido pela consciência reflexiva e por uma certa continuidade do Eu. (VON FRANZ, 1992b, p. 14)</blockquote>
<div style="text-align: right;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
O EIXO EGO–SI-MESMO<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/--chIKZvnHNM/Uxy9cQA13AI/AAAAAAAAC94/PV9WYsr-Noo/s1600/EGO+E+ARQUETIPO2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="233" src="https://3.bp.blogspot.com/--chIKZvnHNM/Uxy9cQA13AI/AAAAAAAAC94/PV9WYsr-Noo/s1600/EGO+E+ARQUETIPO2.jpg" width="640" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
Entretanto, de acordo com Edinger (1992, p. 24) também internamente ocorre uma distinção que acompanha a diferenciação do sujeito da realidade externa: a separação progressiva entre o ego e o Si-mesmo. Na verdade, o autor descreve um desenvolvimento egoico que ocorre ao longo de progressivos ciclos de separação e união entre esses centros, respectivamente, subjetivo e objetivo da psique, o que é representado no diagrama acima, com algumas modificações em relação ao original. O ego deixa sua primitiva identificação com o Si-mesmo, chamada de inflação, para construir um eixo de ligação constante, e não de fusão, com o Si-mesmo, chamado eixo ego–Si-mesmo, representado pela linha que os une no diagrama. O eixo ego–Si-mesmo é um vínculo vital, o qual assegura a integridade do ego. As áreas sombreadas do ego indicam a identidade residual ego–Si-mesmo. Deve-se resguardar aqui a compreensão de que o Si-mesmo, como totalidade da psique, engloba o ego, pois é o centro e ao mesmo tempo a circunferência da psique, e que o diagrama é limitado enquanto recurso racional necessário.<br />
No estado original o ego e o Si-mesmo são um só, isto é, o ego não existe, exceto enquanto potencialidade. Aqui existe um estado de identidade básica total entre o ego e o Si-mesmo. No estágio do ego emergente, este começa a separar-se do Si-mesmo, mas tem seu centro e uma área maior ainda em identidade arcaica. Na fase denominada “individuação”, termo que, na verdade, representa todo o processo amplo de desenvolvimento do indivíduo, ainda existe uma identidade ego–Si-mesmo residual. Porém, aqui o eixo ego–Si-mesmo tornou-se agora parcialmente consciente, o que nos dois estágios anteriores não ocorria, e que antes se confundia com a identidade das duas figuras. O estado ideal representa um limite teórico, que provavelmente não existe em uma situação real. Constitui o estado de total separação entre o ego e o Si-mesmo, assim como uma completa consciência do eixo que os une.<br />
O diagrama ilustra a tese de que<br />
<blockquote class="tr_bq">
o desenvolvimento psicológico se caracteriza pela existência de dois processos simultâneos: de um lado, a progressiva separação entre o ego e o Si-mesmo; de outro, o aparecimento cada vez mais claro, na consciência, do eixo ego–Si-mesmo. […] Conforme vai se repetindo, no decorrer do desenvolvimento psíquico, esse processo dá origem a uma progressiva diferenciação entre o ego e o Si-mesmo. (EDINGER, 1992, p. 26)</blockquote>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-0XgS33rhNCo/UxxmmYsza7I/AAAAAAAAC9c/SZpwjpYOSvU/s1600/CICLO+DA+VIDA+PSIQUICA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="537" src="https://1.bp.blogspot.com/-0XgS33rhNCo/UxxmmYsza7I/AAAAAAAAC9c/SZpwjpYOSvU/s1600/CICLO+DA+VIDA+PSIQUICA.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div align="center" class="western" style="margin-left: 0.64cm; margin-top: 0.21cm; orphans: 0; widows: 0;">
<span style="font-size: 10pt;">Ciclo da vida psíquica,
baseado em Edinger (1992, p. 71)</span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
Nas duas fases iniciais, continua o autor, o ciclo se configura como uma experiência de alternância entre dois estágios de ser: a inflação e a alienação (separação). Depois, quando o eixo ego–Si-mesmo alcança a consciência, no estágio da individuação, ocorre uma relação dialética entre o ego e o Si-mesmo.<br />
É preciso alertar que esse processo de desenvolvimento interior do ego descrito atrás é acompanhado pela projeção do Si-mesmo na realidade externa, e que a interação com esta reforça o processo tanto ao nível externo quanto interno. Assim, em um primeiro momento, o Si-mesmo é projetado sobre a figura materna, depois sobre o pai e, adiante, em diversas figuras, até englobar a sociedade como um todo. Mais tarde, essas projeções são progressiva e parcialmente recolhidas, e o mundo externo tende a ser percebido como símbolo do mundo interior.<br />
Continuando a linha de pensamento do desenvolvimento do ego a partir da diferenciação do mundo interior/exterior, enquanto o sujeito é tão somente aceito, ele não percebe nenhuma diferença entre si e o meio externo, já que existe aí uma continuidade entre aquele que deseja e aquele que satisfaz o desejo, entre o solicitante e o objeto solicitado. A negação desse objeto é que separa essa continuidade entre o eu que quer, mas cuja satisfação é negada, e aquele que nega essa satisfação. Ocorre a consciência, então, do eu e do outro que nega, do eu e do objeto inalcançável, desejável. O sujeito percebe que, apesar de continuar mirando o que é desejado, não pode se satisfazer devido à negação. Isso forma uma tensão polar tipo sujeito/objeto desejado. Aquele pode tentar alcançar o objeto de várias outras formas, inclusive sem a presença de quem o negou. Então o sujeito percebe as consequências do seu feito, que pode ser uma punição – da cara feia até um tapinha, ou mesmo nenhuma reação daquele que se interpôs. Nesse ínterim, e com base também nas expressões das pessoas que nem sempre demonstram ser o que são, o pequeno sujeito elabora uma espécie de “película” psíquica ao redor da sua psique consciente que forma diferentes expressões, na maioria das vezes incongruentes com a totalidade do seu ser. Essa “película” é a <i>persona</i>, que tem o papel também de “filtrar” as impressões recebidas, de forma que se adaptem ao sujeito, mas que acaba filtrando também sua personalidade genuína em relação ao mundo exterior, para que este não acabe negando continuamente o que deseja. A <i>persona</i> forma como que uma película em volta do complexo do ego e faz parte dele, delimitando-o ao constituir um papel.</div>
<div style="text-align: justify;">
A observação do sonho de crianças entre os quatro e doze anos revela figuras que retratam o futuro Eu como imagens projetadas fora de si, tais como um irmão mais velho ou um líder de um grupo, isto é, figuras que ela admira e diz querer ser mais tarde. Pode-se chamar essas figuras de modelos de Eu ou, pelo menos, modelos do próximo estágio de desenvolvimento do Eu. Por exemplo, quando a criança quer fazer com que algo aconteça, isso é sinal de que seu “eu” incipiente começa a comandar processos psíquicos, até então automáticos. Porque essa é uma ideia típica de Eu: agora é a criança que diz o que ocorrerá e não mais o pai ou outras pessoas com autoridade. Entretanto, observa-se que as figuras oníricas citadas possuem poderes mágicos, ou são brilhantes, ou algo do gênero, o que mostra que elas não são apenas as figuras conhecidas da criança, mas também o Si-mesmo. Isso porque as qualidades sobrenaturais ou divinas apontam para o Si-mesmo, assim como as qualidades vivenciadas no cotidiano referem ao ego. Por isso, na psicologia analítica se diz que o principal impulso que constrói o Eu é aquele centro que, na vida adulta, é chamado de Si-mesmo (VON FRANZ, 2003, p. 162-163).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DO EU<br />
<br />
Segundo Jung (1991a, §755-764), o desenvolvimento do Eu se constitui em três estágios, que aqui serão tratados como cinco: a percepção da conexão entre dois ou mais conteúdos psíquicos, a percepção de uma série de conteúdos que pertencem ao sujeito, o sentimento de subjetividade, o nascimento psíquico e, finalmente, o estabelecimento do Eu, com a juventude. No primeiro, a consciência ainda está inteiramente ligada à percepção de algumas ligações. Por isso é esporádica e não mais lembrada posteriormente. O que existe aqui são “ilhas de consciência”, que são como luzes isoladas ou objetos iluminados dentro da escuridão do inconsciente. Essa é uma situação totalmente caótica ou anárquica. Nesses primeiros anos, “a criança ainda está muito ligada ao estágio pré-natal, à vida do Bardo. É como se ainda não tivesse nascido verdadeiramente no mundo real; em compensação encontra-se muito mais próxima das ideias primordiais do que a pessoa adulta e adaptada à realidade. O inconsciente pode irromper, trazendo imagens ou símbolos que estão muito além da possibilidade de compreensão da consciência infantil […]. Essa irrupções do inconsciente, porém, representam, em função da grande impressionabilidade da criança, sempre um sério perigo de cisão e desintegração, pois a imagem arquetípica prende a criança de tal modo que nenhuma outra realidade consegue coexistir” (JUNG, 2011, p. 289).</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-otyqJ5YWius/UxYq00PMgeI/AAAAAAAAC9M/wzGJp85MGcQ/s1600/ilhas_cagarras1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="234" src="https://3.bp.blogspot.com/-otyqJ5YWius/UxYq00PMgeI/AAAAAAAAC9M/wzGJp85MGcQ/s1600/ilhas_cagarras1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Conteúdos iniciais da consciência como "ilhas"</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Então, essas “ilhas de consciência” passam a constituir uma nova série muito importante de conteúdos que pertencem ao próprio sujeito que percebe. De início, essa nova série é apenas percebida, como as séries originais de conteúdos e, por isso, a criança, ao falar de si mesma, o faz na terceira pessoa. Nesse estágio, a criança ainda pode se identificar alternadamente com diversas figuras ou “ilhas de consciência”, pois ainda impera a descontinuidade da consciência. Somente com o tempo “pontes terrestres” emergem na criança, ligações duradouras se estabelecem e desenvolve-se uma consciência, e consequentemente um ego, mais coerente (JUNG, 2011, p. 96).</div>
<div style="text-align: justify;">
Mais tarde, essa série de conteúdos do Eu, ou complexo do ego, adquire energia própria, provavelmente como resultado de exercícios, o que resulta no sentimento de subjetividade ou egoicidade. Este é o momento em que, provavelmente, a criança começa a falar de si na primeira pessoa, e que instala-se a continuidade da memória, configuradas como continuidade das reminiscências do Eu. Essas duas fases são consideradas monárquicas ou monistas. Existe aí uma resistência às forças internas e externas que impelem o sujeito ao envolvimento no mundo. Algo nele quer permanecer inconsciente, como criança, ou consciente apenas do seu ego. Quer rejeitar tudo o que é estranho ou sujeitá-lo à sua própria vontade, assim como não fazer nada, ou, no máximo, satisfazer sua ânsia de prazer ou de domínio. Nesse estágio é que se inicia o estado de ego emergente de Edinger (1992), no qual também se encontram muitos adultos com problemas de estruturação do Eu.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesses três estágios infantis da consciência, não existem problemas devido ao indivíduo ser basicamente governado pelos instintos e nada depender dele, mas de seus pais. É como se a criança ainda não tivesse nascido inteiramente, uma vez que se acha mergulhada na atmosfera psíquica dos pais, que decidem tudo por ela. O confronto das limitações externas com os impulsos subjetivos não chega a provocar uma cisão interior, pois este se submete ou as evita, em total harmonia consigo mesmo. Com a puberdade e suas manifestações corporais, a percepção do Eu é de tal forma acentuada que este com frequência se impõe desmedidamente. Ocorre então, com a irrupção da sexualidade, sua diferenciação consciente em relação aos pais, pois até essa ocasião estava somente familiarizada com os instintos infantis, relativamente ordenados graças à educação e à formação escolar.<br />
Devido ao choque com a sexualidade, a posição estável adquirida pelo Eu é abalada, por vezes de forma catastrófica. Essa é a idade onde eventualmente podem ocorrer transtornos mentais, uma vez que algo totalmente novo irrompe e atinge o Eu, que ainda não estava preparado para tal (JUNG 2011, p. 218). É quando um impulso subjetivo se contrapõe a outro, isto é, quando, ao lado dos conteúdos habituais do Eu, surge uma nova série de igual intensidade. Esta tem um significado funcional igual à do complexo do Eu, merecendo o nome de “segundo Eu”, diferente do anterior e que, em dadas circunstâncias, pode até mesmo tomar o comando das mãos do primeiro Eu. Então instala-se a divisão interior, um estado muito problemático. Por isso a adolescência é uma fase considerada por muitos de “anos difíceis”. Pode-se chamar esse estágio de dualista, pois então o indivíduo sente necessidade de reconhecer e aceitar o que é diferente e estranho como parte sua e como uma espécie de ego. Aqui o Eu emergente, fase proposta por Edinger (1992), eclode inteiramente. Esse “segundo Eu” pode ser entendido como o Si-mesmo, o qual é percebido como uma figura estranha e sombria, uma vez que já não se encontra totalmente assimilado ao ego, mais consciente, mais “iluminado”. Então, o dinamismo de alternância entre a inflação e a alienação já se estabeleceu e tende a continuar pela vida do jovem adulto, embora com o reforço social, que enfatiza a necessidade do estabelecimento do indivíduo no mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Sobrevém o período da juventude, que para Jung (1991a, §769-771) inicia-se aproximadamente nos anos que imediatamente seguem a puberdade e vai até o meio da vida (35 a 40 anos). O estado problemático da adolescência é deixado para trás, pois os ideais de eficiência, utilidade, etc., guiarão o indivíduo na ampliação e na consolidação da existência física, fixando suas raízes no mundo. Para o autor, o significado e a finalidade de um problema não está na sua solução, mas no fato de se trabalhar constantemente sobre ele, o que evita a estupidificação e a petrificação. Assim, o jovem agora procura conquistar um lugar na sociedade e modificar a própria natureza original de modo a se adaptar mais ou menos à forma atual de existência. Essa é uma luta travada dentro e fora, comparável à luta da criança pela existência do Eu. Com a aproximação do meio da existência, a firmação da atitude pessoal e da posição social, mais o jovem se aferra aos “verdadeiros” princípios e ideais de comportamento com os quais conseguiu se estabelecer.<br />
A menos que o jovem tenha se tornado um neurótico, deduz-se que seu Eu conseguiu se estruturar e se estabilizar na psique, deixando uma das séries de conteúdos psíquicos (primeiro ou segundo Eu) no inconsciente, o que formará parte da sombra, que tenderá a eclodir de maneira mais evidente na última metade da vida. Enquanto isso, a alternância inflação/alienação ainda continua, como descrito no ciclo da vida psíquica apresentado anteriormente. Se tudo correr bem, o indivíduo consegue entrar no processo de individuação, tornando-se consciente do eixo ego–Si-mesmo, e estabelecendo o diálogo com o Si-mesmo.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-BtzpCUmA4z8/UxYW743EesI/AAAAAAAAC8s/kCTAKnryTXY/s1600/SriRamakrishna.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-BtzpCUmA4z8/UxYW743EesI/AAAAAAAAC8s/kCTAKnryTXY/s1600/SriRamakrishna.jpg" width="264" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Sri Ramakrishna</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br />
EU E COMPLEXO DO EU<br />
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Como última abordagem sobre a natureza do Eu, convém fazer uma breve digressão para se tentar uma compreensão ou diferenciação ainda maior. Jung tentou convencer os hindus de “que é impossível livrarem-se da ideia do ego ou da consciência, mesmo no mais profundo estado de <i>samadhi</i>”, o que eles foram incapazes de entender. Afirmou “que se Ramakrishna, por exemplo, tivesse sido capaz de libertar-se completamente da consciência, em seus momentos de profundo êxtase, então esses momentos teriam sido não-existentes. Ele jamais seria capaz de recordá-los ou de registrá-los, ou mesmo de considerá-los como tendo tido existência em algum momento” (MCGUIRE e HULL, 1982, p. 346). Entretanto, devido a este fato, pode ser preciso diferenciar ainda mais a estrutura egoica para fazer justiça à filosofia oriental, que prega a negação ou morte do ego para que os indivíduos alcancem um estado duradouro de beatitude, ou iluminação. Haveria na prática e na filosofia milenares dos hindus elementos de observação psicológica concretos que os levariam a fazer semelhante afirmação? O que se poderia fazer para conciliá-los com a psicologia analítica? </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
O esquecimento nos mostra muito bem quantas vezes e com que facilidade os conteúdos perdem sua ligação com o eu. Por isso, poderíamos comparar a consciência ao jato de luz emitido por um refletor. Só os objetos situados sob o cone de luz é que entram no campo de minha percepção. Assim, o fator psíquico de que eu não tenho consciência existe em alguma parte, num estado que, com toda a probabilidade, não difere essencialmente daquele em que é visto pelo eu. A consciência, portanto, pode ser muito bem entendida como um estado de associação com o eu. (JUNG, 1991a, §610)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Ora, pode-se-ia imaginar o ego como uma espécie de foco de luz consciente, que parte do Si-mesmo, e que ilumina uma parte habitual da superfície da psique. Essa luz tem a função de gerenciar a troca de impressões do meio interno com o meio externo e vice-versa, de forma consciente, adaptada, para integração do indivíduo e do mundo reciprocamente. Fugindo um pouco da teoria junguiana, que percebe esse ponto focal de consciência simultaneamente como ego, pode-se pensá-lo, de início, como um feixe de "luz" consciente totalmente atrelado ao processo de construção do complexo do ego, o qual teria o papel importantíssimo de delimitar esse foco. As pequenas "ilhas de consciência", complexos nascentes na personalidade, vão se agregando, formando focos de luz cada vez maiores, até chegar ao ponto de reunir-se em um complexo maior, que carrega identificação com o corpo e memórias relativas a este. Entretanto, como o complexo do ego contém características de identidade (como outros complexos, que derivam também de experiências pessoais), o feixe de consciência acaba se apegando e se confundindo, se identificando com o complexo do ego, transformando-se em “foco” de luz consciente, dirigido. Então o ponto focal, que se conhece como o aspecto perceptivo do ego, uma vez mais ou menos delimitado, pode se chamar de “eu”. Porém, esse ponto focal de consciência, ao se tornar mais ou menos agregado e concentrado, torna-se relativamente autônomo em relação ao complexo do ego, podendo identificar-se em graus maiores ou menores com outros complexos, dependendo da energia e da atração destes. Dessas identificações derivam os fenômenos de inflação e possessão que levam as pessoas à psicoterapia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Esse modo de explicar a construção complexo do ego/foco da consciência acaba por integrar ainda mais a teoria junguiana à filosofia budista e oriental como um todo, que prega a “morte” do ego como objetivo da realização do sujeito. Jung discordava desse pensamento porque via o ego como aquela entidade necessária à percepção e à autonomia frente ao mundo. Quem iria “matar” o ego, seria o próprio ego, o que seria impossível. Entretanto, as duas correntes de pensamentos podem ser integradas se se diferenciar o ego – ponto focal da consciência – do complexo do ego. O que “morreria” para os orientais seria o complexo do ego e não o ponto focal de consciência, a partir do qual o indivíduo se torna um sujeito no mundo. Este ponto focal poderia, para utilidades práticas, utilizar-se de sua identidade original, o complexo egoico, para atuar no mundo. Mas não precisaria de uma identidade psíquica para gerenciar sua personalidade, o que seria feito com a harmonização da consciência com o Si-mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com a maturidade, a diferenciação ego/complexo do ego, hipoteticamente, evitaria uma identificação total e constante do foco de luz consciente com o complexo egoico. Isso estabilizaria de tal forma o Eu que poderia impedi-lo de ser engolfado pelo inconsciente em situações muito difíceis da vida, pois isso só poderia ocorrer em relação ao complexo do ego. É claro que essa seria uma situação ideal, cujo alcance dificultaria ao homem ficar psicopatologicamente enfermo. Mas daria ao ego uma extrema autonomia, e ao mesmo tempo o subordinaria inteiramente ao Si-mesmo, como instrumento da consciência, de adaptação ao mundo. Seria a “iluminação”, <i>nirvana</i> ou <i>samadhi</i> oriental. O homem teria alcançado o estado paradisíaco infantil inicial sem, no entanto, inflar-se pela identificação com o o Si-mesmo.<br />
<blockquote class="tr_bq">
As crianças compartilham, com o homem primitivo, a identificação do ego com a psique arquetípica e com o mundo exterior. Para a mente primitiva não existe nenhuma distinção entre interior e exterior. Para a mente civilizada, o homem primitivo está relacionado de modo encantador à natureza, assim como está em sintonia com o processo da vida: mas é, ao mesmo tempo, um selvagem e comete os mesmos erros de inflação que as crianças cometem. O homem moderno, alienado da fonte do significado da vida, encontra na imagem do homem primitivo um objeto que exerce sobre ele uma forte atração. (EDINGER, 1992, p. 32)</blockquote>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-0Z8Nbwy1hNY/Uxy69ZNw9LI/AAAAAAAAC9s/T0P_JLCz6jM/s1600/opostos.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-0Z8Nbwy1hNY/Uxy69ZNw9LI/AAAAAAAAC9s/T0P_JLCz6jM/s1600/opostos.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A indulgência e a disciplina rígida devem operar juntas<br />
na educação infantil, pois são condições necessárias</td></tr>
</tbody></table>
Nossa origem psicológica, continua o autor, tem dupla conotação: por um lado, é uma condição paradisíaca, um estado de unicidade em relação à natureza e aos deuses e infinitamente desejável; por outro lado, é a base de nosso padrão de consciência humana, ligada à realidade do tempo e do espaço. É um estado de inflação, de condição irresponsável, de luxúria incorrigível, de arrogância e de desejo rude. O problema para o adulto é obter a união com a natureza e com os deuses, a forma como a criança começa, sem provocar a inflação da identificação.<br />
Aliás, esse é o mesmo problema da educação infantil, na disputa entre a indulgência e a disciplina rigorosa: manter a integridade do eixo ego–Si-mesmo e, ao mesmo tempo, dissolver a inflação original. A indulgência enfatiza a aceitação e o encorajamento da espontaneidade da criança e alimenta seu contato com o Si-mesmo, mas também mantém e encoraja a inflação e uma atitude irrealista para com as exigências da vida exterior. A disciplina rígida enfatiza os limites rigorosos de comportamento, encoraja a dissolução da identidade ego–Si-mesmo e trata a inflação de modo bastante eficaz, mas tende a danificar a conexão vital e necessária entre o ego e suas raízes no inconsciente. As duas condições são necessárias e devem operar em conjunto, embora estejam em oposição (EDINGER, 1992, p. 33).<br />
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(Leia mais a respeito: "<a href="https://pontodevistapsicologico.blogspot.com/2019/10/coringa-somos-todos-insanos-em.html" target="_blank">Coringa - somos todos insanos em potencial</a>", "<a href="https://apsiqueeomundo.blogspot.com/2019/07/viva-la-vida-e-as-oscilacoes-da.html" target="_blank">Análise de Viva La Vida, de ColdPlay</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2014/07/gita-uma-analise-do-eu-sou.html" target="_blank">Gita - uma análise do 'Eu Sou</a>'", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2010/07/alice-no-inconsciente-coletivo-1-parte.html" target="_blank">Alice no inconsciente coletivo</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com/2012/10/imaginacao-ativa-ou-terapia-com-o-sr.html" target="_blank">Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/12/deus-uma-biografia-psicologica-pessoal.html" target="_blank">Deus - uma biografia psicológica pessoal (1ª parte)</a>", "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2016/03/o-genesis-e-o-desenvolvimento.html" target="_blank">O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem (Parte 2)</a>")</div>
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<div style="text-align: center;">
<b>REFERÊNCIAS</b></div>
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* As referências deste texto encontram-se na página das Referências do blog. <br />
Clique <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/referencias.html" target="_blank">aqui</a> para acessá-la.</div>
</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-50369437610823702292013-11-10T09:20:00.003-02:002020-12-27T10:48:14.391-03:00As bases psicológicas da atração sexual (em construção)<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
* As definições não encontradas no texto podem </div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: right;">
ser obtidas no <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/vocabulario.html" target="_blank">vocabulário</a> deste site.</div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
INTRODUÇÃO</div>
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<div style="text-align: justify;">
A apreciação das atividades sexuais é comum em determinadas escolas psicológicas, principalmente na psicanálise. Esta se distinguiu pronunciadamente pelos nomes sexuais que adotou para os diversos aspectos psicológicos do desenvolvimento ou da estrutura psíquica humana. Termos como “Complexo de Édipo”, “fase oral”, “id”, “superego”, etc., exemplificam claramente isso. Sigmund Freud, o criador da psicanálise, acabou por reduzir a maioria das expressões psíquicas às causas instintivas. A psicologia como ciência natural estaria subordinada ao princípio da causalidade e, por conseguinte, as doenças psíquicas seriam <i>causadas</i> por eventos passados, principalmente como efeito dos eventos da vida infantil. Essa é uma visão mecanicista e <i>redutiva</i>, que procura restringir a amplitude dos fenômenos psíquicos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já para a escola da psicologia analítica de Carl G. Jung, a sexualidade é apenas um dos poderosos instintos da psique humana. Não seria mais forte que o instinto de sobrevivência, por exemplo, que teria força igual ou maior. Essa escola já aborda a psique do ponto de vista energético, e entende os fenômenos partindo do efeito para a causa. Os fenômenos psíquicos seriam processos energéticos que têm uma direção definida, que obedecem a uma diferença de potencial. Suas bases são as relações dos elementos e não o enfoque nos elementos em si e seu movimento no espaço. Assim, não somente se perguntaria o <i>por que</i> de uma manifestação psíquica, mas também o <i>para que</i> ela ocorreu, qual o seu objetivo final. Esse ponto de vista é considerado <i>construtivo</i>, pois não restringe o alcance das expressões da alma, mas a estende e toma como única e individual as suas figurações. Construtivo também porque possibilita uma evolução da consciência, ao contrário da causa, que vincula a energia psíquica, ou libido, aos fatos elementares. Esta é necessária. Porém, a alma não pode parar nesse estágio, mas deve converter as causas em símbolos de um caminho a ser percorrido (finalidade). A força de atração desses símbolos representam a quantidade de energia vinculada a eles (JUNG, 1991a, §2-5).</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, a visão causalista da psique ficou bem explícita no livro recém-lançado do psicanalista Brett Kahr, “O sexo e a psique”, onde o autor, usando de uma rigorosa metodologia científica, realizou a mais ampla pesquisa sobre as fantasias sexuais em um período de cinco anos, reunindo respostas de aproximadamente 19 mil voluntários. Apesar de abordar várias categorias de fantasias sexuais de maneira redutiva, o livro é muito interessante pela grande variedade de fantasias expostas e pela maneira flexível com que o autor as discute.</div>
<div style="text-align: justify;">
O objetivo deste texto é fazer um breve confronto com a obra citada a fim de se questionar os pontos de vista freudianos vigentes do assunto, procurando-se chegar a uma perspectiva que abranja o fenômeno sexual como um todo. Ao mesmo tempo, algumas formulações da psicologia analítica serão apresentadas de maneira a revelar novos pontos de vista no campo sexual, onde o desafio é romper com a exclusividade do sentido causalista, que vincula as fantasias sexuais tão somente ao trauma e/ou a fatos passados da vida infantil. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
COMPREENDENDO OS INSTINTOS</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-XN1crn2tEpU/Un9q2mshDyI/AAAAAAAACyY/jdXjKl47LdE/s1600/hidreletrica20.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="263" src="http://4.bp.blogspot.com/-XN1crn2tEpU/Un9q2mshDyI/AAAAAAAACyY/jdXjKl47LdE/s320/hidreletrica20.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Figura 1: A usina hidrelétrica transforma a energia <br />mecânica da água em energia elétrica.</i></td></tr>
</tbody></table>
O corpo humano é uma espécie de aparelho ou máquina que transforma a energia que recebe em outras manifestações dinâmicas equivalentes. Esse processo de transformação é o que se chama de vida. Esse aparelho utiliza condições naturais para transformar energia física e química em atividades culturais. Por conseguinte, a própria cultura humana funciona como uma espécie de máquina, que se diferencia cada vez mais. Da mesma maneira, o aparelho psíquico converte os instintos naturais em símbolos, isto é, formas dinâmicas que possibilitam a produção de trabalho, deixando energia psíquica disponível, mais conhecida como “vontade”, para o ego. Essa transformação ocorre por meio da canalização para um análogo daquilo que é objeto dos instintos, como uma usina hidrelétrica, que imita uma queda d’água para se apossar da energia mecânica, e a converte em energia elétrica. </div>
<div style="text-align: justify;">
Da mesma forma, os Watschandis, da Austrália, realizam seu ritual de primavera como um ato mágico de fecundação da terra. Eles colocam arbustos ao redor de um buraco oval na terra, para que pareça um órgão genital feminino. Então, dançam em volta desse buraco, enfiando suas lanças no buraco e gritando, em sua língua: “Não é buraco! Não é buraco! É uma vulva!”. Enquanto isso não olham para qualquer mulher. Ora, o buraco é uma analogia do órgão genital feminino – objeto do instinto sexual. O grito e a atitude de não olhar para as mulheres é um auxílio para que a analogia seja mantida sem interferências. Esse rito consegue transferir libido para a terra, a qual adquire um valor especial, fazendo com que se voltem para seu cultivo. “A energia sexual é associada intimamente ao campo, de modo que o cultivo da terra adquira, por assim dizer, o valor de um ato sexual”. O campo passa a exercer uma atração sobre o cultivador. O mesmo acontece com outras atividades do homem primitivo, como a caça, a guerra, etc., os quais são introduzidos como cerimônias de analogia mágica ou encantamentos preparatórios que manifestam claramente a finalidade de canalizar a libido para a atividade necessária (JUNG, 1991a, §80-87).</div>
<div style="text-align: justify;">
Tipicamente, o ser humano saudável é capaz de aproveitar parte da libido dos instintos, cuja maior parte dirige o curso regular da vida, em atividades análogas. Essa energia psíquica disponível canalizada por meio de representações simbólicas, acaba sendo empregada em formas diferentes das contidas no instinto original. Essa é a origem das atividades culturais. Para o neurótico essa canalização da libido por meio dos símbolos ocorre de forma inadequada, pois a formação destes é de um nível muito baixo para sua expressão mais completa, adaptada ao homem moderno. Por isso, ela não se converte em trabalho, como ocorre com o homem saudável, mas em uma miríade de fantasias, inclusive sexuais, muito comuns ao homem primitivo (JUNG, 1991a, §88-95).</div>
<div style="text-align: justify;">
Jung (1991a, §415-416) afirma que o mergulho nos instintos leva a um estado de inconsciência, isto é, à compulsividade pura, onde não há domínio da vontade. Ir simplesmente de encontro aos instintos ocasiona maior domínio destes sobre o ego, o que torna impossível qualquer conhecimento. Mas o instinto é apenas parte de um fenômeno maior,, mais conhecido por sua força de atração. A outra parte, que são as várias possibilidades de representação dos instintos, ou arquétipos, forma com o desejo instintivo um todo, ilustrado assim, em analogia com o espectro da luz visível:</div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-YxcAQwMUgG0/Un6_Q7VA7MI/AAAAAAAACxo/OGMyoc7IZag/s1600/ARQUETIPO+E+INSTINTO+-+ESPECTRO+DE+LUZ2+(C%C3%B3pia+em+conflito+de+Sonhos+2013-11-02).jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="140" src="http://4.bp.blogspot.com/-YxcAQwMUgG0/Un6_Q7VA7MI/AAAAAAAACxo/OGMyoc7IZag/s640/ARQUETIPO+E+INSTINTO+-+ESPECTRO+DE+LUZ2+(C%C3%B3pia+em+conflito+de+Sonhos+2013-11-02).jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Figura 2: Comparação do instinto e do arquétipo ao espectro da luz visível</i></td></tr>
</tbody></table>
O processo instintivo encontra-se, por analogia, na parte vermelha do espectro; ao passo que as representações instintivas (imagens), na parte violeta do espectro da luz. Ora, o vermelho combina mesmo com o instinto, enquanto o violeta retrata o espírito (ou melhor, o lado arquetípico do fenômeno). </div>
<div style="text-align: justify;">
Instintos e arquétipos são faces de um mesmo fenômeno, de uma mesma atividade vital, que aqui são divididas em dois processos para fins de compreensão. Os instintos são processos inconscientes sem interferência da razão. São formas de reação uniformes e regulares que determinam o nosso comportamento consciente. Uma parte deles pode, pelo cuidadoso treinamento, ser transformado em atos da vontade, como explicado anteriormente. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por outro lado, os arquétipos são formas de perceber uniformes e regulares. Eles determinam o modo como o indivíduo apreende e retrata o mundo. Como já exposto, são correlatos, nas possibilidades de imagens que agregam, aos instintos, ou melhor, são como um autorretrato dos instintos ou uma autopercepção destes. </div>
<div style="text-align: justify;">
Essas imagens instintivas, ou melhor, arquetípicas, são autônomas na psique, continua Jung (1991a, §521). Assim, elas interferem com a vontade do indivíduo pois, geralmente, não são reconhecidas pela consciência, são sombrias. Estas contaminam-se com certas pessoas ou objetos do mundo exterior, que irão, por isso, portar um valor exagerado para o sujeito. Outra forma de dizer isso, seria que o sujeito projeta suas imagens autônomas em pessoas/objetos, originando forte atração ou repulsão, sexual ou não, e, em muitos casos, compulsão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para se trabalhar a força instintiva a solução é lidar com suas representações, que retratam o instinto em outro nível, que não o da atração ou o biológico. O autor continua, afirmando que a paixão física e a espiritual são inimigas mortais, embora sejam irmãs. Isso foi retratado na figura do espectro de luz, com o arquétipo no lado do azul e o instinto no vermelho. Apesar das imagens arquetípicas serem o autorretrato dos instintos, quando representados, estes perdem seu poder de atração. Daí se dizer que são como forças antagônicas. Mas o autor afirma que, apesar disso, basta apenas um pequeno toque para que uma delas se converta na outra. </div>
<div style="text-align: justify;">
Logo, o mergulho na esfera dos instintos não conduz à sua percepção consciente, nem à sua assimilação, porque a consciência luta em pânico contra a ameaça de ser tragada pelo primitivismo e pela inconsciência da esfera dos instintos. Este medo é tema constante do mito do herói e de inúmeros tabus. Quanto mais o sujeito se aproxima do mundo dos instintos, mais violenta é a tendência a se libertar dele e a arrancar a luz da consciência das trevas dos abismos sufocadores. Porém, como possibilidade de representação do instinto através de imagens, “o arquétipo é um alvo espiritual para o qual tende toda a natureza do homem; é o mar em direção ao qual todos os rios percorrem seus acidentados caminhos; é o prêmio que o herói conquista em sua luta com o dragão” (JUNG, 1991a, §415). Isso ocorre porque o desenvolvimento da consciência, e a concomitante representação simbólica dos instintos, se opõe à força destes. E o homem moderno e suas produções, resultado do aprimoramento extremo da consciência, os repele com força ainda maior.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-_kTE4L-vwxQ/Un69IYntqhI/AAAAAAAACxc/x1cidU9ptAU/s1600/S%C3%8DMBOLO+E+MOTOR2.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="149" src="http://4.bp.blogspot.com/-_kTE4L-vwxQ/Un69IYntqhI/AAAAAAAACxc/x1cidU9ptAU/s320/S%C3%8DMBOLO+E+MOTOR2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div align="JUSTIFY" style="line-height: d%; margin-top: 0.21cm;">
<div style="text-align: center;">
<i style="text-align: center;">Figura 3: "A compulsão seria como uma faísca </i></div>
<div style="text-align: center;">
<i><i style="text-align: center;">que visa descarregar a
tensão energética."</i></i></div>
<i>
</i></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Portanto, se entregar aos instintos não reduz a compulsividade geral, ou especificamente sexual, do indivíduo, exceto temporariamente. Para isso ocorrer, o indivíduo teria que se tornar consciente do instinto sexual, pois só se tem domínio sobre o que se é consciente. Um exemplo que ajuda a explicar a citação acima, é imaginar uma pessoa que se movimenta em um quarto escuro e desconhecido. Ela provavelmente irá tropeçar, cair ou até se ferir se não acender a luz e se tornar consciente dos objetos presentes e da sua posição no recinto. O mesmo ocorre no indivíduo: é preciso que ele se torne consciente dos conteúdos e de sua movimentação na sua psique. É preciso que ele o faça para com os impulsos sexuais e outros, se não quiser ser dominado por eles. </div>
<div style="text-align: justify;">
Isso ocorre porque os instintos compõem a esfera animal e primitiva do ser humano e devido à consciência ser uma aquisição tardia da humanidade, só conquistada com imensos sacrifícios do seu lado instintivo. A consciência, por outro lado, é de natureza determinada e dirigida, caracterizada pela persistência, regularidade e intencionalidade, o que gerou a ciência, a técnica e a civilização, como forma de adaptação ao mundo. Por isso, ela bloqueia e/ou inibe os conteúdos do inconsciente. Este é composto de elementos que parecem ou são realmente incompatíveis, ou que podem conduzir a um fim não desejado. Uma definição bastante simples da consciência e do inconsciente: a primeira constitui um processo momentâneo de adaptação; o segundo, o desconhecimento do que nos afeta imediatamente. A consciência efetua um julgamento, este baseado tão somente em seu precário conhecimento - sua experiência passada - sobre os conteúdos incompatíveis do inconsciente. Por isso ela é preconcebida e parcial, em síntese: unilateral, pois inibe o novo, o qual poderia enriquecer os processos dirigidos. Daí decorre a função compensatória ou complementar do inconsciente em relação à consciência (JUNG, 1991a, §134-138). </div>
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<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-311ZDbX3vPg/UoFhe5w7YZI/AAAAAAAACy0/CuM7IPyuOYE/s1600/S%C3%8DMBOLO+E+MOTOR.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="178" src="http://3.bp.blogspot.com/-311ZDbX3vPg/UoFhe5w7YZI/AAAAAAAACy0/CuM7IPyuOYE/s320/S%C3%8DMBOLO+E+MOTOR.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div>
<i>Figura 4: "A imagem do instinto sexual equivale a </i></div>
<div>
<i>um aparelho colocado para funcionar entre dois polos."</i></div>
</td></tr>
</tbody></table>
“Especializar-se em algo significa reunir energia e acrescentá-la àquela aptidão da personalidade. Retira-se a libido de uma outra habilidade para direcioná-la a algum aspecto que se escolheu”(JOHNSON & RUHL, 2010, p. 33). Conclui-se, portanto, que os conteúdos da consciência possuem mais energia psíquica do que os que se encontram no inconsciente, que encontram-se debilitados. Entretanto, se a incompatibilidade da consciência e do inconsciente fica por demais forte, devido à excessiva unilateralidade da primeira, o conteúdo inconsciente pode romper a inibição ou repressão, e a pessoa ficar consciente do que antes rejeitava. É isso o que ocorre, em analogia, com os polos elétricos se, dentro de certa distância, a tensão ficar muito elevada: uma faísca salta de um polo a outro, equilibrando o sistema. No sistema psíquico não é diferente. A compulsão seria como uma faísca que visa descarregar a tensão energética. No entanto, esse descarregamento é temporário, porque não se evita a repetida recarga de tensão do sistema psíquico, porque a consciência se defende, até mesmo em pânico, contra o primitivismo do instinto, como mencionado previamente por Jung. Por isso, a chave para se conseguir amenizar e integrar a compulsão sexual é lidar com a imagem do instinto sexual, com o símbolo arquetípico de sua compulsão. Isso equivaleria a um aparelho (imagem ou símbolo) colocado para funcionar entre os dois polos. O modo como o sujeito pode fazer isso será abordado mais adiante.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A ATRAÇÃO SEXUAL E O FETICHE</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A consciência não tem uma relação direta com qualquer objeto material. Percebemos apenas as imagens que nos são transmitidas indiretamente, através de um aparato nervoso complicado. [...] A consequência disso é que aquilo que nos parece como uma realidade imediata consiste em imagens cuidadosamente elaboradas e que, por conseguinte, nós só vivemos diretamente em um mundo de imagens ” (JUNG, 1991a, §745-746). </blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-GoZ3bCYulQQ/Un9mhtEwFxI/AAAAAAAACx8/cRKeT6qsz_0/s1600/PROJE%C3%87%C3%83O.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="249" src="http://4.bp.blogspot.com/-GoZ3bCYulQQ/Un9mhtEwFxI/AAAAAAAACx8/cRKeT6qsz_0/s640/PROJE%C3%87%C3%83O.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Figura 5: Mecanismo da projeção; se o sujeito reprime certa qualidade ou defeito, ela fatalmente será projetada sobre o outro, gerando atração ou repulsão; se não ocorre a repressão da qualidade ou defeito, há apenas o reconhecimento.</i></td></tr>
</tbody></table>
O que provoca a forte atração sexual por certa pessoa pode até ser uma qualidade especial que ela possua. Porém, “quanto mais subjetiva e mais emocional for esta impressão, tanto maior será a possibilidade de que esta qualidade resulte de uma projeção” (JUNG, 1991a, §519). Mas é preciso diferenciar a qualidade real da pessoa ou objeto, da qual advém a atração, do valor, significado ou energia que esta tem para o sujeito, continua o autor. Frequentemente a pessoa, inconsciente da qualidade que alguém projetou em si, oferece uma oportunidade de escolher a projeção ou a provoca. Com isso, ela atua diretamente sobre o inconsciente do interlocutor. Mesmo que a qualidade projetada possa ser encontrada na pessoa, a projeção não deixa de ser subjetiva ou se referir a uma imagem presente no sujeito, pois ela sempre confere um valor exagerado a qualquer traço desta qualidade presente na pessoa. Essa imagem é uma grandeza psicológica distinta da percepção da pessoa, mas é sustentada por esta. A energia psíquica, vitalidade ou autonomia desta imagem permanece inconsciente enquanto perdurar a coincidência com a pessoa propriamente dita e sua vida. Por isso, o sujeito dificilmente reconhece a projeção ou a presença dessa imagem correspondente em sua personalidade, porque ela contamina-se com a autonomia da pessoa lá fora. Isso concede à sensualidade desta uma realidade esmagadora ou valor exagerado com relação ao sujeito. Essa identidade entre a imagem subjetiva e a pessoa, chamada de projeção, confere a esta uma importância que não lhe pertence, mas que a possui desde sempre, porque é original. Porém, a dissolução dessa identidade devolve ao sujeito a libido, que antes era empregada exageradamente na relação com a pessoa, para o seu próprio desenvolvimento na maturidade relacional com esta e também com outras, em que a mesma imagem era ou poderia ser projetada em diferentes graus (Ibid, §520-523). </div>
<div style="text-align: justify;">
Clifford, um advogado de 64 anos, não fazia sexo com sua mulher há mais de dez anos porque esta não concordava em, entre outros pedidos, dizer obscenidades durante o ato sexual. Então ele se tornou viciado em masturbação, quando então imagina sua amante nas fantasias dizer várias obscenidades, o que o excita tremendamente. Nas suas lembranças da infância, e soube que seus pais se revezavam para lavar sua boca com sabão sempre que pronunciava uma obscenidade, como “droga” ou “porra”. Tal prática “disciplinar” era comum nas décadas de 1940 e 1950. O autor, com base em sua vasta experiência clínica, sugere que “ao usar linguagem grosseira com sua amante imaginária e ao implorar que ela faça o mesmo, Clifford conseguiu triunfar sobre a crueldade dos seus pais que nunca o deixaram pronunciar nem sequer um ‘caramba’ ou ‘poxa’”. Se deliciar com essa linguagem seria como um ato desafiador em relação aos pais. Uma maneira de lidar com traumas anteriores de maneira criativa e excitante (KAHR, 2009, p. 556-557). </div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-bA1kgS4OON0/Un9o12huG9I/AAAAAAAACyI/Meb8rM_qXp4/s1600/proje%C3%A7%C3%A3o+x+informa%C3%A7%C3%A3o.png" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="215" src="http://4.bp.blogspot.com/-bA1kgS4OON0/Un9o12huG9I/AAAAAAAACyI/Meb8rM_qXp4/s320/proje%C3%A7%C3%A3o+x+informa%C3%A7%C3%A3o.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Figura 6: A diferença entre informação e projeção.</i></td></tr>
</tbody></table>
Entretanto, pode-se dizer que essa é uma forma um tanto tendenciosa de encarar o fato. Pode-se pensar também que Clifford foi obrigado a vestir uma máscara muito rígida de pureza com a educação que teve de seus pais. Isso lançou a prática do falar obscenidades no inconsciente, assim como muita coisa que se relaciona com esse comportamento. Usar palavras obscenas, assim como ouvir alguém fazer o mesmo, confere, para ele, o prazer de ter alguém que o aceita como é, inclusive suas “sujeiras”. A atração por tal imagem é tanta, que ele chega a sentir atração pela pessoa ou situação que corresponde a essa imagem ou complexo. Essa atração teria uma finalidade, como já exposto na introdução. Qual seria ela? Enquanto Clifford não se tornar consciente dessa atração enquanto símbolo inconsciente em si mesmo, continuará a sentir excitação sexual apenas enquanto ele ou outra pessoa satisfizer as condições do complexo. Este atua como se fosse uma pessoa ou personagem dentro da personalidade de Clifford que, coincidindo com sua correspondência lá fora, provoca uma atração compulsiva.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ora, o inconsciente também percebe, tem intenções e pressentimentos, sente e pensa como a consciência (JUNG, 1991a, §673). Isso não é nenhum mistério, porque o inconsciente faz parte da mesma personalidade; apenas que sua vitalidade encontra-se separada da vontade do sujeito, pois este encontra-se cindido. Os conteúdos do inconsciente mencionados anteriormente são os complexos, que são imagens de uma certa situação psíquica de forte carga emocional e coerência interior – exemplo: trauma, choque emocional, conflito moral, etc. – com um grau elevado de autonomia em relação à vontade do sujeito e incompatível com a atitude habitual da consciência. Se um complexo está ativo, isto é, se ele foi despertado de alguma forma – uma pessoa ou objeto que corresponde à imagem e aos significados pertencentes ao complexo – ele deixa o indivíduo em um estado de não liberdade, de pensamentos obsessivos e ações compulsivas. Conscientemente, o sujeito o percebe como um corpo estranho, com vida própria. Nos sonhos eles aparecem em forma personificada; nos psicóticos, eles aparecem como “vozes” de pessoas. Quanto maior a inconsciência dos complexos, maior a sua liberdade na psique, e maior também sua capacidade de assimilar o ego, ainda que temporariamente, o que resulta na sua identificação com o complexo. Na idade média esse fenômeno chamava-se “possessão”. As blasfêmias de um possesso e um lapso de linguagem se diferenciam apenas no grau de intensidade. O homem mais primitivo os chamava de “demônios”, mas a evolução da consciência gerou tanta intensidade no complexo do eu que hoje eles perderam a autonomia original (JUNG, 1991a, §200-204). </div>
<div style="text-align: justify;">
Portanto, o ser humano não sente atração com a mesma intensidade por qualquer indivíduo, e esta não é despertada, com a mesma força, por qualquer objeto. Apenas aquele que possui um significado pessoal, que corresponde (de modo mais ou menos completo) a uma imagem interna específica, isto é, uma imagem arquetípica - o outro lado do instinto - pode despertar uma intensa atração. E essa imagem é incompatível com os conteúdos da consciência do sujeito. Portanto, é inconsciente, como já exposto. Por isso essa imagem é chamada poeticamente de sombra. Existem outras imagens que correspondem mais precisamente aos conteúdos projetados no sexo oposto ao do sujeito. Porém, para fins práticos deste texto, que se volta também para aqueles que desconhecem mais ou menos a psicologia junguiana, haverá referência a todos esses conteúdos sob o nome de sombra, que é também a forma como eles são apresentados em geral à consciência de indivíduos tão inconscientes quanto a média geral.</div>
<div style="text-align: justify;">
O desprezo e a incompatibilidade que o ego sente pelos aspectos sombrios provoca uma tensão em relação a estes. Outra forma de compreender isso, é dizer que a necessidade afetiva ou a carência de atenção consciente que o indivíduo sente, sem seu conhecimento, em relação a eles, provoca fantasias sexuais de atração por pessoas que possuem um “gancho” para esses aspectos sombrios, ainda que de pouca intensidade.</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
A intenção que a sombra tem de buscar o que lhe falta por intermédio do novo parceiro explica por que os opostos se atraem – otimistas e pessimistas, perseguidores e fujões, extrovertidos e introvertidos, artistas e cientistas, pragmatistas e buscadores espirituais – juntos, esses pares formam um conjunto. Consequentemente, por meio de uma divisão de trabalho que jamais é mencionada, muitos casais operam como uma única pessoa, trocando forças e fraquezas um com o Outro, durante um período de compensação. Depois disso talvez descubram, em determinada altura do caminho, que exatamente os traços do parceiro que lhe pareciam mais atraentes – parte da solução da sombra – tornaram-se os menos atraentes – parte do problema. (ZWEIG e WOLF, 2000, p. 179)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-DhAL67GGMqs/Un9p1cLcu_I/AAAAAAAACyQ/wOuKR1kJFKA/s1600/UM+HEROI+NA+CRIAN%C3%87A.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="240" src="http://1.bp.blogspot.com/-DhAL67GGMqs/Un9p1cLcu_I/AAAAAAAACyQ/wOuKR1kJFKA/s320/UM+HEROI+NA+CRIAN%C3%87A.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Figura 7: O herói como sombra na criança.</i></td></tr>
</tbody></table>
Como exemplo, os autores supracitados (Ibid., p. 180) citam Shirley, que acreditava, desde criança, que não era criativa e tinha pouca inteligência. Para compensar o sentimento de inferioridade, ela procurava tornar-se atraente. Porém, como se sentia atraída por homens criativos, ela os namorava, só para descobrir depois que eram pouco disponíveis. Em terapia, descobriu que sua criatividade era, na verdade, parte de sua sombra, à qual resistia inconscientemente. Então, a atração por parceiros criativos e pouco disponíveis desapareceu, e passou a utilizar menos seus poderes de sedução, e mais seus verdadeiros sentimentos para se relacionar com os homens.</div>
<div style="text-align: justify;">
Joel e Ellen iniciaram um namoro após o término do casamento de 12 anos do primeiro, que se surpreendera com nova força de atração. À medida que o envolvimento aumentou, Joel tentou, para se sentir seguro, fundir-se emocionalmente à parceira, sem perceber que era um ser separado e independente. Ellen, por sua vez, se agarrou à sua independência para se sentir segura, julgando a dependência inaceitável. Assim, Joel passou a achar que nunca obteria amor suficiente de Ellen, e esta, sentindo-se sufocada, passou a atacá-lo com palavras cruéis para restaurar sua segurança. Esse comportamento passou a repetir-se. Em terapia, os dois descobriram que Joel tinha, na sombra, um personagem distante, e Ellen, uma dependente emocional. O trabalho com a sombra consistiu em cada um tornar-se consciente das características rejeitadas. </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
À medida que Joel lentamente aprendeu a encontrar segurança legítima dentro de si, começou a descobrir um personagem de sombra que portava a necessidade de separação e de manter distância. Já não ficava em pânico quando estava só, nem achava que ia desaparecer; e até mesmo aprendeu, aos poucos, a apreciar a solidão. (ZWEIG e WOLF, 2000, p. 180-181)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Ellen, por seu lado, começou a ficar mais dependente emocionalmente de Joel, e descobriu o quanto sentia medo de tornar-se vulnerável, o que reprimira por muito tempo. A psicoterapia permitiu evidenciar um personagem de sombra que carregava sua necessidade de intimidade. O trabalho interior prosseguiu até que “descobriram juntos que o medo de fusão de Ellen era o outro lado da moeda do medo que Joel tinha de ser abandonado” (Ibid., p. 181).</div>
<div style="text-align: justify;">
Portanto, de uma maneira simplista, pode-se dizer que o fundamento da atração sexual encontra-se no mesmo local onde ela surgiu: no interior do indivíduo, em seu inconsciente. As pessoas em geral são incompletas e têm pouca noção do quanto são divididas internamente. Elas carecem, nas imagens que possuem de suas qualidades sombrias, de atenção e amor. Quando encontram pessoas que correspondem a essas imagens de carência interior, que elas mesmas lançaram ao porão do inconsciente um dia, sentem imensa necessidade afetiva de ir ao encontro delas. Fazendo isso, suprem, ainda que temporária e ilusoriamente, a carência de aceitação e atenção nesses aspectos. Isso porque ninguém pode completar ninguém. Só está liberto para amar quem desbravou a base de sua paixão em seu próprio seio.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>OBS: Peço que as pessoas que leram o texto e gostariam que ele prosseguisse com mais informações a respeito do tema, que enviem suas dúvidas nos comentários do blog. Não é necessário se identificar.</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br /></i></div><div style="text-align: center;">(Leia mais a respeito: "<a href=""As raízes psicológicas da homofobia", " target="_blank">As raízes psicológicas da homofobia</a>")</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com36tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-61892681161452830482013-07-19T15:13:00.004-03:002015-04-04T14:35:49.566-03:00João-pé-de-feijão: vencendo os gigantes da vida<div style="text-align: justify;">
Apresento a seguir um resumo do conto de fadas “João e o pé de feijão”, de Joseph Jacobs, um australiano que viveu na Inglaterra, onde estudou o folclore local e publicou vários contos que coletou, entre eles o conhecido “Os três porquinhos” (Wikipedia). A versão completa que traduzi livremente do <a href="https://docs.google.com/file/d/0B3qqK9kBfsQhQ0MzWFVTUXFNRTQ/edit?usp=sharing" target="_blank">original </a>se encontra <a href="https://docs.google.com/file/d/0B3qqK9kBfsQhX3JlSFBZUHZyQ00/edit?usp=sharing" target="_blank">aqui</a>. A ideia de fazer uma análise do conto original deriva de ter assistido recentemente o filme “<a href="http://wwws.br.warnerbros.com/jackthegiantslayer/dvd/" target="_blank">Jack, o caçador de gigantes</a>”, no cinema, do qual algumas imagens foram usadas para ilustrar este texto (® Warner Bros Ent.). Sempre que uma estória como essa surge, podemos perguntar sobre o seu significado. E foi justamente o que me ocorreu, pois o conto original, ao contrário do filme, dá margem a que o pensemos como um equívoco moral, já que o herói não faz nada mais que roubar e assassinar um ogro, apesar deste se alimentar de meninos, mas não o faz para vingá-los ou para sustar o comportamento do ogro. A estória me parece fazer um breve apanhado da trajetória de desenvolvimento de certos adolescentes ou crianças, e é muito instrutiva a esse respeito. Após a apresentação desse resumo, faço uma breve análise psicológica do conto, onde pretendo revelar seu sentido que, à primeira vista, não parece muito ético. </div>
<blockquote class="tr_bq">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-ZAeYGY6XPug/Uel5mdgCFOI/AAAAAAAACno/9cMBL6o7r8k/s1600/jack-cacador-de-gigantes-poster-internacional.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-ZAeYGY6XPug/Uel5mdgCFOI/AAAAAAAACno/9cMBL6o7r8k/s320/jack-cacador-de-gigantes-poster-internacional.jpg" height="320" width="216" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Cartaz do filme "Jack - o caçador de gigantes"</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
ERA UMA VEZ uma pobre viúva que tinha um único filho chamado João. O único bem que possuíam era uma vaca leiteira, a qual decidem vender por não dar mais leite. João a leva ao mercado quando encontra um velho de aparência engraçada que, estranhamente, sabe o seu nome. O homem propõe um enigma, perguntando quantos grãos são cinco. João responde, afiado como uma agulha, que dois em cada mão e um na boca. O estranho diz que a resposta está certa e lhe dá os feijões em troca da vaca, dizendo que, se plantados à noite, no dia seguinte eles cresceriam até o céu. A mãe se decepciona com a ingenuidade do filho, bate nele, joga os feijões pela janela e o deixa sem cear. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
No dia seguinte, João se espanta com o pé de feijão que crescera como uma escada espiral até o céu. Ele o escala e, uma vez no céu, segue uma estrada que dá numa grande casa. Uma giganta, que João chama de “mãe”, prepara para ele um café da manhã, a seu pedido, mas alerta-o que seu marido é um ogro e que ele tem que sair logo de lá, se não quiser virar sua refeição. Corajosamente, João replica que também morrerá de fome, se não conseguir comer algo. Mal João começa a comer e o gigante chega com muito estrondo. A grande mulher esconde João no forno. O marido alega sentir cheiro de um inglês. A mulher replica que o cheiro provavelmente pertence aos restos do menino que ele comera no dia anterior. O ogro vai tomar banho e a mulher diz para João esperar até que ele durma após o café. O gigante toma o café – três bezerros grelhados – e vai contar o conteúdo de um par de sacos de ouro, após o que adormece, roncando até tremer a casa. João passa por ele, apanha um dos sacos de ouro e desce pelo pé de feijão.</div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Mãe e filho vivem do conteúdo do saco até este acabar. João sobe de novo pelo pé de feijão até chegar à grande casa. João pede de novo para comer algo, mas desta vez a mulher não fica tão receptiva quanto antes, pois suspeita que ele roubara seu marido. O jovem alega saber algo a respeito, mas diz que só falará após comer alguma coisa. A mulher, curiosa, dá-lhe de comer, quando o gigante chega novamente, com estrondo. Tudo ocorre como antes. O gigante pede que a esposa traga sua galinha de ovos de ouro, ordena que ela bote um ovo, o que ocorre, e ele adormece. João sai do forno, pega a galinha, que cacareja na saída, o ogro acorda e pergunta à mulher onde está sua galinha, mas João rapidamente desce pelo pé de feijão e demonstra o que a galinha faz à mãe. </div>
</blockquote>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
Mas João não fica satisfeito e resolve tentar a sorte de novo lá em cima. Vai direto à grande casa, mas não fala com a mulher, que havia saído para pegar água, e entra em uma panela. O gigante chega e alega sentir cheiro de sangue inglês. A esposa deduz e fala ao marido que o ladrãozinho deve ter entrado no forno e vai procurar lá. Frustrada, diz que seu velho deve ter sentido o cheiro dos restos do rapaz que havia devorado na noite passada. O ogro procura na despensa, mas não o acha. Após o café, a mulher traz a harpa dourada, ele ordena que ela cante, o que ela faz maravilhosamente, e ele adormece. João sai da panela, pego a harpa e, à porta, a harpa chama “Mestre! Mestre!”. O gigante acorda e vê João sair com a harpa. Esquivando-se, João consegue chegar ao pé de feijão e desce. O ogro hesita, mas quando a harpa o chama novamente, cria coragem e começa a descer. João ainda não havia descido da árvore, quando pede um machado à mãe. Ele golpeia-a e a parte em dois. O gigante cai, quebra sua coroa e o pé de feijão cai logo depois. O rapaz mostra à mãe a harpa e posteriormente tornam-se muito ricos. Ele casa-se com uma grande princesa e são felizes para sempre.</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
As condições econômicas da família da mãe e do filho são muito precárias. O que a mãe decide fazer – vender a vaca – implica apenas em uma solução temporária. Provavelmente a vaca também não tinha o que comer. Vendê-la é uma espécie de rendição à situação de extrema penúria em que se encontram. Não há esperança. Essa é a miséria simbólica em que se encontra o herói. O que a mãe representa para João é a falta de esperança em construir algo mais, em ir além, em se tornar autônomo. Falta a ele a figura do pai, a mãe parece supri-la apenas em parte, e mesmo assim apenas no aspecto negativo. João precisa de uma ponte para o céu:</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Nas condições pré-patriarcais, os homens e anciãos representam o ‘céu’ e transmitem a herança cultural coletiva da sua época e geração. ‘Os pais’ são representantes da lei e da ordem, desde os tabus primitivos até a jurisprudência moderna; eles transmitem os bens mais elevados da civilização e da cultura, ao passo que as mães cuidam dos valores mais elevados, isto é, mais profundos, da natureza e da vida. (NEUMANN, 1990, p. 136-137)</blockquote>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-V6Z1eSxoCA8/Uel5sozm51I/AAAAAAAACoI/JEkMUGTep3I/s1600/JTGS-MP-VFX-0080.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-V6Z1eSxoCA8/Uel5sozm51I/AAAAAAAACoI/JEkMUGTep3I/s320/JTGS-MP-VFX-0080.jpg" height="182" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O pé de feijão</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Em condições como esta, normalmente a psique produz símbolos ligados à salvação e ao livramento. A figura do Velho costuma aparecer nos contos e na mitologia sempre quando o herói se encontra em situação desesperadora e sem saída, e apresenta geralmente alguma reflexão ou ideia que pode levá-lo a resolvê-la. Muitas vezes faz perguntas para levar à autorreflexão e favorecer a reunião de forças morais. Ele sabe os caminhos que levam à meta e os mostra ao herói. É um símbolo do Si-mesmo, o núcleo da individualidade, daí ele saber o nome do jovem (JUNG, 2000, p. 214, 216-217). E é isso que o velho de aparência engraçada faz: ele testa João, estimula sua reflexão, que mais tarde será de grande valia na atitude que tomará com o gigante, e dá a ele os feijões, que o levarão a desenvolver atributos que o levarão a uma personalidade mais completa, e que serão muito úteis como adulto.</div>
<div style="text-align: justify;">
O feijão tem papel de magia amorosa na Índia em razão da semelhança com o testículo. Além disso, era usado em um rito no Japão para proteção e exorcismo de maus demônios do lar, onde eram espalhados. Na origem, esse rito tinha por finalidade assegurar a fecundação do arroz e a prosperidade da casa (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 419). Simbolicamente, pois, o feijão, também no presente conto, tem mesmo uma ligação com a prosperidade e o exorcismo de maus demônios, pois é pelo pé de feijão que o ogro morre, e a fecundidade – o jovem se casa no final.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quanto ao enigma proposto pelo velho, o número dois está associado a ambas as mãos e o um à boca, de acordo com a resposta do jovem. Em conexão ao que o feijão representa, cada mão é dupla em relação aos objetos: elas fazem e desfazem, escalam e descem, largam e pegam. A boca, em geral, apenas ingere objetos comestíveis, um significado unívoco de aquisição, de apropriação. Essa atitude é pertinente ao gigante, que só sabe acumular, se inflar, se engrandecer cada vez mais, tornar-se cada vez mais poderoso e rico. Maior valor deve ser dado às mãos, com mais feijões: as atitudes na vida valem mais do que o simples falar ou adquirir. Jung (1991b) diz, no capítulo sobre suas atividades psiquiátricas, em suas memórias, que o “deslocamento para o conceitual tira à experiência sua substância para atribuí-la a um simples nome que, a partir desse instante, é posto em lugar da realidade.” Aquele que se prende ao conceito, abre mão de vivenciar a realidade correspondente. Portanto, a resposta de João ao velho era como que uma preparação para o processo proposto pelo Si-mesmo: teria que saber o tempo certo de fazer e desfazer (dois feijões nas mãos), e unívoco na fala ou ingestão (boca), a fim de prosperar (feijão). A resposta afiada de João indica que ele está preparado intelectualmente para a aventura, para conseguir iniciar experiências em outras funções de sua consciência. </div>
<div style="text-align: justify;">
Por incrível que pareça, não é por João que os feijões são plantados, mas por sua própria mãe que os joga pela janela para o jardim. Justamente ela, que duvida, que nega a fantasia, a crença, a esperança em algo tão mágico, tão impossível. A mãe e João formam um par de opostos: a dúvida e a fé, a astúcia e a ingenuidade, os frutos do trabalho e o presente da graça. Porém, o pontapé inicial é dado justamente pelo lado oposto à atitude ingênua do jovem. Este tem fé, mas tem que ser obrigado a esquecer seu projeto, pois é assim que ocorre o processo de crescimento, de amadurecimento. Não se pode a todo momento querer verificar em que estágio se encontra o broto de uma semente, sob o risco de estancar o processo. E é esse o papel que a mãe tem sobre a germinação do processo que o levará à resolução de seu problema. Sonhador, João pretende que seu negócio com o velho tenha sido uma ótima transação, mas a mãe não acredita nisso. E talvez, se não fosse a mãe, o filho não tivesse plantado as sementes, com medo de que sua fantasia não se realizasse e que sua mãe, afinal, estivesse certa a respeito. No entanto, o jovem precisa ousar desafiar essa gigantesca monotonia, esse pensar monótono que não dá lugar aos sonhos que levam além da condição atual, da situação aprendida e condicionada. Nesse sentido, a mãe de João tem muito a ver com os gigantes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-na3QQGudQz0/Uel5tn1UksI/AAAAAAAACok/zZTGlAvk24I/s1600/jack_cacador_de_gigantes_02.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-na3QQGudQz0/Uel5tn1UksI/AAAAAAAACok/zZTGlAvk24I/s320/jack_cacador_de_gigantes_02.jpg" height="132" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Um dos gigantes do filme</td></tr>
</tbody></table>
Hillman (1996, p. 298) faz referência aos gigantes nos contos em geral. Diz que são conhecidos por serem por demais concretos, literalistas, de raciocínio lento, míopes, sentirem fome constante, e que isso talvez se deva a eles serem vazios. Os gigantes pensam apenas em coisas únicas, reduzindo tudo a uma coisa só para não ter de sair de seu lugar acolhedor, de seu estupor.</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Não é de espantar que, quando crianças, tivéssemos medo de gigante e adorássemos as histórias em que o gigante acabava morto por alguém como Davi ou João-Pé-de-Feijão, ou vencido pela esperteza de alguém como Ulisses. O gigante, com sua burrice adulta, ameaça a imaginação da criança, as conexões ecológicas da criança com um mundo de maravilhas. A burrice é o gigante que não vê as coisas pequenas. Afinal de contas, é um feijão que salva o João-Pé-de-Feijão, e uma pedrinha que salva Davi de Golias. O gigante da psique é outro nome para a caverna da ignorância de Platão, e é numa caverna que Ulisses encontra o Ciclope, o gigante de um olho só, que interpreta ao pé da letra as falas capciosas de Ulisses e, assim, é logrado. (HILLMAN, 1996, p. 298). </blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Aliás, a saída para Ulisses se safar de Polifemo é se apresentar como “Ninguém”. Ele estava fazendo o ciclope se embebedar de vinho para poder escapar.</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-tciurkq06d0/Uel9iuhA2nI/AAAAAAAACpI/LdoFxYF83Ig/s1600/c%C3%ADclope.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-tciurkq06d0/Uel9iuhA2nI/AAAAAAAACpI/LdoFxYF83Ig/s200/c%C3%ADclope.jpg" height="136" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Polifemo e Ulisses em "A Odisséia"</td></tr>
</tbody></table>
Quando o vinho subiu aos miolos do Ciclope, eu lhe dirigi palavras gentis: “Ciclope, perguntaste o meu glorioso nome; eu vou dizer-to; dá-me, porém, o presente, como prometeste. Meu nome é Ninguém. Chamam-me Ninguém minha mãe, meu pai e todos os meus companheiros”. Assim falei e ele replicou-me prontamente, sem piedade na alma: “Será Ninguém o último que comerei depois de seus camaradas; irão primeiro os outros, será esse o presente de hospitalidade.” (HOMERO, 2010, p. 146)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pouco depois, quando o ciclope adormeceu e teve seu único olho penetrado pelo toro de oliveira incandescente, ele bradou chamando os ciclopes das cavernas vizinhas.</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
“Que te aflige tanto, ó Polifemo, para bradares assim pela noite divina e nos tirares o sono? Estará algum mortal, mau grado teu, tangendo embora o teu rebanho? Ou alguém te está matando por dolo ou pela força?”. Do fundo da caverna, respondeu-lhes o robusto Polifemo: “Ninguém, amigos, me está matando por dolo e não pela força”. Eles, em resposta, pronunciaram aladas palavras: “Se ninguém te está maltratando e estás só, não há como fugires à moléstia enviada pelo grande Zeus; reza, pois, a sua alteza Posidão nosso pai”. (HOMERO, 2010, p. 147)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Chamando-se “Ninguém” Ulisses confessou que era ninguém perante aquela presença aterrorizante que devorara seus amigos como tira-gosto. Ele não se inflou, pois sabia qual era seu lugar na situação, e por isso é conhecido miticamente por ser o herói grego mais inteligente e preferido de Atena. Além disso, fica claro nas passagens apresentadas o quanto os gigantes são mentalmente míopes por natureza, como atestou Hillman acima.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro apócrifo de Enoque narra que os anjos tiveram relação com as mulheres dos homens e geraram uma raça de gigantes que devastou a terra. Trata-se, segundo Von Franz (1992b, p. 125), de uma invasão precipitada de conteúdos do inconsciente coletivo na consciência humana. Os gigantes retratam a inflação ocorrida, o que foi catastrófico para a humanidade. A queda dos anjos e seu acasalamento amplia e muito o significado do homem, ocasionando uma inflação da consciência cultural da época. Segundo a autora, trata-se de um conhecimento que evoluiu rápido demais, como ocorre no momento atual. Mas na presente estória, João corta o pé de feijão assim que consegue o seu intento, e intercepta a invasão do conteúdo do inconsciente coletivo, representado pelo gigante, em sua consciência terrena, o que seria catastrófico para sua saúde mental. </div>
<div style="text-align: justify;">
O roubo do fogo dos deuses por Prometeu também é uma comparação pertinente, desde que ocorre um intercâmbio da terra com o céu, na forma de roubo. O titã leva o fogo do Olimpo (céu) aos homens na terra e ensina a eles várias artes e artifícios que atenuariam sua sofrida vida. Prometeu é punido e a raça humana é quase extinta em um dilúvio. Aqui, a iniciativa parte do céu, dos próprios deuses, que de um lado querem ajudar os homens (Prometeu), e por outro, não (Zeus). Na Bíblia ocorre essa mesma ambiguidade, uma vez que Deus coloca a árvore do conhecimento do bem e do mal no meio do paraíso, mas proíbe ao homem de comer de seu fruto. No conto de fadas o jovem não peca, e procede corretamente em todas as fases da trama.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-Y8XdLzmFFq4/Uel5twKshyI/AAAAAAAACow/sLOEfseIs48/s1600/jack_pedefeijao.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-Y8XdLzmFFq4/Uel5twKshyI/AAAAAAAACow/sLOEfseIs48/s320/jack_pedefeijao.jpg" height="240" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Jack e o pé de feijão</td></tr>
</tbody></table>
O fato de João subir pelo pé de feijão e chegar ao céu lembra o episódio bíblico da construção da Torre de Babel pelos homens (Gênesis: 11). Havia um só povo, com uma só língua, que também pretendia chegar ao céu. Deus percebeu que não haveria restrições a tudo o que esse povo quisesse fazer. Então confundiu a língua de todos, o que fez com que se separassem. A estória de João é diferente, pois o incentivo para que o jovem vá até o céu parte do Velho Sábio, do Si-mesmo. A intensão é o amadurecimento, uma tarefa de vida construtiva, e não a inflação, uma atitude desequilibrada e destrutiva psiquicamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Edinger (1992, p. 350) faz referência à escada de Jacó, colocada na terra, cuja parte superior tocava o céu, na qual os anjos de Deus subiam e desciam (Gênesis 28:12). Segundo o autor, essa é uma representação do eixo ego–Si-mesmo, onde a descida e a subida dos anjos correspondem aos processos de <i>sublimatio </i>(sublimação) e <i>coagulatio </i>(coagulação). Psicologicamente, a primeira caracteriza o processo de elevação de experiências concretas e pessoais a um nível de verdade abstrata ou universal. A segunda revela o oposto: a concretização ou realização pessoal de uma imagem arquetípica. Essa experiência constitui uma solução definitiva para uma “crise de identidade”. O caso de João não salienta tal crise, pois sua identidade, enquanto adolescente, não parece estabelecida. O fato de haver um gigante em sua vida denuncia uma inflação – uma condição de irresponsabilidade e insaciável voracidade, no mínimo, uma dependência materna e carência de aspectos do pai. A tarefa de João consiste em manter a integridade da ligação com o inconsciente sem que se identifique com seus conteúdos ou se alheie deles. </div>
<div style="text-align: justify;">
A proposta primária do Si-mesmo é que João mate o gigante interior, expressão da subordinação irrestrita de seu ego aos arquétipos paterno e materno. Um sonho descrito por Von Franz (1992b, p. 126) ajuda a esclarecer ainda mais o presente conto com relação ao sentido do casal de gigantes. O mundo havia sido destruído e o sonhador passeava por Nova York com sua mulher. Bolas de fogo se moviam do céu para a Terra: eram OVNIS que traziam uma raça de gigantes do espaço, causa do apocalipse. Dois deles apanhavam um punhado de homens e os comiam. Nos primórdios, a Terra havia sido organizada por eles e agora eles vinham colher os seus frutos. O sonhador foi salvo porque tinha pressão alta. Seu guia o conduzia a uma prova e, caso passasse, se tornaria um “salvador de almas”, como ele. De repente, viu um imenso trono de ouro onde se sentavam o rei e a rainha dos gigantes. Eram as inteligências por trás da destruição. Sua prova consistia na subida muito difícil de uma escada em direção ao casal, o que tinha que executar passar para salvar a humanidade. Acordou banhado de suor. </div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-gh7FJcCsUEw/Uel5uWwd9CI/AAAAAAAACo8/Dg5CD4oKuFE/s1600/tumblr_lh0h1aVzm31qzsz6ro1_500.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-gh7FJcCsUEw/Uel5uWwd9CI/AAAAAAAACo8/Dg5CD4oKuFE/s320/tumblr_lh0h1aVzm31qzsz6ro1_500.jpg" height="320" width="223" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O gigante sente cheiro de um inglês</td></tr>
</tbody></table>
A autora interpreta o sonho como uma festa de casamento sagrado, a conjunção dos opostos rei e rainha, símbolo da cura de uma profunda dissociação psíquica do sonhador. No conto, o ogro, que deve ser rei, pois usa coroa, desce à terra e morre. A estória, portanto, não trata do casamento sagrado, mas do restabelecimento ou fortalecimento do eixo ego–Si-mesmo. Isso se expressa no esforço de João em conciliar a consciência e o inconsciente nas suas idas e vindas entre o céu e a terra. Ele consegue, com isso, trazer à realidade, ao plano terreno, valorosos itens que roubara do inconsciente. A queda do gigante reflete o "cair na realidade", a "queda das nuvens" de sua inflação - pois João não vivia a própria vida, mas a da mãe, através de sua dependência total, em que esta fazia tudo. Ele vivia no reino da fantasia de que sua mãe podia suprir tudo o que precisasse, pois seio já o fizera por muito tempo. Essa condição começa a mudar com as sanções que a mãe impõe. Sair dessa fantasia envolvia ele atuar ativamente dentro dela, como fez ao visitar o gigante por três vezes, e não fugir de seu conteúdo.<br />
Para o inconsciente, a conquista da consciência é sentida como falta, roubo, pecado. </div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
cada passo em direção a uma consciência mais ampla é uma espécie de culpa prometeica: mediante o conhecimento rouba-se, por assim dizer, o fogo dos deuses, isto é, o patrimônio dos poderes inconscientes é arrancado do contexto natural e subordinado à arbitrariedade da consciência. O homem que usurpou o novo conhecimento sofre uma transformação ou alargamento da consciência, mediante o que esta perde sua semelhança com a dos demais. Desse modo, eleva-se acima do nível humano de sua época ("sereis semelhantes a Deus") [...] (JUNG, 1991d, §243)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Esse alargamento da consciência, para o herói, se liga ao casal de gigantes. João, entretanto, se relaciona apenas com a grande mulher, a quem chama de “mãe”. Isso ocorre porque ele vivenciara mais plenamente uma mãe pessoal, ao contrário do pai. De fato, ela parece ter qualidades maternas suficientes para alimentar, mas não para livrar meninos do apetite voraz do marido. Ela é totalmente submissa a ele e não ousa afrontá-lo, apesar de, na primeira e na segunda vez que abriga João, não parecer tão fiel. Mas o local no céu parece totalmente pertencente ao ogro. Edinger (1992, p. 186) escreve que</div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
Quando o pai pessoal está ausente e, em particular quando esse pai é completamente desconhecido, tal como pode ocorrer com um filho ilegítimo, não há camada de experiência pessoal para mediar entre o ego e a imagem numinosa do pai arquetípico. Fica uma lacuna na psique, através da qual emergem os poderosos conteúdos arquetípicos do inconsciente coletivo. Essa condição constitui um sério perigo. Ela ameaça inundar o ego com as forças dinâmicas do inconsciente, provocando desorientação e perda de contato com a realidade externa. Se, todavia, o ego puder sobreviver a esse perigo, essa “lacuna da psique” torna-se uma janela que fornece percepções a respeito das profundezas do ser. (EDINGER, 1992, p. 186)</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-66yoXEs1Uec/Uel5rWWZu8I/AAAAAAAACn0/3WHREYfCZxo/s1600/20357523.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-66yoXEs1Uec/Uel5rWWZu8I/AAAAAAAACn0/3WHREYfCZxo/s320/20357523.jpg" height="128" width="320" /></a></div>
Parece existir mesmo essa lacuna na psique de João, denunciada pelo tratamento que a mãe dirige a ele e pela imaturidade em não perceber como a mãe iria reagir frente à troca da vaca por pretensos feijões mágicos. O fato de faltar um pai também parece problemático para ele. Essa carência é suprida ao longo do texto através dos benefícios conseguidos com o gigante – a possibilidade ou abertura ao desenvolvimento de outras funções psíquicas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Estas são classificadas em quatro. Em relação aos objetos, as funções da consciência fazem o seguinte:</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: xx-small;"><br /></span></div>
<div align="center">
<table border="1" cellpadding="0" cellspacing="0" class="MsoNormalTable" style="border-collapse: collapse; border: none; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-insideh: .5pt solid windowtext; mso-border-insidev: .5pt solid windowtext; mso-padding-alt: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-yfti-tbllook: 480;">
<tbody>
<tr>
<td style="border: solid windowtext 1.0pt; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Sensação<o:p></o:p></span></div>
</td>
<td style="border-left: none; border: solid windowtext 1.0pt; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-left-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Assegura
que algo existe; abrange as impressões dos cinco sentidos e as corporais
internas.<o:p></o:p></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-top: none; border: solid windowtext 1.0pt; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Pensamento<o:p></o:p></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border-left: none; border-right: solid windowtext 1.0pt; border-top: none; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-left-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Diz
do que se trata; fornece as ideias a respeito do que se apresenta,
percebendo-o como um julgamento racional.<o:p></o:p></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-top: none; border: solid windowtext 1.0pt; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Sentimento<o:p></o:p></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border-left: none; border-right: solid windowtext 1.0pt; border-top: none; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-left-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Fornece
o seu valor; provê os julgamentos de valor (agradável/desagradável, bom/mau,
etc.) a partir dos sentimentos despertados por algo.<o:p></o:p></span></div>
</td>
</tr>
<tr>
<td style="border-top: none; border: solid windowtext 1.0pt; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Intuição<o:p></o:p></span></div>
</td>
<td style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border-left: none; border-right: solid windowtext 1.0pt; border-top: none; mso-border-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-left-alt: solid windowtext .5pt; mso-border-top-alt: solid windowtext .5pt; padding: 0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;"><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt;">Coloca
a par de suas possibilidades, isto é, faz conexões de maneira inconsciente entre
o que é objeto de percepção consciente e subliminar e as apresenta de forma
pronta, como solução ou caminho que se pode tomar.<o:p></o:p></span></div>
</td>
</tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div align="center" class="Estilopadro" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 3.0pt; text-align: center; text-indent: 0cm;">
<span style="font-size: 10.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Quadro
</span><!--[if supportFields]><span style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-size:
11.0pt'><span style='mso-element:field-begin'></span><span
style='mso-spacerun:yes'> </span>AUTONUMLGL<span style='mso-spacerun:yes'>
</span>\* Arabic \e </span><![endif]--><span style="font-size: 10.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"><!--[if !supportFields]-->1<!--[endif]--></span><!--[if supportFields]><span
style='font-size:10.0pt;mso-bidi-font-size:11.0pt'><span style='mso-element:
field-end'></span></span><![endif]--><span style="font-size: 10.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;"> - Atribuição das funções da consciência de acordo com Jung (1991b)<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto, elas se auxiliam ou se opõem, conforme se configurem, respectivamente, lateral ou frontalmente, de acordo com o seguinte esquema:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-vnvEYFlPoGE/UelmIG6TgEI/AAAAAAAACnY/XV-hizMYnHE/s1600/FUN%C3%87%C3%95ES.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-vnvEYFlPoGE/UelmIG6TgEI/AAAAAAAACnY/XV-hizMYnHE/s320/FUN%C3%87%C3%95ES.jpg" height="196" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
Figura 1 - Disposição das funções da consciência segundo o esquema de oposição</div>
<div style="text-align: center;">
Fonte: Sharp (1990, p. 14)</div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O tal gigante constituiu para João, portanto, uma “janela” que forneceu percepções profundas de si mesmo, e que o autor acima referiu – as funções da consciência ainda por aprimorar:</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-VW65MOj_4s4/Uel_43eUDHI/AAAAAAAACpY/6KnLOK6kUZg/s1600/harp.3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-VW65MOj_4s4/Uel_43eUDHI/AAAAAAAACpY/6KnLOK6kUZg/s200/harp.3.jpg" height="200" width="116" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A harpa dourada</td></tr>
</tbody></table>
- a harpa dourada, símbolo da função sentimento, uma vez que suscita os sentimentos através da música;</div>
<div style="text-align: justify;">
- a galinha dos ovos de ouro, isto é, a intuição, enquanto função de captação do que é possível fazer a partir das impressões do momento; ora, a galinha oferece infinitas possibilidades a partir da produção dos ovos; o ovo “contém o germe a partir do qual se desenvolverá a manifestação”; “é uma realidade primordial, que contém em germe a multiplicidade dos seres” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 1990, p. 672); e </div>
<div style="text-align: justify;">
- o saco de ouro – na interpretação mitológica do tarô, o naipe de ouro representa a energia dirigida à realização material, a ambição de concretizar e criar materialmente, com base nos sentidos (SHARMAN-BURKE e GREENE, 1988, p. 187-188); daí sua ligação com a função sensação. </div>
<div style="text-align: justify;">
O fato de João responder ao enigma do velho “afiado como uma agulha” indica que sua função mais desenvolvida ou superior é o pensamento. Isso aliado ao fato de João nem desconfiar de como a mãe reagiria ao saber da troca da vaca pelos feijões, o que denuncia sua ingenuidade em sentimento, o quanto não dá ouvidos ao que sente e desvaloriza sua função afetiva. Se o fizesse, consideraria o receio que sente da mãe, o que é devido por já conhecê-la. Por isso a harpa é o último item a ser levado para a terra, e também o mais difícil de tirar do gigante. A função sensação (saco de ouro) é a que menos oferece resistência do inconsciente; a função intuição (galinha) já tem uma ligação mais forte com o inconsciente, como terceira função a ser desenvolvida pelo jovem, por isso ela “cacareja” pedindo ajuda ao ogro; já o sentimento (harpa), função inferior de João, é a maior conexão arquetípica com o inconsciente, e por isso ela chama o grande ogro de “mestre”. </div>
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<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-zReBS13AU4U/Uel5t9oXGDI/AAAAAAAACo4/i8h23Q2Gke8/s1600/ovo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-zReBS13AU4U/Uel5t9oXGDI/AAAAAAAACo4/i8h23Q2Gke8/s1600/ovo.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Um ovo de ouro: as possibilidades abertas pela intuição</td></tr>
</tbody></table>
Curiosamente, na proporção em que o jovem se abre mais e mais aos sussurros das funções menos desenvolvidas, ele fica mais perspicaz em lidar com as situações que se apresentam. Na medida em que sobe ao céu (inconsciente coletivo) e desce à terra (consciência), o herói vai aos poucos ativando a função transcendente (JUNG, 1991a, §131). Quando leva o saco de ouro e sobe pela segunda vez ele enfatiza mais ainda o fato de ter que satisfazer sua fome à giganta, uma sensação. Na terceira vez que sobe, após ter levado a galinha à terra, ele percebe intuitivamente que o melhor lugar para se esconder é na panela de cobre, e só escapa de ser devorado por isso. Nesse ponto ele está mais conectado aos conteúdos do inconsciente, e por isso a “sorte” o persegue e o universo conspira a seu favor. Existe uma fluidez na conexão de sua consciência com o inconsciente, representada pelo estabelecimento da função transcendente. Os obstáculos da vida não deixam de existir, mas são encarados e transpostos com muito mais facilidade, pois não existe mais a antiga limitação de se prender a um só comportamento, a um só ponto de vista.</div>
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João devia se orgulhar de ser afiado em suas ideias. A possibilidade de desenvolver outras funções muito importantes, de grande valor – daí serem douradas – encontravam-se presas, reféns de um ogro gigante. A este o herói fez cair, quebrar a coroa, isto é, o reinado do ogro sobre sua consciência, e morrer. A ameaça de ser devorado, que a mãe giganta e seu velho exerciam, era o medo de aventurar-se, de conquistar novos horizontes, e abandonar o conforto do já conhecido, da adaptação condicionada às situações de sua vida. Para que ter outras atitudes, outros pontos de vista em relação às mesmas coisas? Para que crescer, morrer como criança e tornar-se adulto? Pode-se dizer que João projetava o casal de gigantes sobre a mãe, e que não mudava seu relacionamento com ela pelo medo de ser simbolicamente devorado. Com a morte da inflação infantil e a percepção de que podia contar com outros pontos de vista muito mais amplos, João alcançou maior maturidade. Só então ele pôde ter uma vida próspera e se casar.<br />
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(Leia mais a respeito: "<a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/2015/03/como-integrar-o-seu-dragao.html" target="_blank">Como integrar o seu dragão</a>")</div>
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REFERÊNCIAS</div>
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* As referências não constantes aqui encontram-se na página das Referências do blog. Clique <a href="http://apsiqueeomundo.blogspot.com.br/p/referencias.html" target="_blank">aqui</a> para acessá-la.</div>
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JACOBS, Joseph. English fairy tales. Portable Document File. Hazleton, PA, 2013. <http: faculty="" jmanis="" joseph-jacobs="" nglish-fairy-tales.pdf="" www2.hn.psu.edu=""> Acesso em 4 jul. 13.</http:></div>
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Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8740003635638410149.post-73952121529541771582013-07-08T11:44:00.001-03:002013-07-08T13:22:55.301-03:00A lição de "Guerra mundial Z"<div style="text-align: justify;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-PgRtKRu8ktA/UdrO84xkU3I/AAAAAAAACkI/4BT_mmlcJdE/s1600/world_war_z_ver2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: left;"><img border="0" height="320" src="http://1.bp.blogspot.com/-PgRtKRu8ktA/UdrO84xkU3I/AAAAAAAACkI/4BT_mmlcJdE/s320/world_war_z_ver2.jpg" width="204" /></a> Um vírus, semelhante ao da raiva, se espalha pelo mundo inteiro. As pessoas infectadas morrem e se transformam em zumbis, sensíveis a qualquer ruído, e loucas para morder e infectar outras pessoas.</div>
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Esse filme impressiona em seus efeitos especiais. Vemos milhares de zumbis se amontoando para vencer obstáculos, como se fossem água jorrando. Talvez por esse motivo, o filme deixa uma impressão de como é frágil a condição humana. Talvez a humanidade nunca seja ameaçada por uma “praga zumbi”, mas a forma como o homem interfere no equilíbrio da natureza pode produzir ameaças talvez tão mortais quanto ela. Recomendo que assistam primeiro ao filme, para que não se deparem com a explanação do final deste, o que poderia ser frustrante para alguns.</div>
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Von Franz (1992), em seu livro “Reflexos da alma”, que inclusive dá uma base histórica para a projeção – fenômeno em que as pessoas transferem para outras conteúdos de seu próprio inconsciente, tratando-as de acordo com estes – explana sobre a temática dos demônios e monstros que povoam mitos e outros contos da humanidade. Certos complexos autônomos do inconsciente podem conseguir força suficiente para aplacar o ego e possuir as pessoas. O “possuído” fica incapaz de ajudar a si próprio, pois os complexos desintegram a personalidade dirigindo-a a ações e pensamentos em torno de um único tema. </div>
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Essa unilateralidade particular do complexo autônomo aparece claramente representada no folclore e nos mitos de muitos povos, visto que os demônios têm quase sempre uma forma defeituosa ou parcialmente humana: os olhos ou o rosto no lugar errado (na barriga, nos órgãos genitais) ou em quantidade “errada” (Polifemo, que só tinha um olho, ou os seres maus de um olho ou três olhos nos contos dos irmãos Grimm). (VON FRANZ, 1992, p. 115)</blockquote>
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<a href="http://3.bp.blogspot.com/-_YPf09TT0nU/UdrLsyMgsLI/AAAAAAAACjo/8e6vxlOBnAI/s1600/guerra-mundial-z-1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: left;"><img border="0" height="212" src="http://3.bp.blogspot.com/-_YPf09TT0nU/UdrLsyMgsLI/AAAAAAAACjo/8e6vxlOBnAI/s320/guerra-mundial-z-1.jpg" width="320" /></a>Então, ela conta um conto a título de ilustração.</div>
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Certo dia, dois irmãos caçando na floresta dão de cara com um grupo de pessoas festejando e bebendo. O irmão mais velho se sentiu atraído a participar, enquanto o mais novo se pôs de lado com medo, pois temia, e com razão, que se tratasse de um grupo de fantasmas, de espíritos de rãs metamorfoseadas em homens. Os irmãos pernoitaram numa cabana e dormiram na rede: o irmão mais velho, já bêbado, ficou com as pernas penduradas próximas ao fogo, e quando o mais jovem o avisou, ele gritou: “Akka, akka!” [como faz uma rã, nota do editor do site], encolhendo imediatamente as pernas. Depois soltou-as de novo sobre o fogo e só então notou que os seus dois pés estavam carbonizados. Aí pegou uma faca, decepou os pés, arrancou as carnes e afinou o osso da perna, deixando-o como uma lança. Deitado na rede, ele espetava então os passarinhos que passavam. Ele não tirava os olhos do irmão e este, então, escapou às escondidas; o irmão doente corre atrás dele apoiando-se nas pontas dos ossos, e no caminho espetou com suas pernas feito lanças, uma corça pensando que era o irmão. O mais jovem voltou correndo para a tribo e avisou os outros. Eles atraíram o doente para fora da rede, cercaram-no e o mataram. (VON FRANZ, 1992, p. 115-116)</blockquote>
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Ora, a analogia com o filme é flagrante. No conto, o irmão mais velho adota como mania o ficar espetando os animais e as pessoas com as pernas decepadas, seu defeito adquirido. Ele perdera os pés, isto é, sua capacidade de estar em contato com a realidade. No filme, as pessoas morrem, mas continuam a “viver”, embora não como humanas, nem como animais, mas de forma estranhamente sobrenatural. Também não são mais deste mundo. Tudo o que sabem é morder as outras pessoas para contaminá-las. A analogia com certas manias recentes também é flagrante: o “curtir” do <i>Facebook</i>, as modas ultrarrápidas do consumo, as trocas por tecnologias mais atuais, enfim, o consumo pelo consumo. Simbolicamente, é pela boca que explícita e figuradamente mais “consumimos”, sejam alimentos, sejam outras pessoas, através da difamação, reduzindo os outros. </div>
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<a href="http://3.bp.blogspot.com/-cDSrcqDO2KI/UdrNKOaHkrI/AAAAAAAACj4/UYAYmiALtMo/s1600/guerra+mundial+z.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="204" src="http://3.bp.blogspot.com/-cDSrcqDO2KI/UdrNKOaHkrI/AAAAAAAACj4/UYAYmiALtMo/s320/guerra+mundial+z.jpg" width="320" /></a></div>
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Porém, estranhamente, os zumbis não contaminam pessoas que já estão predispostas à morte, pessoas que estão contaminadas por qualquer doença que as predisponha à morte prematura. Em “História da arrogância”, Zoja (2000) explica como o homem contemporâneo é ansioso por conforto, e o quanto ele procura negar a morte, a doença, a feiura, usando, para isso, principalmente de métodos farmacêuticos. O homem procura afastar de si tudo o que lembra o aspecto do sofrimento relativa à existência humana. Ultimamente, sobressaem-se notícias de que certos cientistas estejam trabalhando à procura de uma panaceia, que contribuiria para a consecução da “vida eterna”. Entretanto, apesar disso, surgem novas doenças, novas guerras, novos tipos de comportamentos inconscientes destrutivos, entre eles, a drogadição. É como se a morte se impusesse de uma forma ou de outra, apesar de qualquer esforço em contrário. De volta à trama dos zumbis, a cura final se dá com a infecção das pessoas com uma espécie de soro que as contamina com algum tipo de doença, o que as faz aparentemente imperceptíveis aos “mortos-vivos”. Ironia: quando o ser humano abraça a morte e a doença, então os zumbis param de ataca-lo.</div>
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Não quero aqui fazer apologia à morte ou à doença, mas a mensagem do filme é clara ao afirmar que o remédio para o consumismo atual, seja na forma de dependência química, do consumismo desenfreado ou da insatisfação sem sentido, não é a repulsa ao sofrimento. Este deve ser aceito como condição natural do ser humano, e talvez mais necessário à vida e ao desenvolvimento do lado sentimental. Sem este, o homem não aprende a conviver com o outro, nem a viver consigo mesmo. Tal como já vivenciei várias vezes na prática psicoterápica, a fuga geralmente não é saudável, exceto enquanto o ego ainda não se encontra em condições de encarar de forma mais realista sua condição interna. </div>
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<a href="http://1.bp.blogspot.com/-xMVrXTw-DkA/UdrQKusikLI/AAAAAAAACkU/RT-2wqy5_LI/s1600/sem+fronteiras.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="214" src="http://1.bp.blogspot.com/-xMVrXTw-DkA/UdrQKusikLI/AAAAAAAACkU/RT-2wqy5_LI/s320/sem+fronteiras.jpg" width="320" /></a></div>
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E isso talvez seja ainda mais uma pista para a situação do homem contemporâneo: seu desenvolvimento psíquico não está indo de encontro ao fortalecimento do ego, à sua maturidade, daí sua suscetibilidade, sua carência de sentido. Ele não é forte o suficiente para encarar a realidade da vida, sua dureza, sua crueza. Por outro lado, ele também está tendendo a abandonar, cada vez mais, o aspecto espiritual da vida, com a ajuda do qual podia lidar com as agruras do dia a dia. O médico está se transformando no sacerdote da alma, entendida aqui como uma espécie de fisiologia do corpo. E o filme denuncia isso através da vacina. Os personagens não atentam para a condição sobrenatural que os mortos-vivos personificam. Ela aponta para o lado espiritual. Os zumbis podem não mais atacar, mas continuam presentes no final. Procuram apenas incinerá-los, pois não há mais o que fazer, já que as pessoas foram reduzidas a mortos horríveis e animados. Qual será o próximo passo? Espero que não deixem de responder também a isso.</div>
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REFERÊNCIAS</div>
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Von Franz, Marie-Louise. Reflexos da alma. 1. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1992.</div>
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ZOJA, Luigi. História da arrogância. São Paulo: Axis Mundi, 2000.</div>
Charles A. Resendehttp://www.blogger.com/profile/13522010989210516255noreply@blogger.com1