Em busca de sentido

“O sentido torna muitas coisas, talvez tudo, suportável.” Carl G. Jung

O sentido nos conecta à realidade, nos faz viver apesar do sofrimento, dá coerência ao que somos

diante da coletividade, leva luz às trevas e é alimento da alma.

A polaridade política no Brasil e a sombra nacional

I. Introdução
     Percebo a nação brasileira, na atualidade, antes de tudo, como polarizada essencialmente entre duas funções psíquicas principais: sentimento e pensamento. Seria, de modo geral, a condição inconsciente de identificação unilateral com uma dessas funções o que faz com que grandes grupos de pessoas se voltem para certos ideais ou para suas divergentes. Essa contradição se agrava ainda mais na população devido aos interesses das cúpulas governamentais empossadas e as destituídas se voltarem direta e basicamente para fora: as pessoas e as coisas. Assim, as ações em geral se orientam pelas influências recebidas das pessoas e das coisas, caracterizando a atitude extrovertida no agir e no lidar. Então, o embate principal da polarização ativa no Brasil deriva de como se relacionar com as pessoas e as coisas exteriormente. Um pouco de reflexão introvertida, como a proposta pela psicologia junguiana, traria um pouco mais de "tempero" a essa discrepância. É o que se propõe neste texto. Se o leitor não possui familiaridade com os tipos psicológicos de Jung, remeto-o aos textos "A verdadeira atitude científica" e "A ampliação da consciência humana", que poderão informá-lo melhor.
     Consideremos a nação brasileira como um indivíduo e sua psique. O governo, o poder executivo, representaria o eu; as instituições que o apoiam, o legislativo e o judiciário, fariam parte de sistemas regulatórios dos processos conscientes dentro da personalidade nacional, e que, ainda assim, comporta também certos setores inconscientes porque mais desconsiderados. Assim, podem representar, por exemplo, funções psíquicas menos conscientes, auxiliares ou até antagônicas ao executivo. Os diversos partidos excluídos do executivo personificariam os vários complexos nacionais, cujas expressões seriam mais ou menos inconscientes (individualmente, equivaleriam aos complexos autônomos). Na dinâmica psíquica da nação, existe uma movimentação dos partidos/complexos do inconsciente para a consciência com o passar dos anos. Esses partidos podem incorrer nas seguintes possibilidades em relação ao ego/governo: identificação, repressão ou percepção consciente de suas personificações.

II. A repressão de partidos e facções divergentes
     A identificação ocorre quando o partido se apossa do ego, e este se identifica com ele. O presidente do partido do governo, e este como um todo, por exemplo, confunde o cargo e os papéis que ocupa e o exerce de forma pessoal, desconsiderando a impessoalidade do cargo. Disso pode advir, dentre outras possibilidades, a corrupção.
     A repressão de partidos pelo ego/governo ocorre quando partidos de valores e ideias opostos não aceitam a existência de contradições em relação a si. Então, o governo nem toma consciência dos conteúdos desses partidos, ignorando-os simplesmente porque são diferentes dos seus. Na repressão pode ocorrer uma espécie de estagnação, dependendo se essa repressão for mais ou menos forte. Com a rejeição absoluta desses partidos considerados "inferiores", a tendência é não ocorrerem mudanças; por conseguinte, forma-se uma tendência à resistência irracional ao governo instituído, reflexo da atitude autoritária do ego/Governo. Exemplo desse ciclo pode ser encontrado durante a fase da ditadura/Governo Militar, onde haviam censuras constantes às expressões de oposições às ações e ideais do governo vigente. As modalidades expressivas e artísticas do povo e dos artistas, que pontuam esse momento, podem ser consideradas como fantasias, sonhos e sintomas que ocorrem comumente no âmbito individual. Visam compensar e corrigir a atitude unilateral da instância consciente. 
Transposição do esquema psíquico junguiano para a nação brasileira.
     Na medida em que um partido tradicional permanece no governo, isso equivale a uma atitude de longa data que insiste em continuar. Nada muda. Os partidos e os rebeldes ao governo ficam no "inconsciente", fora da consciência, e, por isso conservam-se infantis, primitivos e desvalorizados. Ao assumir o governo, podem expressar traços dessas características. Exemplos disso é o modo como o governo, apesar de haver revitalizado a condição dos mais pobres, tratou os instrumentos de que se utiliza o Estado: a corrupção, a pretensão de que se poderia esbanjar dinheiro em programas sociais sem um limite mais real - talvez por se identificar de maneira pessoal ao governo. Desde que não houve preocupação com limites econômicos, a ponto de provocar uma crise posterior, com consequência para esses mesmos pobres, reitero o uso da palavra "esbanjar". O governo de então "esbanjou" dinheiro sim, pois não fez uma aplicação responsável, sem o que não estaríamos na crise atual.
     Se alguma parte dos "poderes" do eu, devido à rigidez deste, também fica longo tempo reprimida, acaba por manter-se subdesenvolvida e ingênua. Na medida em que são violentamente reprimidos, acabam conspirando para tornarem-se novamente visíveis e considerados parte do todo. À medida que o tempo passa, o tradicional governo se desgasta, pois não pode oferecer nada novo, já que realiza o que sabe, mas que é, ainda assim, insuficiente para abranger e praticar justiça ao todo. Produzir algo diferente é adotar a perspectiva oposta, que é considerada inimiga ou diabólica. Aliás, o novo sempre é diabólico, já que sua implantação requer um rebuliço no que é percebido como "normal": tudo vira um caos até que a ordem relativa ao novo se estruture e acomode a todos. Ao longo da história, isso ocorreu com várias inovações que quebraram antigos costumes: o rock, a ciência sobre a religião, seitas modernas, uma nova moda, um costume recente, etc.

III. O irromper da sombra e o desgaste do espírito conservador
     Ora, se a consciência mais tradicional se desgasta, os aspectos sombrios ganham energia para novos impulsos. Estes podem se manifestar de maneira cada vez mais ampla com o tempo, obtendo o apoio de todo o "inconsciente", já que o representa enquanto elemento sombrio. Se esse partido consegue assumir o eu consciente, conseguirá alguma inovação, na medida em que essa "assunção do eu" não for tão somente uma mera identificação. Quando me identifico com minha sombra, não penso no quanto estou diferente, mas excito-me com as novas atitudes que tomo, sem pensar nos valores tradicionais que me ocupavam outrora. É como se fosse tomado por uma paixão. Porém, infelizmente, esse fogo acaba um dia, e aí vou pensar no quanto fiz besteira em nome de uma chama provisória. Ao identificar-me com esses aspectos sombrios, não penso nas minhas outras partes que reprimi, tornei inconscientes. Estas já não me integram mais, só o novo. Porém, mal me dou conta de que nenhum elemento psíquico me pertence, mas sim à totalidade, que está muito além desse miserável e pequenino eu. Penso que foi mais ou menos isso que ocorreu com o PT.
     Ao se identificar - "Eu sou o governo", "Eu sou o povo", "Eu sou as instituições" - tomou mais do que pertencia a si. Pensou-se maior do que sua verdadeira medida. Inflacionou-se. Outro sintoma dessa inflação é a pretensão de atuar como ditadura, uma espécie de grande rigidez da consciência, uma intensa cisão psíquica, o que configurou, por exemplo, na intenção de censurar ou limitar a imprensa. O louvor do poder pelo poder acabou por degenerar em corrupção, já que não ocorreu uma distribuição equilibrada de recursos à consciência, aos instintos e arquétipos, mas sua usurpação pelo complexo-PT com que o eu/Governo de então era identificado. Essa luta pelo poder parece ocultar uma espécie de medo de ser novamente relegado ao esquecimento, de ser desvalorizado e humilhado. Entretanto, o que ocorre com um balão inflado, com o tempo? Naturalmente, ele murcha até adotar a exata dimensão do seu ser real. Como partido que nunca teve o aval da psíquica nação, ao assumir, adotou posturas infantis e ações primitivas, inadequadas, ocorrência idêntica à inflação no contexto de um indivíduo. Alguns petistas, em um momento de lucidez, ousaram afirmar que, como nunca governou, "quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza". E este é o ponto exato: não saber como se comportar adequadamente na direção da nação. Outros, delirados com o partido, não levam em consideração os demais, adotando um procedimento unilateral, tomando a parte pelo todo.
     Outro ponto a ser levado em consideração está no modo como os partidos são conduzidos por suas lideranças. Em geral, tornaram-se um fim em si mesmos, ao invés de servirem às expectativas da população. O grupo que representa o povo passou a representar-se a si mesmo, para si mesmo. Na psique do indivíduo, a sombra - um lado da personalidade que engloba tudo o que o ego não quer ser e que rejeita, negando fazer parte de si - pode se manifestar como exprimindo a personalidade como um todo, já que, trazendo o que falta, a completa. Talvez este tenha sido um dos fatores propiciaram identificação do PT com os cargos públicos. Como sombra emergente, julgou-se como refletindo a totalidade, o todo, e não somente uma pequena parcela do conjunto. Os partidos afastados da liderança/consciência, como reação de resistência, para compensar, adotaram procedimento semelhante.
     Assim, não penso que o PT ou qualquer outro partido deva ser banido ou destruído, pura e simplesmente. Fazer isso é tornar suas expressões mais sombrias, é mandá-las de novo ao "inconsciente", de onde um dia há de voltar, talvez mais rude do que antes, talvez até na forma de um novo partido ou quem sabe assumindo um já existente. Querendo ou não, ele representa parcela significativa do povo brasileiro, seus costumes, suas atitudes. Odiá-lo é, em uma perspectiva mais profunda, odiar a própria sombra que ora se projeta sobre o partido. Agora é momento de reflexão, de "baixar a bola" e se julgar com isenção, com mais maturidade, seja pelo PT, seja por cada cidadão brasileiro. O reconhecimento da culpa trará mais maturidade para que, mais adiante, quem sabe possa elevar-se novamente a uma posição dirigente, com menos presunção e mais equilíbrio. O maior mal da política é não saber administrar o poder, seu principal instrumento. Este deve servir ao povo, à nação, à totalidade, não a uma parte, a um partido.

IV. O governo e o perfil psicológico de Lula
     Por 16 anos o ego/Governo foi representado, principalmente na primeira metade, pelo seu líder máximo, Lula, que trouxe à tona os valores da função sentimento. Esta é uma função mais pessoal, que usa da misericórdia, do relacionamento e da liderança amigável, afetiva, que é parte constituinte da consciência do Si-mesmo brasileiro, característico desse povo. Se Lula conseguiu com que seu partido permanecesse no poder por vários anos, isso se deve à identidade entre sua função principal - sentimento - e à importância geral que o povo brasileiro dá ao sentimento. Lula possui uma grande capacidade de inteligência emocional, e esta compensou e muito a deficiência intelectual que é alardeada por seus opositores. Zacharias (1995, p. 111s) diria que os tipos sentimentais contribuem para a comunidade através do seu apoio leal às boas obras e aqueles movimentos considerados bons pela comunidade, a respeito dos quais sentem que sejam corretos e que podem servir efetivamente. Daí a atenção voltada às minorias. Os tipos sentimentais são mais fortes em contato social do que em habilidades de execução; por isso, se Lula ainda fez muito pelo povo, isso se deve muito à sua assessoria, que é essencial em qualquer governo e que não o desabona em nada seu desempenho.
     Porém, o funcionamento psicológico de Lula ao nível do sentimento, por mais que seja empático à população mais pobre, mais social, e preocupado com a imagem pública (que em psicologia chamamos de "persona"), o que colabora muito para seu carisma, acaba pecando pelo caráter mais pessoal de sua abordagem. A função sentimento, ao contrário da função pensamento, tende a perceber as coisas de uma maneira mais pessoal, mais próxima das pessoas, das situações e das coisas. E talvez esse fato, aliado à carência de desenvolvimento de mais funções, que poderiam ajudá-lo a aguçar sua percepção consciente da realidade, possa ter levado o então presidente Lula a se identificar com o cargo, compreendê-lo como uma ocupação pessoal, e não um cargo público, pertencente ao Estado. Digno de nota, por demonstrar esse caso, é o fato de vinte e um objetos de posse de Lula, guardados em cofre no Branco do Brasil, terem sido apreendidos e reincorporados ao patrimônio da União: eram objetos recebidos pelo ex-presidente de chefes de estados e outras autoridades quando ocupava a Presidência - medalhas, canetas, insígnias e arte sacra (GIMENES e VIANNA, 2017). Como o ex-Presidente possui a função sentimento altamente desenvolvida, sua função inferior, menos desenvolvida, é a intelectual, pensamento. Assim, Lula tenderia a se encontrar em desvantagem em tudo o que se relaciona a essa função, que permaneceu no inconsciente, subempregada na maioria das vezes, tornando-se primitiva. Somando-se isso ao fato de não ter sido favorecido com maior grau de instrução, aqueles que se opõem a ele e ao seu partido, o acabam criticando nesse fator. Talvez se tivesse avançado mais nos estudos escolares, sua função pensamento o tivesse ajudado a separar mais o que é pessoal da coisa pública.
Fonte: adaptado de Zacharias (1995)


V. O governo e o tipo psicológico de Bolsonaro
     Já Bolsonaro é um expoente da função pensamento, mais impessoal - daí não se voltar tanto para as minorias, mas se ater mais ao geral, usar da justiça da lógica, mais isenta às emoções. Os tipos pensamento, se forçados a escolher entre dizer a verdade nua e crua ou dizê-la de forma indireta, preferem a primeira alternativa. Têm a tendência de questionar as conclusões dos outros, com propensão a achar que os outros estão errados. Isso é muito explícito no presidente, pois ele não mede suas palavras, o que denota uma ingenuidade com relação ao seu sentimento que, se fosse levado em consideração, serviria de alerta da inadequação das sentenças empregadas, que ferem o afeto. A função sentimento no Presidente, assim, encontra-se no inconsciente, é psicologicamente considerada "inferior", uma vez que foi pouco empregada de forma consciente ao longo de sua vida, apresentando um subdesenvolvimento psíquico. Isso ocorre em geral com todos os que possuem a função pensamento mais avançada que as demais, e não é, de modo algum, exclusivo do Presidente. Os tipos pensamento são também mais fortes em habilidades de execução do que em contato social; se o Brasil necessita de ações efetivas no combate à corrupção e ao suporte em relação à disciplina e às regras, este momento é chegado. O tipo pensamento contribui para a comunidade pelo seu criticismo intelectual presente em seus hábitos, costumes e crenças, expondo os pontos errados, solucionando problemas e dando suporte à ciência e à pesquisa para o aumento do conhecimento da compreensão humana (ZACHARIAS, 1995, p. 111s). Acredito que o apoio à ciência e à pesquisa será aos poucos retomado no governo Bolsonaro, e que foi temporariamente suspenso para exame apurado.
     Como Bolsonaro é um capitão do Exército, é propício levantar a pesquisa que Zacharias (1995) fez na PM de São Paulo. O autor citado, em sua obra “Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional – Uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo”, através da aplicação do M.B.T.I. (The Myers-Briggs Type Indicator – Indicador Tipológico Myers-Briggs), conseguiu realizar comparações da PM paulista com instituições de outros países, por meio dos tipos psicológicos junguianos. Por meio de uma pesquisa sobre a auto-imagem do policial, ele construiu um perfil geral dos seus principais valores e atitudes, que incluem: disciplina e cumprimento de regulamentos, leis e regras (função pensamento), além de submissão à hierarquia e à autoridade (função sensação). Os valores menos importantes estão relacionados com o relacionamento interpessoal (função sentimento) e a busca de novas idéias (função intuição).
     O autor concluiu que o tipo ISTJ (tipo sensação introvertido, função pensamento como auxiliar) era bastante adequado, e que a disciplina e a hierarquia - também pilares do Exército, era bem assimilado por ele. A atitude de introversão lhe confere a qualidade concentração, no sentido de não levar em conta o que lhe ocorre à sua volta. Assim, é mais garantido que a ordem seja cumprida, não importando as condições em torno do sujeito, como requerido. O perfil psicológico do policial resume-se a aceitar e cumprir ordens e regras, obedecer à hierarquia, viver em um ambiente organizado, ser conservador e defensor da ordem em vigor, com o prejuízo de mudanças percebidas como ameaçadoras, cumprir o dever sem dar atenção ao meio externo, perceber o mundo por meio da lógica (pensamento) e do realismo (sensação), desprezando os valores pessoais (sentimento) e idéias inovadoras (intuição).
Esquema aproximado do estado psíquico coletivo segundo a tipologia junguiana 
     Portanto, quando se fala em instituições, está-se falando da influência da coletividade sobre os indivíduos, assim como da exigência de determinadas funções em detrimento de outras. Valorizando o tipo sensação aliado ao pensamento, consegue-se um militar apegado às tradições e que dificilmente aceita mudanças na rotina, o que pode ocasionar uma falta de desenvolvimento ou progressões no âmbito geral, uma vez que estas advém com as transformações. Porém, o que o povo clamou nas últimas eleições é uma volta justamente de antigos costumes que denotam respeito e dignidade sociais, em oposição ao individual, além da observância de preceitos. Isso não quer dizer que esse tipo seja isento de corrupção; apenas que esta pode ocorrer de maneiras diferentes como, por exemplo, usando-se da racionalização, isto é, o uso fantasioso da função pensante, de forma a ceder a objetivos distorcidos sob a camuflagem aparente de uma racionalidade. Com Bolsonaro, espera-se de seu tipo psicológico, no mínimo, a não identificação com o cargo, o que ocorreu em geral com os membros do PT eleitos/nomeados para o governo. E isso é improvável, como exposto aqui.

VI. Existe a possibilidade de um governo ideal?
     É preciso deixar claro que não existe um perfil psicológico ideal para ocupar a presidência de um país. Talvez o ideal fosse que no mínimo quatro pessoas extrovertidas e quatro introvertidas, de funções diferentes, exercessem essa função conjuntamente, aplicando cada ponto de vista a cada matéria em questão. Mas temo que isso seja impossível ou inaplicável, do modo como a função do executivo se configura atualmente. Essa forma, porém, tende a respeitar muito mais a totalidade de pontos de vista do que o formato atual, concentrado apenas em um indivíduo.
     Dentro da comparação já proposta neste texto, outra forma de relação ego/Governo com os partidos seria a percepção consciente das representações ou expressões dos partidos inconscientes, que configuraria uma aceitação relativa da presença da imagem desses partidos na consciência coletiva do governo. Isto ajudaria a configurar uma atitude inclusiva e não polarizada do governo e da nação como um todo. Essa fase é o primeiro passo para uma maior integração psíquica nacional como um todo. Com certeza, se estabelecida pelo menos inicialmente, o país se encontraria num estágio mais adaptado econômica e socialmente.
     A Constituição Brasileira e as leis que derivam dela e a regulam representam a função pensamento como parte da totalidade do Si-mesmo nacional. Faz parte do sistema regulatório da nação psíquica. Assim, ela prevê ciclos temporários de assunção de complexos ao ego/Governo. Essa circulação é extremamente benéfica ao equilíbrio e adaptação da nação ao mundo e a si mesma, inerente ao seu povo. E esses ciclos, os maiores e os menores, ocorrem também no indivíduo, principalmente quando se pensa nas duas metades da vida: a primeira, voltada à adaptação mundana, mais extrovertida, e a segunda, direcionada à transformação espiritual, mais introvertida, que mira a morte. Se esse é um ciclo individual instintivo, que ocorre habitualmente, por que não deveriam ocorrer em uma nação, ou ao nível mundial, uma vez que aí se trata de uma coletividade de indivíduos? Portanto, por mais que se resista a um ponto de vista justamente por representar o oposto de um ideal, que seja de humanidade ou qualquer outro, se deveria antes questionar a própria postura rígida e obstinada ao novo estágio, que faz parte de um sistema de autorregulação orgânico e humano, que ultrapassa percepções particulares e estreitas. Isso apesar desse sistema de autorregulação localizar-se no mundo exterior, lá fora.
     Mas será que o que ocorre exteriormente está tão assim isolado da nossa psique? Será que os mecanismos que operam lá fora são muito diferentes daqueles que acontecem interiormente? Penso que não. E isso tem fortes implicações sobre o tipo de resistência que muitos psicólogos, políticos, militares, civis ou outros profissionais, aplicam sobre o governo ou sobre a oposição. A oposição política pode ser qualquer coisa, menos cega, no sentido de se opor só para contradizer, só para resistir, pois isso caracteriza uma postura totalmente inconsciente e não lúcida. A tendência é o Governo acirrar ainda mais o confronto, depreciando essa postura e obtendo o favor da massa. Nesse sentido, o ego/Governo seria fortalecido, a sombra (partidos de oposição) seria empurrada mais ainda para a obscuridade, e nenhum avanço maior no sentido do equilíbrio ocorreria por um tempo.
     Antes de tudo, a polarização política no Brasil é caracterizada primordialmente pelo embate da função sentimento com a função pensamento, pela postura de misericórdia versus justiça. Por um longo tempo, a primeira atitude predominou e estabeleceu um novo paradigma na forma de governar, que acabou se corrompendo. A corrupção é como uma neurose no âmbito político. Grande parcela da população escolheu separar, analisar e diferenciar esse modo corrupto de proceder por meio da "espada" do pensar. E isso fere, como já mencionado, o sentimento, na medida em que é uma prática fria e impessoal. No entanto, o pêndulo da compensação foi requisitado para contrabalançá-lo. Também é necessário, tem o seu papel e pode contribuir com o processo.

OBSERVAÇÕES
     A comparação que faço aqui é aproximativa e limitada. A análise dos grupos e instituições não se estende aos indivíduos que os compõem, pois a atitude destes é muito variável e pode até se opor inteiramente ao próprio grupo. A associação dos conceitos psicológicos com partidos não tem fim depreciativo, pois quaisquer dos primeiros representam sempre figuras essenciais e muito importantes à psique coletiva. Nesse sentido, agradeceria qualquer contribuição que eu pudesse acrescentar a este texto que o enriquecesse ou o ajudasse a compreender mais o contexto atual do nosso país, o que seria feito com a devida citação de autoria.
     A transposição que foi efetuada aqui entre os processos psíquicos e os políticos pode parecer mecânica e simplista, talvez porque pensemos que as pessoas, animais e coisas materiais "lá fora", vistas e apalpadas, sejam muito diferentes dos elementos psíquicos, estes sim, dinâmicos e de aparência muito mais "orgânica". Talvez tenhamos essa impressão por não percebermos a teia invisível que conecta a tudo e a todos externa e internamente. Não nos damos conta do "efeito borboleta", de como a batida de asas de uma borboleta pode desencadear, em seus vínculos inicialmente sutis, estragos como a passagem de um tufão. Portanto, o que me acontece a partir de fora, neste momento, neste lugar, está profundamente conectado interiormente comigo, com a minha pessoa, minhas ações, meus pensamentos. O que faço reflete em meu país e vice-versa.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

GIMENES, Erick; VIANNA, José. Moro determina que presentes recebidos por Lula enquanto presidente voltem ao patrimônio federal. G1. Curitiba/PR. 28/04/2017. Paraná - RPC. Disponível em: . Acesso em 25 nov. 2019.

JUNG, Carl G. Tipos psicológicos. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1991e. v. VI.

ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Tipos psicológicos junguianos e escolha profissional: uma investigação com policiais militares da cidade de São Paulo. São Paulo: Vetor, 1995.

4 comentários:

Clara disse...

Parei no "esbanjar dinheiro com os pobres".. patético!

Charles A. Resende disse...

Clara, desde que não houve preocupação com limites econômicos, a ponto de provocar uma crise posterior, com consequência para esses mesmos pobres, reitero o uso da palavra "esbanjar". O governo de então "esbanjou" dinheiro sim, pois não fez uma aplicação responsável, e não estaríamos na crise atual.

Unknown disse...

Simplesmente fantástico, parabéns por escrever com imparcialidade e por ter coragem de ir "contra" a massa de psicólogos que foram manobradas.

1999Wendryl disse...

Muito bom! Uma abordagem imparcial analisando os dois aspectos políticos do ponto de vista psicológico.