Em busca de sentido

“O sentido torna muitas coisas, talvez tudo, suportável.” Carl G. Jung

O sentido nos conecta à realidade, nos faz viver apesar do sofrimento, dá coerência ao que somos

diante da coletividade, leva luz às trevas e é alimento da alma.

Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente


     A imaginação ativa sempre me fascinou. Desde que conheci esse método, percebi que algo faltava nas terapias que fazia, que diversos problemas não poderiam ser sanados através da simples análise ou de outras técnicas terapêuticas. A oportunidade de poder lidar com o inconsciente sem a interferência de outra pessoa soou muito atraente e pertinente, afinal, não pretendia ter um psicólogo à disposição durante o resto da vida sempre que me sentisse dominado pelo inconsciente ou em conflito. Intuitivamente, percebi que até mesmo certas compulsões pessoais podiam encontrar solução onde nenhuma outra prática havia tido sucesso. E eu estava certo.
     “Jung diz em suas Cartas que entrar no sonho e fazer um trabalho de imaginação ativa é a segunda metade da análise e que, sem imaginação ativa, ninguém pode jamais tornar-se independente de um psicoterapeuta” (MINDELL, 1989, p. 130). Essa frase testifica de forma clara a importância da imaginação ativa (IA) na prática terapêutica, em terapia ou não. Entretanto, é interessante indagar por que o autor afirma que tomar um sonho como origem de uma IA é “a segunda metade da análise”. Ora, pode-se constatar o quanto  o sonhador perde sua autonomia na trama do sonho, atuando e tomando decisões de forma totalmente inconsciente. Geralmente é difícil o ego onírico controlar o mais simples dos acontecimentos. A IA é a oportunidade que o indivíduo tem de tomar uma atitude mais ativa frente aos obstáculos que aparecem nos sonhos. O eu tem a oportunidade de mudar suas atitudes dentro do sonho e, o que é mais importante, como um efeito terapêutico vital, mudar também de atitude em sua própria vida desperta. Na medida em que ocorre a interação ativa com os personagens oníricos, ocorre uma ação recíproca com as forças íntimas desconhecidas que, personificadas no sonho, têm grande domínio sobre o eu. Essas forças tornam-se mais conhecidas do indivíduo na IA e, por isso, começa a trilhar o caminho do autodomínio.
     Outra possibilidade de se trabalhar um sonho quando em IA é poder continuá-lo quando termina abruptamente. Através da IA pode-se conseguir prorrogar o sonho e perceber como será concluído. É possível questionar se esse seria o término verídico do sonho, mas a forma como ele prossegue na imaginação, muitas vezes tomando caminhos surpreendentes e despertando insights poderosos sobre o praticante, nos mostra que se a IA não prosseguiu como o sonho ocorreria, no mínimo ela tocou na mesma fonte psíquica que gerou o sonho. 
     Quando efetuada corretamente, cada fantasia ativa – outro nome para a IA – contribui com algum aspecto do nosso autoconhecimento. Quando o sonho é tomado como uma realidade em si, tal como a realidade exterior, e não se procura mudar nenhum aspecto em seu cenário, objetos ou personagens, exceto no relacionamento que o eu tem com eles, está se praticando a verdadeira IA. Isso porque o trabalho interior deve partir da realidade psíquica, do que o indivíduo é, e não do que deseja ser. Os ideais ainda não são condições materializadas e podem apenas, no máximo, encobrir o verdadeiro ser.
     “Por intermédio dos processos fortuitos do condicionamento social fomos levados a aprender demais algumas poucas características, que agora identificamos como sendo nós mesmos [...], excluímos a porção maior da nossa natureza multidimensional; tornamo-nos unidimensionais” (ROSSI, 1982, p. 24). E um dos principais fatores de condicionamento social que leva a essa identificação com alguns poucos aspectos é a adoção do nome pessoal. O nome leva o sujeito a pensar sobre si mesmo como sendo certa pessoa e não outra, um in-divíduo (não dividido) e não uma pessoa com vários pensamentos, sentimentos, percepções, emoções, instintos, etc., muitas vezes divergentes. Quando alguém afirma que é “João”, “Maria”, “José” ou “Rafaela”, por exemplo, é levado a pensar que é uma pessoa, e não múltiplas, o que é totalmente ilusório. 
     Além disso, a sociedade e a educação parental, esta influenciada pela primeira, acaba levando à adoção de certas qualidades e habilidades preferenciais em detrimento de outras que não são úteis ao convívio social. Por isso, se se confunde agressividade com violência, por exemplo, o que é passível de ocorrer com crianças e conservar-se em adultos, o indivíduo pode reprimir todas as formas de expressão de agressividade tornando-se um sujeito totalmente passivo e receptivo à violência alheia. Ora, a assertividade, a boa argumentação, a demonstração de valor próprio, a exigência de respeito pelos outros, etc., demandam certo grau de agressividade. Se um indivíduo não aprende a se conscientizar e amar seus aspectos agressivos e até violentos, não saberá usar esses aspectos para se proteger legitimamente, pois não serão seus “amigos íntimos”. Em geral, para o entorno social ele deve ser educado, ponderado, reflexivo, inteligente, enquanto para as pessoas que censuram esses mesmos aspectos em si mesmas, reforçadas a serem altamente agressivas por seu grupo ou família, esse mesmo indivíduo não passa de um verdadeiro “banana” passivo. Porém, no final das contas, todos saem perdendo: tudo o que é reprimido não é passível de domínio – o primeiro sacrificará qualquer grau de agressividade; os outros, qualquer nível de ponderação e reflexão.
     Qualquer conteúdo reprimido que deixa de ser acessado pelo eu ou que por algum outro motivo não seja “digerido” ou integrado por este ao sistema consciente, perde seu domínio e ganha autonomia. Esse tipo de conteúdo chama-se complexo: um aglomerado de ideias, noções e imagens mantidos unidos por uma emoção comum, que os permeia. Esta constitui a vitalidade (energia psíquica) do complexo que vai para o inconsciente e que antes estava disponível ao eu. Essa energia, como parte do complexo, irá atuar em relação à consciência como um obstáculo “invisível”, que o eu não percebe devido à repressão. O eu, dependendo do nível de vitalidade perdida para o inconsciente, sofrerá certo grau proporcional de indisposição, cansaço, desatenção, falta de concentração, etc. Em parte por esse enfraquecimento do eu, mas também devido ao fortalecimento do inconsciente devido à adição de energia antes pertencente ao lado consciente da personalidade, o complexo “invisível” ao eu poderá gerar esquecimentos espontâneos, acidentes, lapsos de fala e dos sentidos, e vários outros sintomas desagradáveis. Esses são efeitos da autonomia do complexo, que, por isso, gera fantasias, pensamentos, emoções e sentimentos aparentemente irracionais. Os aspectos incompatíveis com o eu, com os quais o indivíduo não se identifica, formam a sombra, um complexo pessoal que abarca as qualidades desprezadas, inadequadas à autoimagem.  Agora, imagine que haja várias partes obscuras em geral com graus variados de repressão: essa seria a condição que parece predominar entre as pessoas em geral. Por isso, no indivíduo mediano o inconsciente é mais ou menos autônomo em relação ao eu, o que lhe dá certo grau de força para contradizê-lo, muitas vezes com sucesso. Em oposição, se um complexo é posteriormente conscientizado, a energia psíquica correspondente será novamente adicionada à consciência e o eu se sentirá revitalizado, mais fortificado e mais disposto. O eu então ganha em autonomia em relação ao inconsciente.
     Whitmont (2002, p. 59-63) afirma que há dois aspectos no complexo: sua casca e seu núcleo. A casca é a superfície que se expressa como reação padrão e peculiar, adquirida pelo indivíduo, e depende de uma rede de associações agrupadas ao redor de uma emoção central. É formada por acontecimentos e traumas da infância, dificuldades e repressões, e podem ser rastreadas até o passado pessoal, e explicadas em termos de causa e efeito. Quando o lado pessoal é completamente explorado é que surge o núcleo do complexo. A casca pessoal do complexo é a forma pela qual o eterno tema mitológico – o arquétipo – se encarna e se apresenta na vida pessoal. O conceito de arquétipo deriva da observação repetida de que os mitos e os contos da literatura universal compreendem temas precisos que reaparecem sempre em toda parte. Esses mesmos temas são encontrados nas fantasias, nos sonhos, nas ideias delirantes e ilusões dos indivíduos contemporâneos. As imagens e correspondências típicas são chamadas representações arquetípicas e constituem os símbolos. Elas impressionam, influenciam e fascinam. Originam-se no arquétipo que, em si mesmo, escapa à representação, forma preexistente e inconsciente que parece fazer parte da estrutura psíquica herdada (JUNG, 1991a, p. 369-370).
     Um experimento interessante pode ser efetuado para se vivenciar a autonomia do inconsciente: 
  • Imagine um quadrado amarelo perfeito;
  • Mantenha-o parado e com a mesma cor na sua visão interior (se quiser pode “segurá-lo” com os dedos) por trinta segundos;
  • Perceba o que ocorre enquanto tenta mantê-lo parado.
  • Você conseguiu dominar o quadrado? Por quanto tempo?

     Esse experimento dá uma noção do nível de autonomia de seu inconsciente. Se você conseguiu manter a forma perfeita do quadrado assim como de sua cor a maior parte do tempo, isso significa que o seu inconsciente no momento tem menos autonomia que seu eu e que este é capaz de aceitá-lo e interagir com ele de modo eficaz. Se ocorreu o contrário, então seu inconsciente atualmente pode ter maior poder sobre seu eu e pode estar causando vários efeitos desagradáveis em sua personalidade, semelhantes ou idênticos aos já apontados. É esse maior ou menor grau de animação do inconsciente independente da vontade do eu que torna possível a execução da imaginação ativa, que consiste em interagir com os conteúdos do inconsciente na forma de personalidades subjetivas. A possibilidade de o inconsciente poder “burlar” o seu poder de controlar o quadrado amarelo torna possível se relacionar com ele como se fosse, por exemplo, uma pessoa interna que insiste em sua própria independência e ao seu direito de existir, de ser levado em consideração no âmbito do funcionamento do indivíduo.
     Johnson (1989) diz que fantasia (“phantasía”, no grego) originalmente quer dizer “tornar visível”. Logo, a atividade de fantasiar, isto é, imaginar, está estreitamente ligada, se não for idêntica, à faculdade de tornar visíveis conteúdos invisíveis, inconscientes ao indivíduo. Por isso pode-se compreender a mitologia em geral como um trabalho para se tornar perceptível o que se encontra ativado no inconsciente coletivo, trabalho esse altamente terapêutico à massa humana em geral e aos indivíduos, todos presas de vários problemas relacionados à população local e mundial.
     Por isso, imaginar de forma ativa consiste essencialmente em encontrar imagens e dialogar com elas. Isso envolve o uso de outras funções humanas que não a intelectual, a pensante. Normalmente, essa é a função mais utilizada em determinadas terapias, pois a ênfase é interpretar os sonhos, explicar os sintomas, traduzir os símbolos para a linguagem racional ligada ao hemisfério esquerdo. Na fantasia ativa o indivíduo é chamado a interagir, se relacionar com os diversos aspectos do inconsciente que clamam por atenção no interior do indivíduo. Para Johnson (1989, p. 186), “quando um grande número de fantasias o invade, muitas vezes isso significa que você não está dando atenção suficiente ao inconsciente.” E todo relacionamento envolve sentimentos, emoções, valores e julgamentos. Portanto, no embate com certo aspecto que se rebela, na tentativa de entendê-lo e de que ele entenda o eu, de forma que haja uma negociação respeitosa entre as partes, alcança-se uma compreensão que não tem nada de intelectual, mas que toca os sentimentos. Estes são muito exercitados, assim como a função pensamento, muito necessária na argumentação recíproca. Desta maneira o indivíduo é levado a exercer essa mesma forma de se relacionar de maneira ativa para o âmbito externo. Se com o exercício da imaginação ativa aprende-se a alcançar um relacionamento de respeito entre os diversos aspectos, quanto mais na interação com as pessoas do mundo externo. Sem se mencionar o ganho que o sujeito terá em termos de aprender a levar em consideração a totalidade da situação, do contexto, pois esse desafio ocorre normalmente na prática da IA. 
     Na IA é preciso entrar na ação, na aventura ou no conflito cuja história se desenrola na fantasia. O sujeito entra com a parte consciente em interação com o inconsciente. Existe uma confluência de ambas as partes que funcionam juntas para produzir a fantasia ativa, ao contrário da fantasia passiva, onde o indivíduo não se coloca, não se posiciona frente aos conteúdos que insistem em perturbá-lo. Exemplo de fantasia passiva é a preocupação, o medo ou a angústia que aparentemente não têm fundamento, aquela música que insiste em ficar martelando a cabeça, uma ideia que não para de ocorrer, etc. O indivíduo pode ficar cansado, irritado e angustiado de tanto ser perturbado pela fantasia, sem que saiba o que pode fazer para cessá-la. Seu dia a dia, o trabalho, as questões pessoais, podem ficar muito prejudicadas devido a essa interferência. Mal sabe que, se conseguisse acrescentar sua consciência à fantasia passiva na forma de um diálogo com seu conteúdo, tornando-o visível através da imaginação ativa, poderia trabalhá-la, expandindo sua personalidade consciente e ganhando em maturidade.
     Com a prática da IA e o estabelecimento da dinâmica de troca entre a consciência e o inconsciente, ocorre o restabelecimento ou o fortalecimento do eixo ego–si-mesmo, isto é, a ligação com o centro objetivo, transpessoal e organizador da psique ocorre, e as coisas começam a mudar na psique. Os efeitos desse processo serão abordados adiante.
     “Jung afirmou que o indivíduo devia tratar as fantasias inteiramente de forma literal enquanto estava empenhado nelas, mas de forma simbólica quando as interpretava” (SHANDASANI apud JUNG, 2010, p. 217). Essa frase encontra-se em “O livro vermelho”, que é uma compilação das imaginações ativas que Jung fez durante 16 anos e que, segundo ele, serviu de ponto de partida para todas as suas obras seguintes. As fantasias devem ser tratadas de forma literal, isto é, como se fossem a realidade externa, os personagens como se fossem pessoas, o cenário, os objetos, os animais, como se fizessem parte do mundo externo. E de fato, não há nada que contradiga esse tratamento, pois os elementos da imaginação têm sua existência própria, e é puro preconceito não lhes atribuir o valor de algo que existe. Constituem seres e objetos psíquicos, mas isso não lhes tira seu valor intrínseco. Uma crença, por exemplo, é um elemento psíquico que tem direito à existência, embora seu objeto possa não ter realidade material. Porém, a realidade da crença é tão incontestável que, dependendo de seu conjunto doutrinário, pode levar  ao assassínio de milhares de pessoas. O critério usado para se admitir a existência de algo não deveria ser sua materialidade, mesmo que abstrata – no caso da beleza, de certos sentimentos, etc., mas sua eficácia, sua capacidade de produzir efeitos, de mudar o estado de seres, objetos ou cenários. 
     A imaginação ativa deve ser tratada como uma realidade, caso contrário o indivíduo não a estará praticando. Um psicótico pode ter uma alucinação e não saber distinguir entre a realidade externa e o que ocorre internamente. Mas esse é o ponto chave: aquele que pratica a IA está completamente consciente das realidades em que se encontra inserido. Se aparece um personagem que diz algo sem sentido, ele o leva a sério e procurará compreender o que ele quer dizer com isso, questionando-o ainda mais ou guardando a frase para compreensão posterior, pois sabe que tudo na psique tem um sentido, um significado. 
     Entretanto, o indivíduo não pode praticar a IA e ao mesmo tempo querer interpretá-la. Se o fizer, irá querer controlá-la e isso não pode ocorrer. O praticante deve procurar controlar unicamente a si mesmo, seus próprios atos dentro da imaginação. A interpretação pode ocorrer apenas após a prática de uma IA ou de uma sequência delas. No entanto, se o praticante faz uma sequência de IA, pode ser que ao contemplar a sequência completa e fazer as conexões entre os diversos símbolos que aparecem, a interpretação ocorra sem muito esforço.
     Muitos indivíduos se preocupam com o fato de estarem “inventando” o roteiro da IA, e de não a estarem praticando realmente. Porém, “[...] é praticamente impossível produzir qualquer coisa na imaginação que não seja uma representação autêntica de alguma coisa do inconsciente. A função integral da imaginação é trazer o material do inconsciente, vesti-lo com imagens e transmiti-lo à mente consciente. […] Mesmo que uma pessoa seja leviana e, deliberadamente, tente inventar algo, forjar alguma coisa boba e estúpida, imaginar uma mera ficção, o material que vem através da imaginação ainda representa alguma parte escondida do indivíduo” (JOHNSON, 1989, p. 167). Portanto, a fantasia ativa é realmente uma “invenção” e, como toda invenção, tem sua origem no inconsciente. A verdadeira questão não é se as imagens são autênticas, mas o que se faz com elas. Não importa qual imagem aparece, se é ou não fantástica, se provém ou não de fato do inconsciente, mas se o praticante a leva a sério, se a toma como uma realidade e não como algo que não existe, que não é verdadeiro. É essa interação real entre o praticante e a imagem que constitui a fantasia ativa, que flui como uma conjunção da consciência e do inconsciente. 
     A atitude consciente, para se desenvolver, precisa distinguir a realidade em oposições e normalmente escolhe, de acordo com a educação e as exigências da sociedade, uma qualidade para incrementar, enquanto a qualidade oposta é reprimida e permanece subdesenvolvida no inconsciente (a sombra). Por isso, os materiais inconscientes são necessários para completar a atitude consciente, o que corrige sua parcialidade. Porém, no sonho a tensão de energia é baixa, e por isso os sonhos são expressões inferiores de conteúdos inconscientes. Daí ser preciso recorrer a fantasias espontâneas (SHAMDASANI apud JUNG, 2010, p. 209). A tensão de energia no sonho é baixa porque a participação da consciência é mínima na trama do sonho. O sonhador nem fica consciente de que está sonhando, e dificilmente faz uma escolha consciente para o contexto sonhado. As ações do ego onírico geralmente não são dirigidas pela vontade consciente e as cenas dos sonhos podem mudar repentinamente – pelo menos assim parece – sem que haja uma conclusão de forma que o ego vígil possa compreendê-las enquanto acontecimento coerente. 
     Aliás, parece que o ego onírico é de certa forma, em geral, indistinguível do inconsciente. E isso parece refletir o estado do ego vígil em relação aos conteúdos do inconsciente. Por isso, é altamente terapêutico o trabalho com os sonhos, pois através deste pode-se chegar a compreender de que forma o ego vígil encontra-se inconsciente de certos aspectos próprios, confusamente “misturado” aos conteúdos inconscientes. Daí Jung afirmar “que a pessoa precisava separar-se do inconsciente, apresentando-o visivelmente como algo separado dela. Era essencial distinguir o eu do não eu, ou seja, a psique coletiva [...]” (SHAMDASANI apud JUNG, 2010, p. 209). E a IA constitui uma prática em que essa separação ocorre a todo tempo. A todo momento o eu interage com aspectos inconscientes enquanto entidades separadas de si mesmo. Na prática terapêutica e pessoal da IA nota-se como a atitude do indivíduo em relação aos conteúdos do inconsciente muda no dia a dia: ele torna-se mais ativo, mais crítico em relação às antigas fantasias passivas, questionando-as e reafirmando sua posição. Além disso, também ganha em criatividade, pois também passam a ocorrer sugestões espontâneas e insights advindos do inconsciente em relação a ações, soluções de problemas, posturas, julgamentos, etc., ligados a problemas e assuntos cotidianos.
     Entretanto, essa separação do ego em relação aos conteúdos do inconsciente será ainda mais produtiva ao se levar em consideração a atitude habitual do indivíduo perante o mundo. Normalmente, se for intelectualmente orientado, tenderá a usar excessivamente palavras, ideias e associações livres durante as IA.  O inconsciente, por sua vez, tende a não irromper ou a se expressar de maneira débil. Recomenda-se que, nesses casos, o sujeito entre em contato com o novo na forma de imagens e sentimento (ROSSI, 1982, p. 204).  
     Portanto, se o indivíduo tem uma atitude excessivamente racional perante a vida, o que a torna menos criativa e mutável, recomenda-se o tipo de fantasia ativa mais voltada para a aventura, para a atividade, e que haja menos questionamentos e ponderações intelectuais com os personagens. Isso provocará um tipo mais construtivo de expressão do inconsciente. Geralmente, com uma consciência excessivamente racional, o inconsciente tende a ficar energeticamente bem mais carregado e em oposição ao eu, passando a provocar fenômenos totalmente independentes da vontade do indivíduo: acidentes, esquecimentos involuntários (os “brancos” mentais), chistes, lapsos de fala, um sentimento mais ou menos intenso de tédio, etc. Por isso, os personagens da IA, para compensar a unilateralidade da consciência, podem, inclusive, de forma totalmente autônoma em relação ao eu, se negar a oferecer demasiadas explicações ao praticante, compensando sua atitude rotineira.
     Mas se o praticante já se encontra demasiadamente dominado pelas emoções, recomenda-se que tome a atitude oposta à indicada anteriormente. O sujeito deveria se entender mais com os personagens e perguntá-los o sentido e o motivo das emoções que estão incomodando seu eu. O entendimento do seu estado emocional estabilizará seu estado de humor. A conscientização do sentido do sintoma acaba por integrá-lo à consciência, equilibrando sua parcialidade, o que deixa o inconsciente menos “carregado”. “No indivíduo dominado pelo afeto […] a imagenia [“produção de imagens” – N.A.] torna-se viva demais e as emoções despertadas tendem a fugir ao controle. […] Necessitarão da visualização de imagens cuidadosamente organizadas guiadas na direção do diálogo e cognição” (ROSSI, 1982, p. 204). Aqueles conteúdos antes pertencentes a fantasias ativas são “ouvidos” e deixam de importunar, como ocorre com uma criança, ou até mesmo um adulto, que tendem a se aquietar tão logo sejam levados em consideração. Então o sistema psíquico alcança um estágio temporário de sentimento unitário, de unicidade psíquica, que só pode se estabelecer com mais frequência à medida em que se consegue trabalhar vários outros complexos de maior carga energética.
     Entretanto, no caso de sobrecarga do inconsciente (sintomas típicos de psicose – alucinações, vozes, etc.), a IA não deveria ocorrer na forma de diálogo com figuras, e muito menos de encontro ou aventura, mas de expressão artística das imagens interiores (pintura, música, poesia, etc.). Isso objetiva o inconsciente e separa-o do ego perturbado,  fortalecendo-o. Uma análise mais ou menos longa também cumpre esse objetivo. A fantasia ativa, nesses casos, pode ocasionar uma extensão da fantasia à vida do sujeito, prejudicando ainda mais seu senso de realidade.
     A literatura aponta que a prática da IA pode diminuir a frequência dos sonhos, o que não comprovei na prática. Entretanto, percebi empiricamente que as fantasias passivas diminuíram sensivelmente e os pesadelos reduziram sua intensidade, com o consequente alívio da pressão interna. Também, os sonhos repetitivos ou de temas recorrentes, assim como os sonhos com temáticas do cotidiano (cenas comuns do trabalho, da família, da escola) se extinguiram: pelo contrário, passaram a ocorrer sonhos mais criativos, com lugares, pessoas e objetos totalmente novos ou desconhecidos.
     Além dos efeitos citados anteriormente, percebi:
  • o surgimento e a manutenção – enquanto se manteve a prática da IA – de sonhos com animais falantes, sinal da apropriação pelo próprio inconsciente da linguagem falada, instrumento do ego;
  • a extensão espontânea da IA a outros momentos no dia a dia, isto é, a interação com conteúdos internos personificados de forma instantânea, no momento em que surgiam na consciência;
  • maior espontaneidade e até maior extroversão (deve-se levar em conta que pertenço ao tipo introvertido);
  • a intervenção de “vozes” (pensamentos autônomos) que introduziam pontos de vista totalmente diferentes da atitude da consciência, principalmente quando esta insistia em perspectivas negativas, ou sugeria possibilidades ainda não pensadas.


O MÉTODO

     Como preparação para a IA obtenha caneta ou lápis, procure executá-la na penumbra diminuindo a luz ou usando uma vela, para que a percepção da realidade exterior seja diminuída. Recorra a uma técnica de relaxamento, usando a respiração, a concentração em partes do corpo ou outra qualquer. O relaxamento pode avivar a vivência das imagens.
     Para se efetuar uma IA deve-se atentar aos seguintes aspectos: seu registro, o “convite”, o diálogo e a vivência, o elemento ético dos valores e a sua concretização simbólica. A maior parte do que se encontra adiante provém de Johnson (1989). O registro das IA é da maior importância, pois agrega substancialidade à fantasia, trazendo a sensação de que houve um acontecimento interno que foi registrado, devidamente materializado em uma folha. Deixar uma IA apenas “na cabeça”, como uma lembrança, também é legá-la ao esquecimento. Sua recordação é muito importante para o entendimento do contexto psíquico do indivíduo. Além disso, seu registro denota a importância que o praticante dá ao trabalho interior e aos conteúdos do inconsciente. O registro pode ser simultâneo: o praticante o faz ao mesmo tempo que vivencia ou conversa com as imagens; ou pode ser tardio: registrar a fantasia ativa de memória. O registro pode ser na forma escrita, falada (gravador de voz), filmada, ilustrada, esculpida, etc. Pessoalmente, prefiro o registro simultâneo e escrito, pois é mais preciso, fluido e intensifica muito a concentração na atividade. O registro simultâneo também não permite que a IA se transforme em fantasia passiva, pois a todo momento a atenção do praticante é requerida, e ao mesmo tempo evita que se pense no significado do que está ocorrendo, o que é crucial para que não haja controle das imagens. Mais tarde também gosto de ilustrá-la – isso torna a experiência ainda mais real e palpável.
     Outro aspecto essencial da IA é o “convite”, que consiste na invocação de alguma figura do inconsciente. O convite consiste na disponibilidade do praticante em perceber o que o inconsciente tem para lhe mostrar ou falar, sem expectativas ou pré-condições. Consiste em se estar disposto a interagir com qualquer figura que surgir, por mais desagradável que possa parecer, em ser um bom anfitrião para acolher o que um dia foi expulso, esquecido ou que ainda não surgiu e é novo. Pode-se iniciar uma IA a partir de uma emoção incômoda ou insistente, de um sonho, ou pode-se ir até um certo lugar na imaginação para se encontrar com determinada figura de interesse do indivíduo. 
     O diálogo e a vivência expressa o confronto do ego do indivíduo – o centro da consciência – com o inconsciente. A consciência se faz presente na imaginação, em relação à manifestação do inconsciente na vida do sujeito, através:
  • dos questionamentos que o praticante faz para compreendê-lo;
  • da expressão dos sentimentos; 
  • das réplicas às questões, atitudes ou variadas expressões que o inconsciente propõe ao praticante;
  • das precauções que o indivíduo toma para que esteja realizando uma verdadeira fantasia ativa.

     Todas essas atitudes normalmente estão totalmente ausentes nos sonhos. O inconsciente, por sua vez, se manifesta na imaginação através:
  • da vida própria ou espontaneidade que as imagens assumem, atuando de maneira independente da consciência ou vontade do sujeito;
  • das expressões simbólicas ou mesmo literais que o inconsciente propõe à consciência;
  • das réplicas que propõe ao comportamento interno ou externo do praticante.

     O comportamento que alguém com problemas emocionais assume na IA é totalmente diferente daquele que normalmente tem em relação às pessoas e aos acontecimentos do mundo exterior, o qual reflete, inevitavelmente, a atitude que tem para com os conteúdos internos próprios. Por isso, Rossi (1982, p. 187) diz que “quando se fica prisioneiro no turbilhão emocional de um conflito, pode-se aprender a experienciar a própria identidade em outro nível de consciência, e desta maneira resolver o turbilhão no nível inferior”. Isto é, durante a IA o sujeito aprende a ordenar sua própria “casa”, se posicionando em relação a elementos que normalmente não dá atenção por não poder percebê-los ou por não dar o devido valor em termos de tempo e disponibilidade. O praticante aprende a assumir sua identidade em outro nível de consciência, muito mais centrado e integral do que normalmente faz. Seu ego se separa do conflito e o confronta a partir de fora (ou de um ponto de vista superior – como queira), pois não se deixa possuir pelas emoções, mas as objetiva à sua frente para ouvi-las.
     “Se o seu ego estiver realmente se dirigindo às figuras interiores e interagindo com elas, então haverá uma experiência contínua, coerente, com as figuras originais. Não fique inerte enquanto sua mente voa de uma imagem a outra, como de um 'clip' de filme a outro.” (JOHNSON, 1989, p. 198). Se isso chegar a ocorrer, é porque a consciência deixou de atuar ativamente sobre a imaginação, e o ego está vivenciando uma fantasia passiva. Portanto, não deixe as figuras mudarem enquanto essa transformação não resultar do esgotamento de suas ações e diálogos com elas, enquanto não tiver interagido o suficiente para conhecê-las e sentir que pode se despedir. Um vínculo consciente tem que ser efetuado entre as figuras e o eu. “O fato de manter-se passivo na fantasia exprime simplesmente sua atitude geral em relação à atividade do inconsciente. [...] Ele aceita sem discutir esses sentimentos negativos que no fundo são autossugestões.” (JUNG, 1987, p. 90). Ao atuar ativamente nas fantasias o eu passa a distinguir essas afirmações involuntárias do que conhece de si mesmo, mesmo no dia a dia. 
     Se surgir a imagem de algum conhecido peça para mude de aparência. A IA com pessoas conhecidas pode ter um efeito imprevisível sobre seu relacionamento com elas, tornando o vínculo mais inconsciente e forte. Talvez isso se deva porque o praticante pode perder facilmente a noção de que interage com aspectos próprios, passando a atuar com as figuras como atua com as pessoas correspondentes. Os autores consultados, entre elas também a Von Franz, são de opinião unânime de que essa prática corresponde à “magia negra” e que o resultado, quase sempre indesejável, sempre atinge o praticante.
     O próximo aspecto a ser considerado – os valores – são especialmente importantes. Nas IA o praticante lida a todo instante com temas arquetípicos. “[...] a eles [os arquétipos] interessa [...] que todos os temas arquetípicos sejam encarnados na vida humana.” Aos arquétipos não importa saber se isso causa ou não danos ou se esmagam valores nesse processo. “Os arquétipos primordiais [...] são [...] forças impessoais e amorais da natureza não qualificadas pelos valores humanos de compaixão, delicadeza, identificação com a vítima, afinidade amorosa ou senso de justiça” (JOHNSON, 1989, p. 212). Cabe ao ego do praticante introduzir o elemento ético dos valores. Os elementos psíquicos inconscientes encontram-se desligados das considerações do eu e isso pode ser a causa de diversos conflitos internos. Levar ao inconsciente os valores da consciência é um dos passos terapêuticos mais importantes. O desafio dado ao ego é responder e defender valores como a honestidade e o compromisso, a despeito do que o inconsciente possa expressar. O eu não pode se deixar dominar, embora também não possa ter a pretensão de domínio sobre a totalidade psíquica. Johnson (1989, p. 198) chega mesmo a dizer que nada é “melhor para iniciar um diálogo rapidamente, ou em um nível mais profundo, do que a expressão dos sentimentos”. E isso pude comprovar pessoalmente: quando você expressa seus sentimentos a uma figura psíquica você também está expressando que dá valor a ela, que essa personificação é tão real para si que merece que você seja o mais sincero possível para com ela. E pude perceber que essa confissão de sentimentos muitas vezes tem o valor de um verdadeiro desabafo. Sim, talvez não haja como desabafar consigo mesmo, quando pensa estar falando somente consigo mesmo; mas é diferente quando se interage com personificações do inconsciente, pelo menos quando se pratica IA  corretamente. O praticante se encontra realmente se relacionando com um outro.
     Segundo Rossi (1982, p. 97), “uma confrontação bem-sucedida com forças negativas inicia uma expansão da consciência e a psicossíntese de uma nova identidade”. A consciência se expande porque o indivíduo começa a perceber que todo conhecimento que tem de si mesmo é apenas a ponta do iceberg; que sua personalidade envolve muito mais do que as qualidades que afirma pertencerem a si mesmo; e que perceber que possui certo aspecto negativo, não significa que tenha que atuar de acordo com ele em qualquer lugar ou em qualquer tempo. Pelo contrário, compreender que há certo aspecto detestável na própria personalidade e conseguir aceitá-lo é um ganho em poder, pois existe a possibilidade de acioná-lo no momento e local mais apropriado. Visto que não existe aspecto negativo por si só, mas apenas qualidades que podem ser usadas ou não de maneira adequada. Para Jung (1991, p. 172) “o mais importante é diferenciar o consciente do conteúdo do inconsciente. É necessário, por assim dizer, isolar esses últimos, e o modo mais fácil de fazê-lo é personificá-los, estabelecendo depois, a partir da consciência, um contato com essas personagens. Apenas dessa maneira é possível diminuir-lhes a potência, sem o que irão exercer seu poder sobre o consciente”. Com isso se forma uma nova identidade, uma percepção de si mesmo muito mais ampla e abrangente, capaz de adaptação às mais variadas situações.
     Por fim, a IA pode ser encerrada com uma simples despedida ou um protocolo pessoal: ir a um portal, vestir uma roupa, fazer certo gesto, etc. Uma forma padrão de se despedir do inconsciente valoriza-o e fecha o processo de forma padrão, encerrando-o oficialmente. Isso evita que a imaginação continue após o processo, transformando-se em fantasia passiva.
     Johnson (1989) recomenda que se crie um ritual para cada IA ou sequência de IA após o processo. O ritual torna a fantasia ativa mais concreta e fornece maior discernimento, estendendo a vivência para outras percepções dos sentidos. Ao mesmo tempo, o ritual representa outro nível de resposta ao inconsciente. Ritualizar uma IA é dizer ao inconsciente que sua mensagem foi compreendida, é mais uma vez valorizá-lo, levá-lo a sério e reafirmar sua existência para o praticante. A reafirmação da existência do inconsciente pelo eu é uma forma de evitar que ele se faça perceber de modo inconveniente. Para ser eficaz, o ritual deve representar o conteúdo da vivência da IA. É um conjunto de ações do indivíduo no mundo externo que representa o que ele vivenciou na imaginação. Pessoalmente, costumo desenhar e colorir alguma cena da vivência ou representá-la como um todo como um ritual padrão, se não acrescentar outro. Entretanto, convém que o ritual seja efetivado de forma privada, respeitosa e cerimoniosa, pelos motivos já apresentados.
     Para ilustrar o método, convém exemplificar com uma das experiências de fantasia ativa mais eficazes em curto prazo que já tive. Há mais ou menos 20 anos atrás eu queria visitar minha namorada. No entanto, ao mesmo tempo eu queria ficar em casa e continuar a leitura de um livro que estava me interessando muito. Porém, eu não conseguia sair e nem ler o livro tranquilamente, pois era domingo, quando costumava passar o dia todo com ela. Resolvi fazer uma IA para resolver o dilema. Perguntei quem em mim estava em conflito com a minha vontade de sair (convite). Em minha tela mental apareceu um senhor de mais ou menos 70 anos, cabeça totalmente grisalha, usando óculos, de aparência muito culta. Nos apresentamos. Ele parecia contrariado. Perguntei a ele então por que estava me perturbando e não deixando passar o dia onde queria. Ele começou a responder e fui transportado a um episódio acontecido há uns 3 dias atrás. Eu caminhava de volta para casa e pensava comigo mesmo, mais ou menos nessas palavras: “Sou um cara muito teórico. Tenho que sair mais, curtir mais a vida... Só fico lendo, e prática que é bom, nada...”. É importante frisar que eu era inclusive discriminado no trabalho quando fazia determinadas observações baseado em leituras e estava introjetando valores de outras pessoas em conflito com os meus (diálogo e vivência). Imediatamente percebi que eu havia humilhado essa minha parte intelectual e não estava dando o devido valor a ela. Tudo tem seu lugar na vida e não precisa ser estendido a todo momento e lugar. Pedi desculpas a ele e prometi que logo mais à noite eu me dedicaria à leitura que tanto ansiava (elemento ético e valores). Despedi-me do senhor com um aperto de mãos. Ao terminar a IA senti-me totalmente em paz e com um sentimento de unicidade interna. Notei que estava bem mais espontâneo ao chegar à casa da namorada. À noite não ousei desprezar o acordo proposto ao culto senhor e continuei a leitura do livro (concretização ou ritual).
     Existem muitos exemplos artísticos de uso da imaginação ativa. Livros como “A divina comédia” de Dante, “Fausto” de Goethe, e o Zarathustra de Nietzsche foram, muito provavelmente, imaginações ativas originais trabalhadas estilisticamente mais tarde. Filmes como “Alice no país das maravilhas” – ver o texto “Alice no inconsciente coletivo” em www.apsiqueeomundo.blogspot.com – “Paixões paralelas”, “A origem”, “O labirinto do fauno”, “Avatar”, estórias sobre Peter Pan, Pinóquio, etc., são exemplos fascinantes de fantasias ativas, mesmo que alguns assumam a forma de sonhos, com grande aproveitamento para o autoconhecimento dos praticantes.
     Gostaria de terminar com uma reflexão: “É preciso coragem para ir até o lado ‘mau’ de nós mesmos, e considerar que pode ter um papel construtivo a desempenhar na nossa vida. É preciso coragem para olhar diretamente a fragmentação de nossos desejos e ansiedades. Um lado parece dizer sim, enquanto o outro diz não, com veemência.  Um lado da minha psique pede relacionamento, segurança e estabilidade. O outro quer partir para as heroicas cruzadas, anseia grandes aventuras em lugares exóticos, viajar para o outro lado do mundo e viver como cigano. Já uma outra personalidade quer construir um império e consolidar seus sistemas de poder. Por vezes, essa discussão parece não ter solução e nos sentimos dilacerados pelos conflitos entre desejos, deveres e obrigações.” (JOHNSON, 1989, p. 47). Um exemplo de aplicação do princípio da IA à própria vida é o cultivo que Fernando Pessoa fez através de sua literatura. Ele conseguiu levar as várias instâncias de sua psique a sério personificando estilos diferentes de escritores, aos quais dava voz através das poesias que escrevia. Ao invés de experimentar conflitos internos através das pessoas com quem convivia, exprimia sua fragmentação pela arte, mesmo correndo o risco de ser encarado como louco. Assim, pode-se dizer que é possível viver aspectos não experimentados através de vivências simbólicas, principalmente através da imaginação ativa. E então, quando se está devidamente preparado, quando o ego for forte e estruturado o suficiente, a imaginação ativa é uma alternativa inteiramente válida aos indivíduos ansiosos por autoconhecimento. Então se pode fazer consigo experiências, deparar-se com o Sr. Inconsciente, submeter-se à sua análise e iniciar outra vida nunca antes possível. A aventura começa.