Em busca de sentido

“O sentido torna muitas coisas, talvez tudo, suportável.” Carl G. Jung

O sentido nos conecta à realidade, nos faz viver apesar do sofrimento, dá coerência ao que somos

diante da coletividade, leva luz às trevas e é alimento da alma.

Análise da figura "Whisper", de Lizzy-John


     A figura é muito interessante pois aglomera vários símbolos em uma só imagem, ligando-os e expressando, como sempre ocorre com os símbolos, uma situação em sua maior parte inconsciente. A apreciação a seguir utiliza o conhecimento da Psicologia Analítica e símbolos universais, além de ser pessoal e, portanto, parte do ponto de vista subjetivo de seu autor.
     O gigante cinza se mostra dividido, a começar pela cabeça, depois pelo Tai Chi (Yin/Yang), pelos ombros, e pelas figuras nos ombros. Por outro lado parece haver um esforço para se integrar através do abraço, da proteção que oferece à figura do centro. A tensão entre os opostos no Tai Chi parece estar se desfazendo, pois há rachaduras nos contornos das figuras das gotas, inclusive em seus núcleos. O Tai Chi encontra-se no lugar dos olhos do gigante: ele vê através da oposição, através do conflito dos opostos. Devido ao gigante ser central e o maior elemento da figura, ele pode ser considerado o a expressão da totalidade da psique (o Self), pois abarca as partes e o todo, a divisão e a junção, o branco e o preto, a sombra e a personalidade consciente. Uma ruptura com uma antiga atitude parece na iminência de ocorrer, uma espécie de morte, pois a tensão dos opostos está para se desfazer. Porém, o Self toma uma atitude protetora, de contenção do processo.
     Os ombros: do lado direito há uma tatuagem que parece pôr a descoberto os músculos do gigante: outra ruptura. O que está dentro parece se revelar através da arte corporal. Por outro lado, no lado oposto, há espinhos, uma forte proteção ou reação a qualquer aproximação ou toque, advindos da sombra monstruosa que se apoia entre os espinhos. Essa figura é verde, lembra o lodo, o pântano, figuras cadavéricas, que parece se desfazer em figuras menores que se destacam da mão direita da figura. Por isso parece se desfazer, se fragmentar. O monstro verde parece gritar ao ouvido do gigante, tais como os pesadelos normalmente fazem com o sonhador: sua intensidade alerta para a emergência de se atentar a seus conteúdos. Seus cabelos chegam a tocar a figura do ombro oposto, onde há um "x" vermelho, rosa, símbolo do conflito, mas ao mesmo tempo da vitalidade, do amor (a cor vermelha).
     A jovem branca do outro lado parece sussurrar algo aos ouvidos do gigante. E o título atribuído ao quadro pela autora é “Whisper” - sussurro, confidência, segredo. É como se a situação retratada pela figura significasse algo íntimo, escondido, que não se deve espalhar. A atitude de contenção do gigante remete a isso também. A jovem branca não necessita gritar, pois está do lado mais consciente da personalidade. Parece emanar da tatuagem do homem. A expressão através da tatuagem parece fazê-la mais branca - consciente, e branda, como normalmente uma expressão faz àquele que a efetua. O toque dos cabelos denuncia que a jovem é o reflexo da sombra e que, apesar da tensão dessas figuras, elas são como as faces da mesma moeda: o gigante cinza, união do branco e do preto do Tai Chi.
     O gigante parece brotar de uma cratera na terra e dela também emerge a corrente dourada que o prende no bracelete do braço esquerdo. Uma verdadeira erupção do inconsciente, uma expressão artística esse gigante, que emerge para mostrar o que vai no interior do artista ou, talvez, de uma condição coletiva. E no interior do gigante se vê uma jovem em posição fetal. A ligação com o gigante se evidencia pela tornozeleira dourada na perna esquerda. A figura está vestida, denotando a persona, e aí parece refletir a personalidade consciente do sujeito, que veste luto (depressão, nigredo?) e tem os cabelos longos e despenteados, não mostra os olhos. Ela está envolvida por uma cinta prata (a brancura da albedo?). O braço esquerdo está sujo de sangue: acaso essa figura imergiu seu braço em um organismo vivo (os mortos não têm sangue vermelho vivo) para obter ou tocar algo? Será que esse toque a levou à situação representada nessa figura? Na superfície, na consciência, parece que haverá uma ruptura, mas em nível mais profundo há um vínculo intenso, uma forte ligação (abraço, corrente e envolvimento pela cratera). O ego da jovem está como que no ventre da "baleia", na viagem da "noite escura da alma".
     A figura como um todo parece expressar a angústia que toma uma pessoa envolvida no conflito dos opostos, a coesão e a fragmentação que toma conta da psique. As folhagens que molduram a figura parecem representar que esse processo é natural, faz parte integrante da natureza, como se se integrassem aos processos vegetativos do corpo, expressão da alma.